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Poderia ter anunciado a solução do caso Marielle, diz Braga Netto

Para o general que ficou à frente da intervenção federal no RJ, estado está mais seguro, mas há risco de aumento de índices de criminalidade

Por Leandro Resende
Atualizado em 11 jan 2019, 17h33 - Publicado em 11 jan 2019, 16h19

Cansado após os dez meses em que comandou a segurança pública do Rio de Janeiro, entre fevereiro e dezembro do ano passado, o general Walter Souza Braga Netto, ex-interventor federal, conversou durante uma hora com VEJA na última quarta-feira (9), para reportagem publicada na edição desta semana.

O legado da inédita decisão do ex-presidente Michel Temer ainda é incerto, sobretudo diante das primeiras medidas tomadas pelo recém-empossado governador fluminense, Wilson Witzel. O general não dá opiniões sobre o “sucessor”, mas acredita, sobretudo, que hoje o Rio de Janeiro é um local mais seguro.

Ele destacou que o maior legado da sua gestão é a disciplina sobre o uso do dinheiro público, pôs em xeque denúncias de violações de direitos em favelas e garantiu: “Poderia ter anunciado a solução do caso Marielle, mas não havia provas suficientes. Se houver continuidade na investigação, vai se chegar a um resultado”.

 A seguir, os principais trechos da entrevista:

Dez meses de intervenção no Rio de Janeiro, em 2018, e alguns índices de criminalidade caíram no comparativo com 2017. Latrocínios e roubos de carga tiveram redução, mas nos últimos meses voltaram a subir. Hoje, o senhor acredita que o Rio de Janeiro é mais seguro? Sim, é mais seguro. Mas isso não significa que continuará seguro. É um trabalho constante. Não inventamos nada quando chegamos. Fizemos análise, vimos os problemas. E passamos a trabalhar em cima da mancha criminal, a partir de um sistema que já existia no Rio de Janeiro, o ISPGeo, com prioridade para os crimes que mexessem com vida. Não adianta você ter policial 24 horas por dia na Praia de Copacabana. Precisa saber a que horas, em que local que ocorrem os crimes, e agir ali. A diferença que existe na intervenção é que nós não pedimos: nós mandamos. Era planejado e dizíamos: “Você vai fazer isso”. E mostramos o porquê, não é “porque eu quero”.

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Qual é o legado mais importante da intervenção? O legado intangível. O problema não era falta de dinheiro na Secretaria de Segurança: era a falta de gente capacitada para usá-lo. O que nós fizemos foi uma grande gestão de segurança pública. Paguei curso, capacitei 150 agentes dos órgãos sob intervenção. O que vai ficar é isso, e não Exército na rua. Além disso, há a integração das inteligências [das Polícias Civil e Militar] e o reforço nas corregedorias das polícias.

A falta de recursos básicos nas delegacias e batalhões do Rio ainda é evidente. E de acordo com o Observatório da Intervenção, apenas 10% do 1,2 bilhão de reais disponibilizados pela União já foram gastos. Por quê? As pessoas não sabem fazer gestão pública. Eu tinha que estar com os recursos empenhados (reservado, com destinação acertada) até 31 de dezembro, e terminei com 97,24% desse 1,2 bilhão de reais com gasto previsto. Gastar dinheiro público corretamente, nesse montante, é muito difícil, não é para amador. 

O que foi empenhado e será entregue para os órgãos de segurança pública? Material para polícia técnica, maletas de perícia, drones, motocicletas, ônibus, coletes, ambulâncias, colchões. Eu comprei 50 mil colchões para o sistema penitenciário. Kit para presos, computadores, capacetes, bateria, pneus… Tem entregas para vários meses. Nós compramos três helicópteros que vão ser entregues em janeiro de 2021, dois para a Polícia Civil e um para o Corpo de Bombeiros. [VEJA apurou que devem ser entregues ainda neste mês cerca de 400 novas viaturas para a Polícia Civil].

Por que o número de mortes em confronto com a polícia aumentou tanto durante a intervenção? Parece que a aposta continuou sendo na política de confronto. [Entre março e novembro, houve 1.287 mortes registradas como resultado de confrontos com a polícia. O número cresceu 36,3%em relação ao mesmo período de 2017] Não há política de confronto. São três componentes: o trabalho em cima da mancha criminal, que é chegar na maior probabilidade de encontrar o marginal. A postura de confronto tem este marginal, geralmente um jovem armado. Ele se acostumou a enfrentar. E aí a polícia chega com armamento novo, treinada e capacitada. Quando chegamos, o policial mirava e não sabia aonde o tiro ia – ele tem uma arma e precisa ser ensinado a usá-la corretamente. Não treinamos policiais para a guerra. E o bandido tem uma postura de confronto, acontece o enfrentamento. É por isso que aumentou [o número de mortes em operações policiais]. E depois começou a cair, porque o bandido depois percebe que não é um bom negócio para ele enfrentar a polícia.

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Mas o crescimento do número de mortos em operações foi bastante criticado. O menor número de policiais militares mortos é prova cabal de que não há política de confronto. [Entre março e novembro de 2017, 91 policiais militares morreram no Rio de Janeiro. No mesmo período, sob intervenção, morreram 69. No total, morreram 103 agentes de segurança, incluindo quatro integrantes do Exército em serviço]. Você tem que entender o seguinte: a intervenção não é uma coisa simples, é uma excepcionalidade, mas que não tinha nada de excepcional. Eu tenho que seguir todos os processos, tudo funcionando normal. Eu só tinha a cobrança da intervenção, e começamos do zero. A intervenção começou comigo e mais dois caras. Eu recebi a notícia: “Você é o interventor”, pronto, acabou.

Entre vários problemas, o Rio tem uma especificidade pelo fato de milicianos e traficantes, de diferentes facções, disputarem território. É possível identificar qual é o local onde estão os maiores problemas? Não há um local. São todos marginais, mas que mudam o tempo todo, motivados pelo dinheiro e pelos interesses econômicos. Um caso de sucesso, para mim, foi o combate a roubo de cargas. Nós tínhamos a mancha criminal, sabíamos em que horas eram os roubos, onde eram os roubos. Foi tudo mapeado em parceria com a Força Nacional, Forças Armadas, Polícia Rodoviária Federal. É preciso uma integração que nós conseguimos aqui, mas precisa ser feito nas fronteiras. 

Diz-se no Rio de Janeiro, há anos, que é impossível integrar as polícias Civil e Militar. Nós conseguimos. A preocupação era que na hora que chegamos como intervenção, eles acharem que começaríamos tudo do zero, mas busquei mostrar que era uma janela de oportunidade. Não existe esse troço de buscar o protagonismo. Se eu fosse buscar, puxava todo o protagonismo para mim. Vou te dar um exemplo: você sabe que o brasileiro é imediatista. Em três dias de intervenção, já via os comentários: “E aí, intervenção foi feita e nada mudou”.

Naquela que foi considerada a maior operação realizada pela intervenção, em agosto, quando 4,2 mil militares entraram nos complexos da Penha, Maré e Alemão, três membros do Exército morreram, dois no mesmo dia 20 de agosto, outro depois — dado inédito tratando-se das Forças Armadas. Valeu a pena? Havia ali uma importante concentração de marginais. E toda operação nossa desse tipo sempre há um risco. Faz parte da nossa profissão. A perda do soldado é como se eu tivesse perdido um filho. Ninguém quer perder um companheiro. O planejamento para aquela operação foi bem-feito. Em dois dias, nós tivemos quatro horas de confronto ininterruptos, mais de 6 mil tiros disparados, e não houve um dano colateral. Tivemos oitenta presos, 2,5 toneladas de drogas apreendidas. Demos um prejuízo de 2,4 milhões de reais ao tráfico. Não repõe a vida dos meus soldados, mas mostra que o trabalho foi bem-feito.

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Nessa e em outras operações, foram feitas diversas denúncias de moradores de favelas sobre violações de suas moradias, impedimento da livre circulação. Por que isso aconteceu? Não vou tecer comentário sobre isso, mas vou te dar um exemplo real sobre essa operação em agosto. Havia um homem, no morro do Alemão, ferido dentro do carro. E uma mulher gritando que era morador, para deixar passar. Mas era bandido, [O caso mencionado por Braga Netto é o de Eber Nascimento Cândido, baleado durante a megaoperação no mês de agosto. Apontado como chefe do tráfico do morro do Jacarezinho, ele foi preso pela Polícia Civil no hospital, após se passar por morador do Complexo da Penha para escapar de um cerco feito por militares]. Então, essas denúncias precisam ser muito bem averiguadas.

Já se passaram mais de 300 dias desde que a vereadora Marielle Franco (PSOL) e seu motorista, Anderson Gomes, foram mortos. Para o senhor, o crime foi uma tentativa de desmoralizar a intervenção? Não. Para mim não teve nada… Aquilo foi uma má avaliação deles, da intenção deles. Avaliaram mal, fizeram …

Avaliaram mal o que? Quem? Avaliaram mal, acharam que ela é um perigo maior do que o que ela era…

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Um perigo para quem? Não vou entrar nesse mérito. Acharam, de repente, que o estado, por estar sob intervenção, tinha desorganizado as polícias. O comandante da PM mal tinha assumido, e logo teve a morte da Marielle.

Qual a avaliação que o senhor faz do episódio? Vou te falar o que tenho dito sempre: foi um crime de repercussão. Na época, chamei o secretário. Falei que era necessário dar prioridade ao caso, e que não podia ter nenhum tipo de vazamento. O pessoal estava acostumado a investigação policial virar uma novela, mas, para você ter uma investigação segura, precisa de um trabalho reservado. Foi feito um trabalho, e não adianta eu fechar o caso Marielle com provas pouco robustas. Para mim, é pior prender fulano de tal, e daqui a dois meses, ou trinta dias, quando ele for julgado, ele ser inocentado. Não porque ele não é o culpado, mas porque não há provas suficientes. Isso foi montado [a investigação] para se fazer provas robustas em cima. Mostramos ao novo chefe da Polícia Civil a importância de a investigação ter continuidade. 

Foi um marco negativo para o período em que o senhor foi o interventor? É frustrante ter deixado o cargo sem ter uma solução? Não foi um marco negativo, foi um crime de grande repercussão que afrontou a democracia, que nós dedicamos todo o esforço possível para resolver. Está muito perto. Não trabalho com frustração, mas gostaria de ter fechado o caso antes [de a intervenção acabar]. Eu poderia ter anunciado antes, mas ia bater nisso, de não ter provas suficientes.

Mesmo com a mudança de governo o caso será solucionado? Pelas informações que tenho, se houver continuidade, vai se chegar a um resultado. Ele [governador Wilson Witzel] está pegando um trabalho que foi feito, que não foi da intervenção, foi das equipes que estavam em cima do caso. O caso Marielle não é problema para governador de estado, no meu caso como interventor, resolver. Não é caso nem do secretário de Segurança, é do chefe da Polícia Civil com o encarregado da Divisão de Homicídios.

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O miliciano Orlando de Curicica, que está preso, acusa a Divisão de Homicídios da Polícia Civil de receber dinheiro para não esclarecer crimes. Um marginal que está preso, não pelo caso Marielle, mas que tem tem uns doze crimes nas costas, e ele faz uma acusação, no presídio de segurança máxima. Não estou dizendo que não há problema, mas você pegar a acusação de um bandido e dar pra ele a credibilidade toda que foi dada…. Isso é uma irresponsabilidade. Desqualificar a investigação é uma técnica usada por bandidos.

O senhor já disse que não vai dar opinião sobre o governador Wilson Witzel e a proposta dele de abater criminosos com fuzis usando até snipers (atiradores de elite), mas por que tem tanto fuzil no Rio de Janeiro? São muitas brigas por territórios. As questões não são simples assim. O problema do Rio envolve até a topografia. A comunidade chega perto da sociedade, então facilita a descida. Um tiro na favela pega lá embaixo. Em outros locais, isso é mais espraiado. Outra coisa que acontece é que o Rio é uma caixa de ressonância do país, na questão dos fuzis, dos arrastões. Eu morei na Europa, na Ásia, vi a máfia russa. Os caras lá andam com AK-47. O que conseguem reduzir é a ostensividade. Aqui, a ostentação é muito grande, por conta de um pacote de problemas que vão da preparação e integração das forças de segurança e a velocidade da Justiça em responder a isso tudo. A polícia, no ano passado, recuperou uma quantidade de fuzis danada. [entre março e novembro de 2018, foram 356 fuzis apreendidos, contra 401 no mesmo período em 2017]. E sempre vai ter fuzil.

Foi sua missão mais difícil, general? Olha só… O pessoal diz que é um perigo trabalhar comigo, porque sempre acontece alguma coisa. Não posso reclamar da contribuição que tive de todos os níveis, do governo do estado, da Justiça estadual e federal, das agências todas. Não saio dessa missão com nenhum arrependimento, mas saio cansado.

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