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PF investiga suspeitas de desvios de dinheiro das emendas para crime organizado

As investigações colheram fortes indícios de que esse dinheiro surrupiado dos cofres públicos também pode estar alimentando campanhas políticas

Por Ricardo Chapola Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 17 jan 2025, 11h42 - Publicado em 17 jan 2025, 06h00

A destinação de recursos do Orçamento federal através das chamadas emendas parlamentares está na origem de barulhentos escândalos de corrupção há mais de trinta anos. Na década de 90, deputados e senadores desonestos enviavam recursos para entidades “filantrópicas” que pertenciam a parentes, amigos, correligionários ou a eles mesmos. A caridade chegava apenas aos bolsos dos envolvidos na trama. O método sofreu algumas mutações ao longo do tempo, mas o objetivo continuou o mesmo. Há mais de uma dezena de inquéritos em andamento da Polícia Federal apurando fraudes em diversos estados da federação. As investigações colheram fortes indícios de que esse dinheiro surrupiado dos cofres públicos, via emendas parlamentares, pode estar alimentando campanhas políticas e facções do crime organizado.

SUSPEITA - Júnior Mano (PSB-CE): o deputado federal é apontado como “peça central” do esquema
SUSPEITA - Júnior Mano (PSB-CE): o deputado federal é apontado como “peça central” do esquema (@juniormanodep/Facebook)

No Ceará, a polícia está investigando denúncias de que um naco milionário dos recursos provenientes de emendas teria sido desviado para financiar campanhas políticas no estado. O inquérito envolve o deputado federal Júnior Mano (PSB-CE), empresários, políticos e o grupo Guardiões do Estado (GDE), considerado uma das mais bem organizadas e violentas facções que comandam rotas do tráfico de drogas na região. O esquema, segundo a PF, tem o parlamentar como “peça central”. Mano, um membro do chamado baixo clero da Câmara, chamou a atenção das autoridades depois que se soube que a cidade de Nova Russas, no Ceará, havia sido contemplada com 80 milhões de reais em emendas para a realização de obras de pavimentação. O município, além de reduto eleitoral do congressista, tem a mulher dele como prefeita, (Giordanna Mano (PRD) foi reeleita em outubro). Era estranho, mas não era ilegal.

CONEXÕES - Documento anexado ao inquérito da PF: ligações da campanha do então candidato e atual prefeito de Canindé com os Guardiões do Estado (GDE), grupo que controla rota do tráfico de drogas no Ceará
CONEXÕES - Documento anexado ao inquérito da PF: ligações da campanha do então candidato e atual prefeito de Canindé com os Guardiões do Estado (GDE), grupo que controla rota do tráfico de drogas no Ceará (Cícero Rubens/.)

Durante as eleições do ano passado, porém, a polícia recebeu a informação de que o parlamentar estaria financiando campanhas políticas de aliados em cinquenta cidades cearenses, o que equivale a quase um terço dos 184 municípios do estado. Os investigadores foram checar e colheram indícios de que os recursos enviados pelo parlamentar a prefeituras, sem excluir a de Nova Russas, haviam sido desviados. O esquema seguia um roteiro conhecido: as prefeituras direcionavam a licitação para que determinadas empresas executassem as obras e parte do dinheiro, quando não ele todo, sumia. Detalhe: os “empresários” contratados eram amigos do deputado. Durante a operação, a PF teve acesso a conversas telefônicas entre os suspeitos nas quais eles discutiam movimentações financeiras e compra de votos. Uma testemunha ouvida disse que o dinheiro era desviado, lavado pela quadrilha e devolvido a Júnior Mano. Por envolver um deputado federal, o inquérito foi remetido ao Supremo Tribunal Federal (STF).

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VERBAS - Plenário: parlamentares enviaram 150 bilhões de reais às bases
VERBAS - Plenário: parlamentares enviaram 150 bilhões de reais às bases (Ton Molina/Fotoarena/.)

Em Canindé, cidade que fica a 120 quilômetros de Fortaleza, o grupo ligado a Júnior Mano elegeu o prefeito Professor Jardel (PSB). A investigação da PF afirma que houve compra de votos e aponta Carlos Alberto de Queiroz Pereira, conhecido como Bebeto do Choró, como o agenciador do negócio. Durante o processo eleitoral, os adversários do candidato pessebista denunciaram que estavam sendo intimidados e recebiam ameaças anônimas. A polícia descobriu que as ameaças partiam de uma mulher que chefiava o comitê eleitoral do Professor Jardel, uma conhecida traficante de drogas ligada à facção GDE. “Além disso, também foram amplamente divulgadas dentro do distrito fotos com o número do referido candidato e a frase ‘sou GDE 745 e voto 40’, em alusão à facção criminosa GDE”, diz um trecho do documento elaborado pela Polícia Militar do Ceará. Para os investigadores, esses eventos revelam o nível de infiltração do crime organizado na política cearense. Bebeto, aliás, além de amigo do deputado, foi eleito prefeito da cidade de Choró, mas não assumiu o cargo. Dias antes da posse, ele teve a prisão preventiva decretada e fugiu — encontra-se hoje foragido.

NO CONGRESSO - Guimarães: as emendas do deputado estavam na mira
NO CONGRESSO - Guimarães: as emendas do deputado estavam na mira (Lula Marques/Agência Brasil)
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Em 2018, os Guardiões do Estado ganharam notoriedade nacional por promoverem a maior chacina já registrada no Ceará, quando catorze pessoas foram executadas. A facção também é apontada como responsável por ataques a ônibus. Ela controla o tráfico de drogas na região e tem “tribunais” nos presídios que julgam quem vive e quem morre. Especializado no estudo de facções criminosas, o professor de sociologia da Universidade Federal do Ceará e pesquisador do Laboratório de Estudos da Violência (LEV), Luiz Fábio Silva Paiva, diz que a aproximação do crime organizado com a política é resultado da disputa por territórios. “Esses grupos não controlam apenas a venda de drogas, mas também os negócios legais. Isso faz com que a facção tenha integrantes que funcionam como figuras respeitadas, influentes eleitoralmente”, explica.

MUTAÇÕES - Operação Overclean: a fraude é replicada em vários estados
MUTAÇÕES - Operação Overclean: a fraude é replicada em vários estados (Receita Federal/.)

Na mesma investigação da PF no Ceará há uma mensagem de áudio na qual é citado o líder do governo na Câmara, deputado José Guimarães (PT-CE), que teria sido o padrinho de uma emenda que destinou recursos para a cidade de Choró. Em um dos trechos, escuta-se o seguinte: “O pessoal do Guimarães quer fazer um negócio de 1 milhão e meio de emendas de saúde, aí eu quero que meu fi veja aí. Vou mandar eles te ligar, viu? No máximo, 12%. Indicação para Choró. Aí indica agora, dia 6 de outubro. Aí já é logo carimbada”. Segundo a PF, essa mensagem de áudio foi enviada por Bebeto do Choró a um funcionário do gabinete de Júnior Mano. A polícia suspeita que a conversa seja sobre uma emenda aprovada pela Comissão de Saúde da Câmara em junho de 2024, no valor de 1,5 milhão de reais para o Fundo Nacional de Saúde, montante que foi repassado integralmente ao município. Em nota enviada a VEJA, Guimarães nega ter indicado a emenda e garante que não conhece nem tem qualquer relação com Bebeto do Choró ou com o assessor de Júnior Mano. VEJA também procurou Mano para falar sobre as investigações da PF e ele não quis se manifestar, sob o argumento de que o processo está em sigilo.

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EM SACOS E MALAS - Propina: altas quantias continuam sendo apreendidas
EM SACOS E MALAS - Propina: altas quantias continuam sendo apreendidas (./Polícia Federal)

Nos últimos cinco anos, os parlamentares enviaram quase 150 bilhões de reais às suas bases eleitorais. Os recursos deveriam ser usados em obras de infraestrutura, programas de saúde, educação e segurança, entre outros. Sem uma fiscalização mais rígida e, em certos casos, com pouco ou nenhum controle dos órgãos estatais sobre a aplicação das verbas, uma parte desse dinheiro, não só no Ceará, acaba sendo canalizada para o bolso de espertalhões. No final do ano passado, a PF realizou uma operação na Bahia, onde prendeu empresários, apreendeu dinheiro e encontrou provas robustas de desvios de verbas do Orçamento via emendas. A investigação ainda está em andamento e tudo leva a crer que ela ainda vai longe.

Publicado em VEJA de 17 de janeiro de 2025, edição nº 2927

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