Pedro Pacífico: “Eu me aceitei como homem gay com ajuda dos livros”
O advogado e influenciador literário fala sobre o papel das obras em seu processo de autodescoberta
Os livros foram decisivos no meu processo de autoaceitação como homem gay. Nasci em São Paulo, cresci em uma bolha muito tradicional, sou formado em direito. Não queria ser diferente. Nos ambientes em que vivia, isso significava ser alvo de bullying — por isso sempre tentei, ao máximo, me encaixar no chamado “padrão”. Comecei a me aproximar dos livros mais tarde na vida, já no final da faculdade, ao descobrir que havia comunidades nas redes sociais dedicadas ao tema. Foi quando criei o perfil @Book.ster no Instagram, em 2017, voltado para indicações e resenhas de livros. Hoje tenho mais de 460 000 seguidores, e venho incentivando o hábito da leitura na vida das pessoas. Neste ano, lancei meu livro de memórias, Trinta Segundos sem Pensar no Medo (Intrínseca), que retrata minha jornada de autodescoberta com o amparo dos livros e alcançou posição de destaque na lista dos mais vendidos.
A leitura, bem como a comunidade virtual de leitores, me mostrou que a diversidade, em todas as suas formas, é algo a ser celebrado. Na época em que criei o perfil, ainda tentava reprimir os conflitos internos sobre minha sexualidade. Fui me aceitando aos poucos, conforme conhecia e me identificava com diferentes personagens, LGBTs ou não, e suas angústias, medos, vergonhas, o sentimento de não poder falar o que pensa, de estar em constante sensação de alerta. Os livros também me ajudaram em questões de saúde mental, pois cheguei a enfrentar crises de ansiedade muito fortes. Por meio de títulos como A Redoma de Vidro, de Sylvia Plath, percebi que não estava sozinho em meu sofrimento.
Hoje tenho 30 anos. Me aceitei como homem gay aos 27, no começo de 2020, quando conheci meu primeiro namorado e me apaixonei loucamente. Percebi que queria viver aquilo, e não me importava mais com o que os outros poderiam pensar. Em janeiro de 2021, depois de me abrir para a família e amigos, publiquei um vídeo contando que era gay. Passei a receber muitas mensagens, e isso abriu um canal de comunicação importante com meus seguidores. Queria mostrar que eu estava feliz comigo mesmo e poder ser uma referência para jovens como eu havia sido um dia. Por isso quis escrever o livro, também. Além do trabalho como influenciador, sigo advogando. Tenho o privilégio de estar bem estabelecido em um escritório que tem gente de mente aberta. O ambiente corporativo pode ser bastante intimidador e preconceituoso. É difícil vermos grandes executivos e advogados falando abertamente sobre serem gays, com a naturalidade necessária. Tento sempre tratar dessa forma.
Dedico o livro a meu padrinho e aos silenciados. Há um capítulo sobre ele. Meu padrinho é meu tio-avô, um homem gay de 94 anos que nunca tratou disso abertamente. Era um tabu enorme na família. Depois que ele viu os vídeos sobre minha sexualidade, surgiu uma abertura e pudemos conversar sobre a vida dele. Ele diz sentir grande felicidade em ver que eu estou vivendo o que ele não pôde. Me machuca pensar o quanto a história dele representa a de muitos. Desde então, pessoas da família me agradecem por ter rompido essa barreira. No lançamento do livro em São Paulo, meu tio foi aplaudido quando chegou. Ele está sentindo pela primeira vez um orgulho, ainda que cheio de restrições, sobre ser quem ele é. Para mim, isso não tem preço. Por isso a representatividade é tão importante.
Gosto de falar sobre o valor da leitura, sobretudo da literatura de ficção, para que o tema saia da bolha. O Brasil é um país que pouco lê, o acesso aos livros é complicado pela desigualdade. Mesmo entre os privilegiados, as pessoas não têm intimidade com as obras. Sou prova de que elas ensinam muito sobre entender e valorizar as diferenças.
Pedro Pacífico em depoimento dado a Gabriela Caputo
Publicado em VEJA de 10 de novembro de 2023, edição nº 2867