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Os dramas das comunidades mais pobres do Brasil em meio à pandemia

Problemas como a falta de comida e de trabalho nesses espaços começam a aumentar no rastro da Covid-19

Por Mariana Zylberkan, Cássio Bruno Atualizado em 4 jun 2024, 14h23 - Publicado em 27 mar 2020, 06h00

Sacolejando dentro de uma van pelas ruas estreitas de Paraisópolis, uma das maiores favelas de São Paulo, Elizandra Cerqueira checa o celular. “Não paro de receber mensagens de pessoas que mandam fotos da geladeira vazia”, diz ela, paramentada com máscara e luvas, antes de descer para entregar marmitas em barracos à beira de um córrego assoreado por entulho e lixo. Em uma das casas, só havia uma lata de óleo e meio pacote de açúcar para alimentar dois adultos e quatro crianças. A esperança vem de iniciativas como a de Elizandra, que usa a cozinha de seu bistrô para preparar refeições com alimentos doados. Ou de voluntários que distribuem sabão e álcool em gel. Dramas semelhantes começam a se espalhar pelo país no rastro da Covid-19. Há 13,6 milhões de pessoas no Brasil morando nas comunidades mais pobres, segundo levantamento recente do Data Favela. Devido ao comércio parado, 86% delas relatam na pesquisa que terão dificuldade para comprar comida caso precisem ficar em casa. “Esse povo não aguenta um mês de quarentena sem ajuda”, diz Renato Meirelles, responsável pelo estudo.

A doença, que começou entre as classes mais altas, agora espreita de forma ameaçadora as populações vulneráveis, não só nas favelas mas entre moradores de rua — são mais de 25 000 só na cidade de São Paulo — e usuários de drogas. Na Praça da Sé, no centro, está um dos poucos pontos com aglomeração de pessoas: no caso, os sem-teto, que não podem se abrigar em casa, como recomendam as autoridades, e ficaram sem as doações, que sumiram com o comércio fechado. O catador de material reciclável Julio Cesar Sabatini Maia, de 54 anos, conta que está há uma semana sem trabalho porque os ferros-velhos fecharam. “Estou passando fome”, diz. O engraxate Ednaldo Borges da Silva, 52, mostra um galão de desinfetante, usado para limpar as mãos. “A gente faz o que pode”, afirma. Perto dali, viciados compartilham cachimbos de crack e andam em grupos. “Ninguém apareceu aqui para dar uma orientação”, diz Janaína Xavier, ex-usuária que atua como liderança.

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ALERTAS - Rio de Janeiro: faixas feitas por moradores no Complexo do Alemão e ameaças do tráfico na favela da Rocinha (Bento Fabio/Coletivo Papo Reto/.)

Como não há testes suficientes disponíveis, não se pode dimensionar o alcance da doença nessas áreas. A escassez de espaço, tanto dentro de casa como entre uma residência e outra, faz com que se torne quase impossível cumprir a quarentena. O cuidador de idosos Marcus Vinicius Conceição dos Santos, 22, teve sintomas e foi orientado pelo médico a ficar em casa, afastado de parentes, mas ele vive com quinze pessoas. Houve um aceno de ajuda do governo federal, porém ainda não se sabe como vai sair do papel a medida anunciada pelas autoridades de transferir 200 reais a trabalhadores informais durante três meses. A iniciativa privada também se mobilizou. Projeto capitaneado pelo fundo de investimentos de empresários como Abilio Diniz arrecadou cerca de 3 milhões de reais, o equivalente a 50 000 cestas básicas. Tanto o auxílio estatal quanto o privado, contudo, são ainda modestos diante do tamanho do problema.

No vácuo do vírus do abandono, a influência do poder paralelo nessas comunidades aumentou. Nas favelas da Rocinha e Cidade de Deus, no Rio de Janeiro, bandidos adotaram o toque de recolher. Traficantes são vistos usando máscara e luvas. Carros de som percorrem as ruas avisando sobre a necessidade de permanecer em casa. “Quem estiver na rua de sacanagem ou batendo perna vai receber um corretivo”, anunciam os alto-falantes em Cidade de Deus, onde foi registrado um caso positivo para o coronavírus no dia 21. Na Rocinha, textos atribuídos ao Comando Vermelho também acuam moradores. “Se o governo não tem capacidade de dar um jeito, o crime organizado resolve”, diz a mensagem. “Diante da omissão do Estado, alguém vai assumir o papel de controle da ordem, impondo medo e violência”, afirma Renato Sérgio de Lima, presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. A pandemia escancara a soma dos déficits sociais acumulados nas últimas décadas.

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Publicado em VEJA de 1 de abril de 2020, edição nº 2680

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