O que leem Temer, Dilma, Lula, FHC e Sarney
Os hábitos de leitura dos ex-presidentes do Brasil e do atual ocupante do cargo
Quando chegou às livrarias nos Estados Unidos há poucos dias, Fire and Fury: Inside the Trump White House tornou-se um best-seller instantâneo. O estrondo de vendas está em boa parte calcado no relato nada favorável que o autor, Michael Wolff, traça do presidente americano Donald Trump.
Retratado como “estúpido” e “iletrado” por fontes ouvidas para o livro, o republicano é descrito como um político avesso à leitura, um exemplar típico de uma geração que privilegia a televisão em detrimento da boa literatura. Nesta edição de VEJA, presidenciáveis dos mais diversos partidos no Brasil expõem o quanto são próximos das prateleiras de bibliotecas e livrarias. Leia aqui a reportagem na íntegra.
Há políticos que podem governar o país a partir de 2019 que não se acanham em mostrar a falta de interesse nos livros. E outros que se penduram em clichês ao citar obras de referência.
VEJA perguntou também ao presidente Michel Temer e a seus antecessores sobre os hábitos de leitura de cada um. Confira a seguir.
MICHEL TEMER
Não se sabe se por benevolência com o chefe, os assessores mais próximos do presidente Michel Temer garantem que ele é um ávido leitor, habituado a ler livros em sequência, a maioria romances para se distanciar da rotina política de Brasília. Antes de começar a ler as obras do historiador israelense Yuval Noah Harari, seu autor predileto nos últimos tempos (atualmente, está lendo Homo Deus: uma Breve História do Amanhã), ele esgotou o romance Os Pilares da Terra, do escritor britânico Ken Follett. Temer costuma ler no avião presidencial e no Palácio do Jaburu, quando os compromissos noturnos permitem. “Meu último livro relevante é esse que estou terminando de ler, Homo Deus. É um livro extraordinário porque retrata os desafios e as profundas mudanças pelas quais passará a humanidade nos próximos anos”, diz o presidente. No início desta semana, Temer também leu quarenta páginas de O Som e A Fúria, de William Faulkner.
Além de bom leitor, Temer também gosta de se apresentar como escritor. Advogado por formação e professor universitário, ele é autor de um best-seller da área jurídica, Elementos de Direito Constitucional. O livro está na 24ª edição e já ultrapassou a marca dos 300.000 exemplares vendidos. O presidente também se aventura na ficção. Sua última obra, distribuída com orgulho a amigos e auxiliares em 2013, é uma coletânea de poemas escritos em guardanapos de papel durante voos entre São Paulo e Brasília. O livro Anônima Intimidade está longe de ser um sucesso, mas inspirou inúmeros perfis nas redes sociais que parodiam as poesias de Temer. Engana-se, no entanto, quem pensa que as piadas sobre sua obra intimidaram o poeta Michel Temer. Em março do ano passado, em entrevista para uma rádio, o presidente sacou do bolso um poema que havia acabado de escrever em um guardanapo e o recitou ao vivo: “Não percebeu, mas uma semente pousou em seu coração, germinou, cresceu em galhos, folhas e flores. Atravessou os caminhos do seu corpo: boca, olhos, ouvidos, olfato, tato, todos os sentidos tomados pela mão pousada sobre a mão…”.
No trabalho, o presidente costuma exigir de seus assessores parlamentares e jurídicos relatórios detalhados, por escrito, sobre temas sensíveis – é fato que nem sempre esses relatórios o livram de decisões polêmicas, como a que concedeu indultou a condenados por corrupção na virada do ano. O próprio presidente revisa seus discursos e dá opinião sobre ajustes quando se trata de temas internacionais, outra área que gosta de debater. Assessores contam que Temer ganha muitos livros de presente e costuma trocar obras com amigos, como o ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal. Mais recentemente, ele começou a ler livros em um tablet, embora tenha que recorrer à ajuda de funcionários do palácio para baixar o conteúdo.
DILMA ROUSSEFF
A ex-presidente Dilma Rousseff tem fama de leitora contumaz. Fama que tem amparo na realidade, dizem assessores, e que se estende à vida privada distante de cargos públicos. Desde a adolescência, época em que era incentivada pelo pai a fazer leituras periódicas, até o auge do desgaste político, quando sofreu um processo de impeachment, a petista sempre estava acompanhada de livros. Tem uma “coleção” deles em seu apartamento, no bairro Tristeza, em Porto Alegre, e gosta de desafiar – e se gabar – de ter lido mais do que qualquer interlocutor, seja ele quem for. Em raros momentos de descontração no governo, discutia o que estava lendo e alfinetava jornalistas que supostamente pouco recorriam à literatura. “Nunca leram Mark Twain”, provocou certa vez.
Dias antes de ser afastada do mandato, em maio de 2016, ostentava em sua mesa uma caixa com a obra da romancista inglesa Jane Austen – em inglês. Orgulho e Preconceito e Razão e Sensibilidade, clássicos da autora, Dilma se dedicava aos livros à noite, após o expediente, no Palácio da Alvorada. A petista tem o hábito de ler antes de dormir. Publicamente, ela já comentou, em aparente ironia, como o russo Fiodor Dostoievski era “chatíssimo” e como venera as obras do psicanalista alemão Sigmund Freud. Grande Sertão: Veredas, de João Guimarães Rosa, é sua obra preferida. Manuelzão e Miguilim, do mesmo Guimarães Rosa, também está entre os livros mais queridos da petista.
Na campanha de 2010, Dilma ganhou de presente de Marco Aurélio Garcia, ex-assessor dela e de Lula morto ano passado, a ficção policial O Homem que Amava os Cachorros, do cubano Padura. A obra, que retrata em versão romanceada os planos para o assassinato do líder russo Leon Trotski e a história de seu algoz, Ramón Mercader, tornou-se uma espécie de clássico entre petistas. O angolano José Eduardo Agualusa, outro citado pela ex-presidente como um de seus autores preferidos, tornou-se um crítico do impeachment e da ascensão de figuras como o deputado e presidenciável Jair Bolsonaro.
Conhecida por gostar de enfadonhas apresentações de PowerPoint, quando esteve no poder Dilma combinava leituras diversas – de biografias a relatórios econômicos, briefings de assessores e peças jurídicas. “No impeachment, ela lia todas as defesas, os relatórios inteiros. Só a última defesa tinha 600 páginas. Ela leu tudo”, diz o ex-ministro da Justiça José Eduardo Cardozo. Diante de alentados documentos sobre economia ou setor energético, um auxiliar a descreveu como “o tipo de chefe que vai até a nona casa decimal”. Virou história conhecida o hábito que ela tinha de “espancar relatórios”, cobrando de subordinados mais precisão nas informações. Ao deixar o Palácio do Planalto, Dilma contou que estava fazendo anotações para um livro.
Procurada por VEJA, a ex-presidente Dilma não quis informar o livro que está lendo.
LULA
Quando era sindicalista, o ex-presidente Lula não escondia seu desinteresse pela leitura. Em 1979, concedeu uma fatídica entrevista à revista Playboy em que dizia que, “quando muito”, lia o prefácio de livros. Dois anos depois, para a TV Bandeirantes, reafirmou a posição: “Até para ler eu sou preguiçoso. Eu não gosto de ler, eu tenho preguiça de ler”. No mais alto posto do país, no entanto, o petista foi obrigado a adaptar o discurso. Em 2006, durante evento do Ministério da Cultura, defendeu que as “as pessoas têm que aprender a gostar [da leitura] desde pequeno”. Na semana passada, perguntado por VEJA, Lula se recusou a responder se atualmente está lendo algum livro e a apontar uma obra que considere relevante. Seus amigos e aliados mais próximos, porém, juram que o gosto do petista pela leitura mudou de patamar. “Diferentemente do que acham, o Lula é um cara extremamente culto. Ele conversa com pessoas inteligentes e gosta de ler muito também. Lê até relatórios econômicos”, diz Paulo Okamotto, seu fiel escudeiro.
A “virada” do petista teria ocorrido durante as longas internações no Hospital Sírio-Libanês para tratar de um câncer. Um dos principais incentivadores da versão “leitor voraz” de Lula (será ela real?), segundo os amigos, é o ex-ministro Franklin Martins, que costuma presenteá-lo com títulos afinados com o gosto do ex-presidente. Um deles foi “Vá, Coloque um Vigia”, da escritora americana Harper Lee, um romance sobre questões raciais e de igualdade nos Estados Unidos. Outro livro que caiu no gosto do petista e que os mais chegados juram que ele indicou a muitos correligionários é o best-seller O homem que Amava os Cachorros, do cubano Leonardo Padura. Quando estava no Planalto, o petista pouco gostava de ler relatórios ou mesmo jornais e revistas. Preferia ser briefado por assessores. Sua capacidade de absorver aquilo que lhe era dito, porém, era elogiada até por aqueles que nunca chegaram a integrar as fileiras do petismo.
Procurado por VEJA, o ex-presidente Lula não quis informar o livro que está lendo.
FERNANDO HENRIQUE CARDOSO
Os amigos do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso o definem como um devorador de livros. Além de ler, ele também gosta de escrever – sua obra mais recente é uma compilação dos diários que escrevia religiosamente nos tempos em que esteve no Planalto. O tucano já publicou, ao todo, 39 livros, sendo 22 livros de sua própria autoria e outros dezessete em colaboração com outros autores. Quando era presidente, seu gosto pela leitura fazia com que digerisse em detalhes todo e qualquer relatório sobre o desempenho do governo. Avesso a apresentações de PowerPoint, até hoje tem facilidade para assimilar o que lê e consegue improvisar bem nas palestras de que participa. “Ele sempre levou material para ler em casa”, diz um auxiliar. Todos os meses, o ex-presidente ganha dezenas de livros. “Autores do mundo todo enviam livros para a Fundação e para a casa do ex-presidente”, conta um colaborador do Instituto Fernando Henrique.
A VEJA, Fernando Henrique disse que está lendo três obras no momento. “Como costumo fazer, estou lendo simultaneamente três livros, com alguns pontos em comum. O de Bolivar Lamounier, Liberais e Antiliberais, o mais recente de Manuel Castells, chamado Ruptura, publicado em 2017, e o livro de Mark Lilla The Once and Future Liberal, publicado em 2017, no qual o autor discute os efeitos da politica identitária e as dificuldades do Partido Democrata dos Estados Unidos para se reencontrar com o sentimento comum dos americanos no mundo contemporâneo”, afirmou o ex-presidente.
JOSÉ SARNEY
“A leitura acontece. O livro cai em nossas mãos, e tudo interessa”. Assim o ex-presidente José Sarney resume seu interesse pelos mais diversos gêneros literários. Membro da Academia Brasileira de Letras (ABL), o político que deixou a política tenta colocar de pé mais uma obra – O Solar dos Tarquínios. O livro, que, segundo o próprio Sarney está a “descansar por algum tempo”, conta as memórias de três velhos e três gerações de uma família que se confunde com a história de um sobrado em São Luís. Para a ABL, onde ocupa a cadeira 38 desde 1980, Sarney é imortal. Com dezesseis livros publicados, além de coletâneas de ensaios, discursos e conferências, o ex-presidente diz que quer ser lembrado por sua herança literária. “Escrever é uma compulsão”, diz. Desde a infância, conta, participava de encontros literários, com direito a declamações, na casa do pai. “Nunca faltou uma pequena estante com livros sofridos do interior. Aprendi a gostar deles.”
Fã incondicional de Dom Quixote – “um dos maiores monumentos da inteligência humana” –, além das horas dedicadas à leitura o peemedebista diz gastar parte dos seus dias reunindo reflexões sobre a conjuntura política, as crises e a incerteza do futuro. Como resultado dessa última tarefa, ele planeja uma outra obra, organizada sob o título de “O Brasil em seu labirinto”. Há outro, pronto para ser lançado, chamado “Galope à beira-mar”, um apanhado de “causos e memórias dos momentos de humor que guardei da política e da vida”.
Avesso a relatórios e noticiários televisivos desde que deixou os mandatos parlamentares em que protagonizou escândalos inesquecíveis, o ex-presidente lê vários livros ao mesmo tempo. Atualmente, diz estar debruçado nas discussões sobre o capitalismo e sua sobrevivência reunidas em um livro sobre o britânico John Keynes, tido como o pai da macroeconomia moderna. “É um ensaio sobre os caminhos que estamos percorrendo e qual o fim do túnel”, diz. Professoral, Sarney se derrama em elogios ao chinês Chen Zi’ang, “o poeta da solidão”, autor do seu segundo livro de cabeceira no momento, e “para não ficar ausente do Maranhão”, conta que está lendo também uma dissertação de mestrado sobre a construção da cidade velha de São Luís. O ex-presidente escreve pela manhã, logo cedo, e à noite. Nada de diários: “Não fiz nem pretendo fazer”. Diariamente, de preferência à noite, cumpre a rotina da leitura, algo que, repisa, já vem de muitos anos. “Sonhei ser escritor. Não gosto de ir a restaurantes ou ao cinema. Aproveito todo tempo livre para ler.”