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O milionário patrimônio escondido do ex-policial Adriano da Nóbrega

VEJA localiza um pedaço da fortuna do ex-policial, que inclui fazendas, participações em empresas e cavalos de raça — tudo registrado em nome de laranjas

Por Daniel Pereira, Hugo Marques Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 14h54 - Publicado em 16 out 2020, 06h00

O cartório do município de Pindorama do Tocantins, a 200 quilômetros de Palmas, guarda um documento que pode ajudar as autoridades do Rio de Janeiro a puxar o fio de uma grande meada. No livro de registro de imóveis da cidade consta que, em maio deste ano, o “agropecuarista” João da Silva vendeu para o deputado estadual Ricardo Ayres de Carvalho (PSB) uma fazenda de 534 hectares por 800 000 reais. As terras ficam numa área inóspita, cujo acesso se dá por uma estrada estreita de terra. Apesar disso, segundo corretores da região, a propriedade valia ao menos duas vezes mais. Mas não é só isso que chamou a atenção para o negócio. João, o vendedor, não era o dono verdadeiro. Era apenas o laranja, aquele que assume a responsabilidade por alguma coisa que não é sua para proteger a identidade de alguém que não pode ou não quer aparecer. O verdadeiro dono era o ex-policial Adriano da Nóbrega.

Em junho de 2018, quando a fazenda Boa Esperança foi comprada por João da Silva, Adriano, um personagem ainda desconhecido para a maioria dos brasileiros, não queria aparecer. Na época, o Ministério Público do Rio de Janeiro começava a aprofundar as investigações sobre as rachadinhas na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, especialmente no gabinete do então deputado estadual Flávio Bolsonaro. A mãe e a ex-mulher do ex-policial trabalhavam com o filho do presidente da República, e a suspeita é de que ambas participavam do esquema. Adriano era amigo e parceiro de Fabrício Queiroz, apontado pelos promotores como o responsável pelo recolhimento de parte dos salários dos funcionários. Em janeiro de 2019, o ex-­poli­cial teve a prisão decretada, sob a acusação de chefiar um grupo de matadores que operava para uma milícia carioca. Depois disso, Adriano também não podia aparecer.

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(Hugo Marques/VEJA)

“Esse tal de Adriano comprou a terra e passou para o nome do João de Dego. Depois que mataram ele, o João pegou e vendeu.”

Edinilson Custódio, posseiro da fazenda Boa Esperança

Morto em fevereiro deste ano, o ex-capitão do Batalhão de Operações Policiais Especiais (Bope) tinha pelo menos 10 milhões de reais, entre valores em espécie e bens registrados em nome de laranjas, segundo pessoas próximas a ele. O ex-policial era dono de terras, casas, apartamentos, cavalos de raça, carros, empresas e pontos de jogo clandestino que lhe rendiam muito dinheiro. Nada disso, porém, estava em nome dele. O Ministério Público e a Polícia Civil do Rio tocam investigações a fim de rastrear a localização dessa herança deixada por Adriano e tentam identificar quem se beneficia ou se apropriou dela. Só em Tocantins, o ex-policial seria dono de três fazendas registradas em nome de laranjas. A Boa Esperança pode ser um ponto de partida para mapear esse tesouro oculto.

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Em Pindorama, não é segredo para ninguém que o ex-policial era o verdadeiro dono das terras. A propriedade, que pertencia a Florair Turíbio de Souza, foi adquirida em junho de 2018 por 938 000 reais e registrada em nome de João da Silva, conhecido na cidade como “João de Dego”, que na época era funcionário de Adriano. Em maio passado, três meses após a morte do ex-capitão, João revendeu a terra, por 800 000 reais, ao deputado estadual Ricardo Ayres. De origem humilde e atualmente sem remuneração fixa, João disse a VEJA ter comprado a fazenda com prêmios que recebeu participando de torneios de vaquejada e comissões obtidas ao intermediar a venda de cavalos. “Sou corredor de vaquejada. Já ganhei mais de quarenta motos e uns dez carros. O Adriano me contratou para correr para ele me pagando um bom salário”, afirmou João, garantindo que a fazenda lhe pertencia. Segundo o “agropecuarista”, Adriano, que era aficionado por vaquejadas, ficava com os troféus e ele com todo o dinheiro dos prêmios. Essa versão é desmentida pelos ex-proprietários da fazenda.

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HOBBY CARO - Vaquejadas: aficionado pelo esporte, o ex-policial investia em cavalos de raça que chegavam a custar 150 000 reais – (//Reprodução)

Gilvan Turíbio Mascarenhas, filho de Florair, que vendeu a propriedade formalmente para João da Silva, confirmou a VEJA que o verdadeiro comprador das terras foi Adriano da Nóbrega. De acordo com Gilvan, uma irmã do ex-capitão acompanhou o registro da transação no cartório da cidade, fez os pagamentos devidos e mandou os comprovantes por e-mail. “Eu vi o Adriano duas vezes aqui em Pindorama. Ele estava sempre junto com o João de Dego. Foi o Adriano que comprou, fez o pagamento e passou para o nome de João”, disse Gilvan, ressaltando que um dos depósitos foi feito por Raimunda Veras, mãe do ex-­capitão. VEJA visitou a fazenda, que fica a 22 quilômetros da cidade — é cercada por arame farpado, a vegetação é fechada e dentro dela mora uma família de posseiros. Edinilson Custódio de Jesus ocupa uma área de 6 alquei­res há 21 anos. Ele contou a VEJA que, há dois anos, foi avisado de que a propriedade mudaria de dono. “Eu soube que esse tal de Adriano comprou a terra e passou para o nome do João de Dego. Depois soube que mataram ele, aí o João pegou e vendeu”, relatou o posseiro. O comprador da Boa Esperança, o deputado Ricardo Ayres, afirmou, por e-mail, que o negócio foi regular: “Interessei-me pela aquisição por ser a fazenda vizinha de outra de minha titularidade. Desconheço que citada fazenda seria de Adriano da Nóbrega”.

As atividades clandestinas do ex-­policial lhe renderam uma fortuna. VEJA apurou que o faturamento mensal de Adriano variava de 250 000 a 350 000 reais, obtidos com seus negócios imobiliários e, principalmente, com o ramo da jogatina. A morte do ex-capitão não fez seus antigos empreendimentos pararem. As cobranças de aluguéis de apartamentos em construções irregulares, por exemplo, continuam, mas os valores agora são embolsados por antigos sócios. O mesmo acontece no caso do jogo. Adriano gostava de investir em cavalos. Um de seus xodós era o quarto de milha Dakar, que foi comprado por cerca de 150 000 reais e brilhou em competições de vaquejada. Outro destaque do plantel era o também quarto de milha Mega San, que foi arrematado por cerca de 90 000 reais. Familiares e antigos parceiros dividiram o espólio.

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Familia-Adriano
EM FAMÍLIA - Raimunda e Danielle, respectivamente, mãe e ex-mulher do policial: elas ajudavam nos negócios de Adriano e ambas também são investigadas – (//Reprodução)

Raimunda Veras foi funcionária de Flávio Bolsonaro na Alerj entre 2016 e 2018. Dona de dois restaurantes que seriam usados para lavar dinheiro, a mãe de Adriano conseguiu a vaga graças à proximidade do filho com Queiroz. Os dois trabalharam juntos no 18º Batalhão da Polícia Militar. Pelas mãos de Queiroz, também foi empregada no gabinete do filho Zero Um do presidente a ex-mulher de Adriano, Danielle Mendonça da Nóbrega. Certidões obtidas em cartórios do Rio mostram que Danielle participou de várias transações imobiliárias com Adriano. Quando o escândalo da rachadinha veio à tona, Adriano orientou a sua ex-mulher a não prestar de­poi­men­tos ao Ministério Público: “O amigo pediu pra vc não ir em lugar nenhum e tb não assinar nada”. Danielle respondeu que tinha acabado de sair do “advogado indicado” e mandou a foto de um ofício do MP que ela assinara. “Vou passar pra ele”, para o amigo, retrucou Adriano. Os investigadores acreditam que o tal amigo era Fabrício Queiroz.

Além de segredos sobre o caso da rachadinha, Adriano guardava consigo informações sobre as relações entre contraventores e autoridades do Rio, azeitadas graças ao pagamento de propinas. Reportagem de VEJA de fevereiro passado revelou que, antes de morrer, o ex-capitão contou a sua mulher, Júlia Lotufo, que teria repassado dinheiro para custear a campanha de Wilson Witzel, que à época tinha como principal cabo eleitoral justamente o hoje senador Flávio Bolsonaro. Adriano foi morto pela polícia da Bahia numa operação até hoje não devidamente esclarecida. Mas, cedo ou tarde, seus segredos virão à tona.

Com reportagem de Cássio Bruno

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Publicado em VEJA de 21 de outubro de 2020, edição nº 2709

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