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O crime a um clique

Pesquisa feita a pedido de VEJA mostra como o tráfico de animais silvestres migrou de feiras clandestinas para transações na internet realizadas às claras

Por Jennifer Ann Thomas Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 16h47 - Publicado em 12 out 2018, 07h00

As imagens acima ilustram a alarmante evolução de uma modalidade de crime: a venda de animais silvestres. Esse tipo de comércio ilegal deslocou-se dos mercados clandestinos do mundo real para o universo virtual representado pela internet — e está escancarado. As fotos que acompanham esta reportagem foram coletadas para um estudo, feito por encomenda de VEJA, pela agência de análise de dados BTB Data, de São Paulo. A agência rastreou 28 522 publicações de venda de fauna em sites como Google, Facebook e YouTube. Os animais selvagens, de captura ou criação ilegal, são adquiridos principalmente para se tornar “bichos de estimação”. A — digamos assim — “modernização” do delito preocupa cada vez mais o Ibama. “As feiras populares começaram a migrar para grupos de Facebook. Isso dificulta a vigilância porque diminui a chance de flagrar os criminosos em ações reais”, diz o coordenador de operações de fiscalização do órgão, Roberto Cabral Borges.

Tráfico de animais

Engana-se quem acha que a prática, punível com multa e prisão de até um ano, ocorre somente na chamada deep web, a versão clandestina da internet, acessível apenas por meio de navegadores específicos (não pelo Chrome, por exemplo) e muito utilizada por traficantes de armas e drogas. O levantamento da BTB Data constatou que 55% dos anúncios são publicados no mundo on-line regular, sendo visualizados no Google e em sites de comércio eletrônico, como o Mercado Livre. Dentro dele, o Facebook virou o principal meio de venda dos animais silvestres, com 58% dos casos flagrados na web legal. Nessa rede social, há grupos, como o “Feira do rolo de passarinho”, com quase 6 000 inscritos — todos potenciais clientes.

55% do negócio ilegal ocorre na web regular, por meio de redes sociais e sites de e-commerce

O mercado negro da deep web responde por apenas 24% das ações flagradas, enquanto o WhatsApp é a praça de comércio de 4% das vendas. Os 17% restantes correspondem a negociações que podem até se iniciar em fóruns virtuais, mas se materializam em feiras concretas, reais. Segundo o estudo da BTB Data, os compradores desse negócio irregular são, em grande parte, estrangeiros. Entre eles, cerca de 70% dos que demonstram interesse pela fauna brasileira moram nos Estados Unidos, enquanto 10% residem na Inglaterra. “Embora o crime ocorra dentro do território nacional, como o animal é transportado para outra nação, sua recuperação e a própria fiscalização se tornam praticamente impossíveis”, afirma Felipe Feliciani, analista de conservação da WWF Brasil, entidade ambientalista.

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Mesmo depois de serem flagrados pelas autoridades, os traficantes não costumam parar de agir. O motivo é óbvio: impunidade. A lei cita como crime os atos de “matar, perseguir, caçar, apanhar, utilizar espécimes da fauna silvestre”, com pena de reclusão de até um ano. Contudo, na prática, o crime é considerado de menor potencial ofensivo, o valor da fiança é em geral baixo e usualmente se aplicam punições alternativas, como serviços à comunidade. A forma encontrada pela Polícia Federal e pelo Ibama para tentar fazer com que os criminosos permaneçam na cadeia é enquadrá-los em outros delitos, como lavagem de dinheiro.

Foi esse o caso de Valdivino Honório de Jesus, considerado o maior traficante do gênero do país e preso na Paraíba em abril passado. Sua fama veio com a reincidência. Desde 1996, ele foi pego nada menos que quinze vezes. Mas nunca ficou detido. Só está no xadrez agora por ocultação de patrimônio financeiro.

No Brasil, 90% dos animais contrabandeados são aves. De acordo com um trabalho do Ibama, obtido com exclusividade por VEJA, a principal estratégia usada por criadores para driblar a fiscalização é falsificar o registro de origem dos espécimes. Segundo o Ibama, uma solução para reprimir os crimes contra a fauna seria a aprovação de uma lei, em tramitação no Congresso, que aumenta para cinco anos de cadeia a punição aos infratores — estejam eles agindo no mundo real ou no virtual.

Publicado em VEJA de 17 de outubro de 2018, edição nº 2604

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