Black Friday: Revista em casa a partir de 8,90/semana
Continua após publicidade

“Nunca mais consegui dormir direito”, diz avó que tem netos desaparecidos

Sílvia Regina da Silva, 58 anos, fala do vazio após o sumiço dos jovens em uma favela do Rio

Por Cássio Bruno Atualizado em 4 jun 2024, 13h52 - Publicado em 5 fev 2021, 06h00
SILVIA REGINA DA SILVA -
SILVIA REGINA DA SILVA – (Ricardo Borges/VEJA)

No dia em que meus netos desapareceram, 27 de dezembro de 2020, eles foram até a minha casa. Chegaram por volta do meio-dia, barulhentos e cheios de fome. Tomaram banho, trocaram de roupa, pegaram um pedaço de pão e saíram para brincar, como sempre faziam. Quando a comida ficou pronta, fui chamá-los, mas tinham sumido. Procurei, procurei, e nada. Um desespero. Os coleguinhas que brincavam ali perto disseram que eles tinha ido à feira para comprar comida de passarinho, que adoravam alimentar no meio da rua. Só que o tempo foi passando e ninguém achava meus netinhos, Lucas (8 anos) e Alexandre (10), que estavam com o amigo que vivia lá em casa, o Fernando Henrique (11). É numa hora dessas que você entende na pele o que é angústia e sofrimento. E sente um rasgo no peito junto com a sensação de que o chão se foi.

Atordoadas, eu e minhas filhas, mães dos dois, fomos logo à delegacia registrar o ocorrido. Ficamos catando as crianças até as 2 da manhã daquele trágico dia 27. Reviramos os becos e até os bairros vizinhos, sem nenhum sinal deles. Quanto mais o tempo passa, mais dolorido fica. Vários boatos e notícias falsas sobre os meus meninos começaram a circular, acendendo aquela fagulha de esperança. Eram todas informações que não batiam e só serviram para atrapalhar a busca dos parentes, dos amigos e da própria polícia. Recebi vários telefonemas de pessoas que diziam saber de alguma coisa. Uma vez, um sujeito me abordou falando: “Me dá dinheiro que eu prometo te contar onde seus netos estão”. Ele não tinha nada de concreto, queria apenas se aproveitar da nossa fragilidade. A realidade é que, até agora, não nos chegou nenhuma pista boa.

A investigação segue em sigilo e a polícia continua a procurar os três. Muita gente acha que morreram, que eu preciso ser mais realista e encarar. À noite, o coração aperta e vem um medo de que meus netos não vão mesmo voltar com toda aquela alegria deles. Suas camas estão vazias e o silêncio machuca. Mas eu ainda tenho uma forte esperança e é ela que me deixa de pé. Não acharam os corpos. Para mim, então, estão vivos, ainda que todo mundo pense o contrário. Moro em uma comunidade da Baixada Fluminense, na região metropolitana do Rio de Janeiro, onde há violência e o poder público não é presente. A vida numa favela vale pouco. Meus netos não são celebridade nem têm casa em condomínio bacana da Zona Sul, mas são bem cuidados, educados e felizes. Sinceramente, acho que, se não fossem pobres, negros e anônimos, haveria mais empenho em encontrá-los, mais indignação. Como assim, eles saem para brincar e desaparecem das nossas vidas? Não é a primeira vez que ouvimos uma história dessas e, infelizmente, se as coisas não mudarem, não será a última. Por isso é importante falar, cutucar o problema.

Sempre festejamos em família os aniversários, os Natais e o Ano-Novo, uma tradição. Este tinha tudo para ser especial. Planejamos uma celebração farta para aliviar a tensão de 2020, que foi tão estranho por causa dessa pandemia. Os meninos estavam sem ir à escola fazia um tempão, estudando só de casa. Compramos roupas novas para Lucas e Alexandre justamente para festejar o réveillon, na expectativa de virar a página para um ano melhor. Mas levaram meus netinhos embora antes, deixando a casa deserta. Vivo agora à base de remédios para controlar a pressão, que não baixa. Nunca mais consegui dormir direito. Passo as madrugadas pensando, rezando muito, torcendo para que todos estejam errados e a resposta que tanto aguardo seja boa. Quando penso na sensação de ter os garotos ao meu lado, é como se eles estivessem comigo. Na verdade, sempre estarão.

Continua após a publicidade

Sílvia Regina da Silva em depoimento dado a Cássio Bruno

Publicado em VEJA de 10 de fevereiro de 2021, edição nº 2724

Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Semana Black Friday

A melhor notícia da Black Friday

BLACK
FRIDAY

MELHOR
OFERTA

Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

Apenas 5,99/mês*

ou
BLACK
FRIDAY
Impressa + Digital
Impressa + Digital

Receba 4 Revistas no mês e tenha toda semana uma nova edição na sua casa (a partir de R$ 8,90 por revista)

a partir de 35,60/mês

ou

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$71,88, equivalente a 5,99/mês.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.