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Black das Blacks: VEJA com preço absurdo

Muito além do Rio: o terror imposto pelas facções em comunidades do Nordeste

Expansão de organizações criminosas como CV e PCC tem colocado áreas inteiras de Pernambuco, Bahia e Ceará sob o domínio do medo

Por Pedro Jordão Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO , Heitor Mazzoco Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 10 nov 2025, 15h21 - Publicado em 10 nov 2025, 15h19

O Brasil tem 88 facções criminosas atuando em todos os estados da federação, sendo duas delas consideradas de abrangência nacional e internacional, segundo o Ministério da Justiça: o Primeiro Comando da Capital (PCC) e o Comando Vermelho (CV). Embora tenham em sua certidão de nascimento a mesma origem – o sistema prisional brasileiro e o eixo Rio-São Paulo –, são grupos com modus operandi muito distintos e que iniciaram um processo de migração para outras regiões há pelo menos uma década. A expansão e fortalecimento dessas organizações criminosas no Nordeste têm imposto dificuldades severas às populações que vivem em bairros pobres e comunidades, hoje com territórios em disputa pelo domínio do crime.

Como essa expansão é relativamente recente, em muitos estados nem o PCC nem o CV têm a hegemonia consolidada, o que os obrigam a travar guerras constantes por espaços, inclusive com grupos locais e regionais. Nos últimos tempos, tem proliferado o registro de confrontos armados por domínio territorial em estados como Ceará, Bahia e Pernambuco, quase sempre com a população refém ou na linha de tiro. Os governos estaduais, pressionados pela relevância crescente da questão e pela aproximação das eleições, se dizem sempre que estão investindo em homens, viaturas, armamentos, inteligência e operações especiais. Mas, evidentemente, o trabalho não tem sido suficiente para controlar as facções nessas regiões.

A rotina de medo dos 28,5 milhões de brasileiros reféns do crime organizado

Na zona norte de Recife e em suas proximidades, como Olinda, há uma porção do território formada por muitos morros que, hoje, são disputados por grupos criminosos, motivados principalmente pela busca do domínio no tráfico de drogas. O Alto José do Pinho, na capital pernambucana, por exemplo, é comandado pelo CV, que, na região, segue as regras do criminoso conhecido como Buiu – ele teria sido preso na megaoperação dos complexos do Alemão e da Penha há poucos dias. Os moradores desse morro têm sido submetidos a um cotidiano de medo e perigo constantes com tiroteios quase diários, que se intensificam nos finais de semana, após festas de rua ou encontros de membros das facções.

A ação dos criminosos se assemelha a de grupos de extermínio e de milícias antigas de Pernambuco, sempre dominando um morro e afirmando para os moradores que estão lá para protege-los. No final de setembro, um toque de recolher diário a partir das 22h foi anunciado em mensagens compartilhadas em grupos de WhatsApp, mas tentando aferir a ideia de que era pela proteção da população: “A partir de hoje haverá guerra de tráfico e muita bala. Evitem deixar crianças na rua, portas abertas e ficar na rua sem necessidade. Orem e se protejam”, diz um trecho. Quando inocentes são feridos no meio da guerra, a facção rival é culpabilizada. “O Comando Vermelho vai dominar todas as áreas. Pedimos ajuda de todos para ‘denunciar’ os integrantes de outras facções, para facilitar o nosso trabalho e para que nós possamos neutralizar os nossos inimigos”, diz outro trecho de comunicado do CV. “Eles implementaram esse toque de recolher recentemente, mas a população só passou a validar quando um garoto autista de quatro anos foi baleado na perna e outro, de nove anos, morreu com um tiro nas costas quando voltavam da igreja com a mãe após o horário permitido”, disse um estudante de jornalismo de 25 anos que vive na região desde que nasceu.

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A disputa pelos morros em Pernambuco, assim como nas comunidades cariocas, é estratégica, visto que a geografia desses lugares, com elevadas altitudes, becos, vielas e muitas escadarias, dificulta o acesso da polícia, inviabilizando, muitas vezes, a entrada de agentes com carros ou motos. Os altos garantem também uma proteção natural aos criminosos, que espalham olheiros pelo território para vigiar e avisá-los sobre possíveis incursões policiais. “Os laranjinhas (policiais militares) são importantes, mas eles não conhecem esses territórios, eles não conseguem subir. Então, o crime não se intimida, porque ele não acontece na avenida principal ou na praça”, diz um motorista de caminhão de 33 anos que vive na zona norte do Recife há vinte.

Terror em Olinda

Sem policiamento para combater as facções e com um discurso de proteção à comunidade, os criminosos andam armados livremente e agem como se fossem a lei. No Alto do Cajueiro, em Águas Compridas, Olinda, uma mulher decidiu se mudar após os bandidos colocarem uma arma na cabeça dela e a ameaçarem de morte após ela levar o namorado, um homem de fora do bairro, em casa sem avisá-los antes. Sob o comando do PCC, os moradores não têm medo apenas de esbarrar com criminosos armados, mas relatam dificuldade para chegar em casa tarde da noite, para manter estabelecimentos comerciais funcionando livremente e até para fazer mudanças na estrutura da própria casa – como um senhor de 60 anos que colocou uma câmera e recebeu tiros na porta, obrigando-o a retirá-la. “A minha filha foi comprar pão com meu neto, em um dia de semana, às 15h. Na volta, viu sete homens armados. Eles fazem isso para intimidar mesmo. Aqui nem sempre foi dominado por essas facções. A gente só ouvia falar disso no jornal, pelo lado do Rio de Janeiro e de São Paulo. De três anos para cá isso chegou em Pernambuco e está cada vez pior: eles não respeitam idosos, não respeitam crianças, não respeitam ninguém. Eles se acham os donos de tudo”, relata uma diarista de 43 anos que mora na localidade há 30 e que perdeu um sobrinho de 25 anos há duas semanas, após ele ser assassinado por criminosos do CV. “A diferença entre as facções aqui e no Rio é que essas taxas ou controle de internet ainda não chegou aqui. Mas o restante é tudo igual. Antigamente, a gente ficava conversando com o vizinho, circulava normalmente, agora ninguém mais tem coragem de ficar fora de casa”, complementa.

Cartilha do medo em Salvador

O domínio do CV em bairros pobres e comunidades de Salvador está também cada vez mais consolidado. Por lá, o Complexo do Nordeste, Saramandaia, Engomadeira e outros estão sob regras paralelas imposta pela facção. O populoso bairro da Santa Cruz, na zona oeste de capital baiana, já é conhecido por ser um dos mais violentos e perigosos, com o funcionamento de regras próprias impostas pelo grupo criminoso. “A gente vive uma vida livre, não tem toque de recolher e entra Uber de boa no bairro, mas é uma vida vigiada. Nós não temos autonomia. Existe uma ‘lei’ deles de que ninguém pode dar queixa na polícia. Porque eles não querem chamar a atenção das autoridades. Por isso, é proibido assalto. E se alguém vier de outro bairro para tentar fazer coisa feia, é morto. Eles matam que não fica nem a cara: eles enchem de tiro. Marido também não pode bater na mulher. Se houver um caso de problema com filho ou com marido, eles é que resolvem: eles tiram homem de dentro de casa, batem, dão o jeito deles. Se você passar por algum problema, você tem que ir ao Comando, não pode procurar a polícia”, relata uma empregada doméstica de 63 anos que mora no bairro desde que tinha oito. “Não é permitido nem brigar. Se você for discutir dentro de casa, é melhor falar baixo, porque não pode chegar ao ouvido deles ou vai gerar uma confusão com eles”, complementa a idosa, que, há quinze anos, perdeu um filho de 20 anos durante um tiroteio dos criminosos contra a polícia.

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Um dos principais fatores de manutenção das facções em Salvador é o tráfico de drogas, que se perpetua no atual funcionamento, a partir do comando de territórios, há anos, com a cooptação de crianças e adolescentes. Na semana passada, uma operação da Polícia Civil da Bahia matou um e prendeu outros 38 suspeitos de ligação com o CV, além de cumprir dezenas de mandados de busca e apreensão. O objetivo era desarticular o grupo criminoso, que controla várias áreas do estado. A ofensiva policial baiana se estendeu ao Ceará, o que mostra como os braços da facção estão conectados no Nordeste. “É vendida muita droga aqui no meu bairro, muita gente rica que vem comprar. Todos os dias chegam carrões e gente de terno e gravata por aqui. Eles deixam o carro estacionado no Parque da Cidade e vêm andando para comprar droga perto da minha rua”, diz a idosa.

CIDADE FANTASMA - Morada Nova, no Ceará: a bandidagem em disputa por território fez ameaças e todo mundo fugiu
Rua do distrito de Uiraponga, em Morada Nova, no Ceará: a bandidagem em disputa por território fez ameaças e todo mundo fugiu (./Divulgação)

‘Cidade-fantasma’ no Ceará

Outro exemplo eloquente do descalabro da violência ocorreu em Uiraponga, distrito de Morada Nova (CE), a 200 quilômetros de Fortaleza. Desde julho, ao menos 2.000 moradores deixaram a localidade às pressas em meio a um cenário de ameaças, inclusive por meio de mensagens em aplicativos e redes sociais, pichações nas casas, invasões e tiroteios, tudo em decorrência da disputa entre criminosos ligados à facção local Guardiões do Estado e ao Terceiro Comando Puro (TCP), uma dissidência fluminense do CV.

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O distrito do Ceará que virou uma ‘cidade-fantasma’ por conta do terror das facções.

A violência escalou em julho, com moradores abandonando as casas, o comércio fechando as portas e as ruas ficando desertas. A prefeitura chegou a reconhecer por meio de um decreto a “situação anormal e emergencial” e cedeu um caminhão para quem quisesse deixar a localidade, além de transferir estudantes para a sede do município. Quatro meses depois, as escolas continuam fechadas, assim como o posto de saúde, a igreja e boa parte do comércio — poucos moradores, a maioria idosos, resistem a sair. O estado intensificou as patrulhas policiais e prendeu suspeitos, mas a população não se sentiu segura o suficiente para fazer o retorno.

Emulando o que fazia o cangaço – tipo de banditismo que tomou conta da região entre o final do século XIX e início do século XX –, a expulsão de moradores tem se espalhado pelo Ceará. O episódio de Morada Nova nem é o último. Em setembro, cerca de 30 famílias abandonaram suas casas num vilarejo em Pacatuba (região metropolitana de Fortaleza) na esteira de uma guerra entre o TCP e o Comando Vermelho, que resultou em tiroteios, ações policiais frequentes e o assassinato de um morador que se negou a deixar sua casa. Também é comum a cobrança de taxas, sob a pena de morte no caso de recusa, como aconteceu com o vendedor de espetinhos Alexandre Roger Lopes, de 23 anos, morto a tiros por bandidos do CV em Itapajé, a 130 quilômetros de Fortaleza, porque se recusou a pagar o novo valor do “imposto do crime”, que havia subido de 400 para 1 000 reais.  “Disseram que jogariam granadas, incendiariam os imóveis e encheriam a nossa cara de bala”, relatou um morador da Vila Peri, em Fortaleza, área dominada pelos Guardiões do Estado.

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Até júris tiveram que mudar de comarca por dúvidas quanto à suspeição de seus integrantes, como ocorreu em um julgamento, que mudou de Monsenhor Tabosa para Sobral. “Tratando-se de crime grave, com vítima, inclusive, decapitada, após os disparos de arma de fogo, em local sob o domínio de facção criminosa, em cidade do interior, vê-se que pode ser comprometida a imparcialidade dos jurados, pois é plenamente possível que a organização criminosa exerça influência sobre eles”, decidiu o juiz.

 

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