Brunet e Parisotto: nos tribunais, o romance que terminou em violência
Ela busca na última instância da Justiça seu direito à partilha dos bens do bilionário
Ele é um dos empresários mais bem-sucedidos do Brasil, sempre presente na lista dos bilionários, com fortuna estimada em 1,5 bilhão de dólares. Ela é uma das mais famosas mulheres do país, empresária e ativista, atriz e modelo em dezenas de campanhas e três vezes capa da Playboy nos anos 1980. Os dois se conheceram em 2011 — ela então com 49 anos e ele com 58 —, mas só tornaram pública a relação em maio do ano seguinte, quando a modelo celebrava seu aniversário de 50 anos. Inicialmente badalado na imprensa e comentado na alta sociedade, o relacionamento de Lírio Parisotto e Luiza Brunet saltou das colunas sociais para as páginas policiais quando, em 2016, em uma viagem aos Estados Unidos, ela foi brutalmente agredida pelo companheiro. Terminava ali o convívio de quase cinco anos, seguido de um processo por agressão — no qual o empresário foi condenado — e uma ação de partilha de bens por união estável que já foi indeferida em duas instâncias dos tribunais de São Paulo. Mas Luiza, reconhecida por sua beleza e hoje também por seu engajamento nos movimentos de proteção às mulheres, não desistiu de reivindicar o que ela alega ser dela por direito e está recorrendo aos tribunais superiores em uma nova e talvez derradeira tentativa de fazer justiça.
Os advogados de Luiza acreditam que o caso, agora no Superior Tribunal de Justiça, será decidido a favor de sua cliente. O processo, dizem, está bem documentado com provas como mensagens por e-mail trocadas entre o casal que retratam a estreita e contínua ligação, além de fotos, dedicatórias, convites e recibos de passagens aéreas, aos quais VEJA teve acesso e que ilustram o cenário de uma vida intimamente compartilhada e de conhecimento das famílias. Entre o material que será adicionado à farta documentação consta o convite para a festa de aniversário de 60 anos de Parisotto. Nele, é possível ler claramente que ela é a anfitriã do evento — um indicativo inequívoco, de acordo com os advogados, de que o relacionamento era muito mais do que um simples namoro. Também há vasto material fotográfico que registra o casal em momentos especiais, em viagens internacionais, como comemorações de passagem de ano e outras ocasiões festivas.
Para quem olhava de fora, Luiza e Parisotto formavam o par perfeito, sempre juntos e extremamente carinhosos um com o outro. Ela vinha de dois casamentos, o mais longo foi com o empresário Armando Fernandez, com quem teve uma menina e um menino — a mais velha, Yasmin Brunet, é casada com o surfista campeão Gabriel Medina. Parisotto, por sua vez, também era separado, tinha uma filha de seu primeiro casamento e um filho que ele reconheceu de outro relacionamento. Ambos vitoriosos em suas respectivas carreiras, eles pareciam estar em busca da felicidade mais uma vez.
Em maio de 2016, porém, o mundo virou de cabeça para baixo. Naquele mês, os dois estavam em Nova York quando Parisotto teria se irritado ao ser confundido com o ex-marido de Brunet. Alterado, ele desferiu tapas e socos no rosto da modelo, quebrando quatro de suas costelas ao jogá-la contra um sofá. Mas as agressões, entre violência física, verbal e psicológica, segundo a modelo, já vinham de dois anos antes.
No ano seguinte, o empresário — que fez fortuna com a fabricação de fitas VHS nos anos 1980 e 1990, bem como com investimentos na indústria petroquímica e ações do mercado financeiro — foi levado às barras dos tribunais, acusado de agressão à companheira. Depois de recorrer duas vezes, o caso chegou ao Supremo Tribunal Federal, que decidiu por unanimidade contra ele. Parisotto foi condenado, porém a pena estabelecida não foi a cadeia, mas o cumprimento de serviços comunitários por dois anos, bem menos tempo que a ação levou para tramitar entre a denúncia e o julgamento final do agressor.
Enquanto corriam os processos, tanto o de agressão quanto o de partilha, Luiza foi desacreditada e admoestada na arena selvagem das redes sociais, onde reputação e credibilidade podem ser derretidas em questão de minutos. Perfis falsos ou anônimos a acusavam de tentar dar o “golpe do baú” e querer apenas o dinheiro de Parisotto. “Golpista” e “interesseira” eram os adjetivos mais suaves lançados contra ela. “Apesar de tudo, eu me fortaleci muito nos últimos anos. Entendi que é preciso continuar a vida, mas também seguir firme e forte nas nossas lutas”, contou a modelo a VEJA (leia a entrevista). Ela diz que as ofensas lhe deram força e a fizeram perceber que as mulheres têm enormes desafios a enfrentar e que não podem se deixar abalar.
Logo após a separação, Luiza decidiu ir à Justiça para pedir partilha parcial de bens — o que no linguajar técnico significa metade do patrimônio acumulado pelo empresário durante os anos de relacionamento. Para que ela tivesse direito ao montante, seria necessário comprovar que sua relação com Parisotto constituía união estável, legalmente definida como um relacionamento duradouro, público, contínuo e com o intuito de formar família. No entanto, na decisão de primeira instância, referendada depois pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, o relacionamento não foi tido como compatível com o que é considerado união estável. “O texto da sentença reconhece diversos requisitos para a união estável: relação longa, pública e duradoura, mútua assistência, apoio material e moral”, disse a VEJA Pedro Egberto da Fonseca Neto, advogado de Luiza. “Os juízes se apegaram a questões pontuais e que não são exigidas para haver uma união desse tipo.” Ele ressalta que residência na mesma casa e vontade de ter filhos não são requisitos exigidos para o reconhecimento de união estável. Há pessoas casadas no papel que vivem em países diferentes. Além disso, a modelo já tinha 49 anos quando conheceu o empresário, o que a impossibilitava de ter filhos biológicos. A vontade dos dois, portanto, era de viverem juntos, porém com a família que cada um possuía. Procurados pela reportagem, os advogados de Parisotto refutaram a teoria. “O próprio juiz disse que se tratava de um namoro tormentoso tantas eram as idas e vindas e rompimentos do casal”, disse Luiz Kignel, defensor do empresário.
Luiza está incomodada com a situação: “Acho triste que mulheres tenham de passar por esse sofrimento para provar que viveram com o próprio companheiro”, diz. Desde que sua história veio a público, ela tem recebido relatos de mulheres que vivem situações semelhantes e criaram coragem para ir atrás de seus direitos, como fez a modelo. Dos magistrados que apreciam este caso e tantos outros, espera-se, como não poderia deixar de ser, imparcialidade no julgamento, respeito e a busca da verdade.
Publicado em VEJA de 26 de maio de 2021, edição nº 2739