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Luiz Estevão diz que Lava-Jato foi a melhor coisa que aconteceu no Brasil

Cumprindo pena por corrupção, o ex-senador considera que as delações premiadas acabam com a roubalheira

Por Hugo Marques Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 16h01 - Publicado em 23 ago 2019, 06h30

Aos 70 anos, o empresário Luiz Estevão de Oliveira Neto tenta recuperar a forma física depois de cumprir três anos de prisão em regime fechado na penitenciária da Papuda, em Brasília. Antes da Operação Lava-Jato, o ex-senador era uma surpreendente exceção a todas as regras e tradições. Bilionário, político e influente, enquadrava-se naquela categoria de perfil considerado intocável, alguém que jamais seria alcançado pela lei — mas ele foi. Em 2006, Estevão recebeu condenação a 26 anos de prisão por corrupção ativa, estelionato e peculato. Catorze anos antes, a empresa dele vencera uma licitação para construir a sede do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) de São Paulo. A obra não foi entregue e ainda custou 1 bilhão de reais além do previsto no contrato — superfaturamento que inflou o já estupendo patrimônio do empreiteiro. Estevão foi preso em 2016, cumpriu um sexto da pena e recentemente ganhou direito à progressão de regime.

Para muitos especialistas, trata-se de um caso exemplar. A polícia recolheu as provas do crime, o Ministério Público apresentou a denúncia, a Justiça sentenciou, o dinheiro desviado foi devolvido e o ex-senador está cumprindo sua pena. Depois de três anos, Estevão foi autorizado pela Justiça a deixar o presídio durante o dia para trabalhar na imobiliária de um amigo. Ele cuida da administração e ganha 1 800 reais de salário. No intervalo, treina boxe numa academia. É nesse momento que se podem ouvir algumas confidências do primeiro figurão do mundo político-­empresarial a vestir o uniforme de presidiário na condição de condenado. Arrependimento? “Se você perguntar: eu me aproveitei do que aconteceu no TRT? Eu me aproveitei. Eu errei ao ter me aproveitado? Errei”, diz ele a um interlocutor. “Mas, se eu fosse um corruptor contumaz, estaria envolvido na Lava-­Jato”, ressalva. Dono de uma construtora, o empresário foi acusado de pagar propina para conseguir o contrato.

É paradoxal, bastante teatral, mas o ex-senador considera a Lava-Jato o mais importante acontecimento das últimas décadas. “Eu acho que deveria ser erguida uma estátua para o ex-juiz Sergio Moro em cada município brasileiro. Não vi ninguém na história fazer o que o Moro fez pelo Brasil”, comenta, entre um soco e outro. Para ele, a força-tarefa conseguiu a proeza de mostrar o segredo do sucesso das grandes empreiteiras nacionais. “Era a capacidade de corromper. Essas grandes construtoras não corromperam apenas uma vez. Elas têm um histórico de trinta, quarenta anos de corrupção. O Moro desmontou esse castelo de cartas”, diz. Estevão também elogia os métodos da Lava-Jato. “A verdade é a seguinte: com a delação premiada, a roubalheira vai ficar eternamente insepulta.” Nos três anos de Papuda, ele dividiu cela com o ex-ministro petista José Dirceu, o ex-deputado Geddel Vieira Lima e o operador Lúcio Funaro — todos presos na Lava-Jato.

Eu acho que deveria ser erguida uma estátua para o ex-juiz Sergio Moro em cada município brasileiro.

Ex-senador Luiz Estevão de Oliveira Neto

Na academia, o ex-senador tenta recuperar 9 quilos de músculos que perdeu nos 1 394 dias de prisão. A cadeia deixou marcas não só no corpo. “Hoje, se pudesse, eu abriria mão da minha fortuna em troca da liberdade”, diz, dessa vez aparentando certo arrependimento. E explica: “O sistema prisional só piora a pessoa. Não há chance alguma de recuperação”. Segundo Estevão, os presos passam a maior parte do tempo planejando crimes. Estar na penitenciária ou na rua, para a grande maioria, não faz muita diferença. “O padrão da comida que eles comem aqui fora é o mesmo que eles têm na cadeia. O colchão desconfortável no chão é o mesmo em que eles dormem em casa. Os presos concluem que a cadeia não é um lugar tão ruim quanto parece para alguns. Eles perdem o medo da cadeia.” Não é obviamente o caso do ex-senador, proprietário de uma das maiores e mais luxuosas residências de Brasília. “Dos 15 000 presos do sexo masculino em Brasília, 14 000 vão reincidir no crime”, prevê. Ele também não se incluiu nessa estatística.

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Na Papuda, Luiz Estevão fez 32 cursos, a maioria na área de informática e de idiomas. Aprimorou o inglês, o francês, o italiano e o espanhol. Trabalhou como distribuidor de marmitas aos presos e cuidou da biblioteca do presídio, onde afirma ter lido mais de 500 livros — um deles, a Bíblia, “da primeira à última página”. “Hoje minha vida está focada em preparar meus seis filhos e sete netos para que gerenciem minhas empresas, limpar os problemas trabalhistas e fiscais que se acumularam nos últimos anos.” O patrimônio do ex-senador é tão grande que nem ele sabe afirmar com precisão o número de empresas que tem ou mesmo a dimensão de sua fortuna. “Alguns bilhões”, calcula. Não é exagero dizer que, até onde a vista alcança, a maioria dos terrenos ainda vazios em áreas nobres de Brasília pertence a ele. Parte desse patrimônio está bloqueada judicialmente desde 2000. Depois de condenado, o empresário já pagou 530 milhões de reais de multa pelos prejuízos causados na obra do TRT. Ainda faltam 200 milhões, dívida que está sendo quitada em suaves parcelas mensais de 4 milhões de reais.

Para fazer o trajeto da cadeia para o trabalho e vice-­versa, o ex-senador utiliza o veículo mais simples de sua frota pessoal, uma Mercedes-­Benz C-180. Duas Ferraris e um LearJet ficam estacionados em casa. É fato: o empresário tem um jatinho que custou 8 milhões de dólares parado no quintal de casa. Está lá por questões de economia. O gasto para mantê-lo num hangar passava de 200 000 reais por ano, e, sem poder usá-lo, ele decidiu cortar essa despesa. Na penitenciária, o status financeiro do detento não faz muita diferença. Os valores lá são outros. “Quem exerce liderança dentro da cadeia é quem matou mais”, explica Estevão. Ele conta que recebeu muitas ofertas de presos que se colocavam à disposição para assassinar um desafeto, não importa se dentro ou fora da prisão. “Lá, por 1 000 reais, um cara não pensa duas vezes antes de matar alguém”, lembra o ex-senador, que ainda terá de conviver pelo menos mais dois anos nesse ambiente que mistura criminosos de todos os tipos.

 

Publicado em VEJA de 28 de agosto de 2019, edição nº 2649

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