Juiz proíbe Enem de zerar prova de quem violar direitos humanos
Decisão foi tomada por desembargador do TRF1 em ação apresentada pelo movimento Escola Sem Partido; Ministério da Educação diz que vai recorrer
O desembargador Carlos Moreira Alves, da 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, determinou nesta quinta-feira, 26, a suspensão da regra do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) que prevê nota zero para quem escrever algo contrário aos direitos humanos na prova de redação. A decisão foi tomada em caráter de urgência a pedido do movimento Escola Sem Partido.
No pedido, a entidade argumenta que “ninguém é obrigado a dizer o que não pensa para poder ter acesso às universidades”. “Não existe um referencial objetivo em relação aos parâmetros a se adotar na avaliação das propostas de intervenção para o problema abordado, impondo-se aos candidatos, em verdade, respeito ao ‘politicamente correto’, não mais do que um ‘simulacro ideológico’ dos direitos humanos propriamente ditos”, diz o movimento no pleito encaminhado ao tribunal.
Ao analisar o caso, Alves avaliou que as regras até então aplicadas pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) – braço do Ministério da Educação que aplica a prova – “ofendem a garantira constitucional à liberdade de manifestação de pensamento e opinião”. Além disso, o desembargador sustentou que a ausência de um referencial objetivo no edital priva o candidato de ingressar em instituições a partir de sua capacidade intelectual, caso a “opinião do participante seja considerada radical, não civilizada, racista, desrespeitosa, polêmica, intolerante ou politicamente incorreta”.
“Transforma-se, pois, mecanismo de avaliação de conhecimentos em mecanismo de punição pelo conteúdo de ideias, de acordo com o referencial dos corretores a propósito de determinado valor, no caso os direitos humanos, que, por óbvio, devem ser respeitados não apenas na afirmação de ideias desenvolvidas, mas também em atitudes e não dos participantes do Enem, mas de todo o corpo do tecido social”, escreveu Alves na decisão.
Alves afirmou ainda em seu voto que o próprio Inep não tem segurança quanto à legitimidade dessa regra. ““Não vejo maior relevância na argumentação do agravado de que, conforme pacificado pela Suprema Corte, não se admite ao Poder Judiciário reexame de critérios de correção de processos seletivos”, disse.
No Facebook, o movimento Escola Sem Partido comemorou a decisão da Justiça Federal por considerar que ela garante a defesa “da liberdade de consciência e crença e o direito à livre manifestação de pensamento de milhões de estudantes brasileiros”.
Reação
Em nota, o Ministério da Educação reagiu à decisão do desembargador e informou que o Inep vai recorrer da decisão assim que for notificado. “O Inep comunica que estão mantidos os critérios de avaliação das cinco competências da redação do Enem 2017, tal como divulgados, amplamente, em seus documentos oficiais”, diz a nota.
Exemplos
Em 2016, quando o tema da redação foi “Caminhos para combater a intolerância religiosa no Brasil”, o Inep anulou redações que incitavam violência ou faziam alusão à perseguição de seguidores de qualquer religião, filosofia, seita, ou qualquer manifestação religiosa. Desconsiderou também redações de alunos que defendiam ideias de cerceamento à liberdade de adotar uma religião ou crença.
Na cartilha que orienta os alunos para a prova deste ano, o Inep listou alguns exemplos de casos do ano passado. Veja alguns deles:
- “a única maneira de punir o intolerante é obrigando-o a frequentar a igreja daquele que foi ofendido, para que aprenda a respeitar a crença do outro”
- “que o indivíduo que não respeitar a lei seja punido com a perda do direito de participação de sua religião, que ele seja retirado da sua religião como punição”
- “que a cada agressão cometida o agressor recebesse na mesma proporção, tanto agressão física como mental”
- “o governo deveria punir e banir essas outras ‘crenças’, que não sejam referentes à Bíblia”
- “para combater a intolerância religiosa, deveria acabar com a liberdade de expressão”