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Investigado, Witzel atua para afastar ‘banda podre’ do governo no Rio

Governador demite dois secretários, mas mantém seu homem forte, Lucas Tristão, amigo do empresário Mário Peixoto, e agrava crise com Alerj

Por Cássio Bruno 29 Maio 2020, 15h44

Em meio a uma avalanche de denúncias de corrupção, o governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel, decidiu fazer um movimento de 360 graus para salvar a própria pele e a carreira política. Em reunião de emergência até altas horas da noite desta quinta-feira, 28, no Palácio Guanabara, Witzel demitiu dois secretários estaduais de uma tacada só e se prepara para afastar outros subordinados. Ele também já se movimenta para deixar o PSC, partido que o elegeu sob o comandado do pastor Everaldo Dias Pereira, da Assembleia de Deus. De possível candidato à Presidência da República em 2022, o ex-juiz federal, que na campanha eleitoral de 2018 prometeu combater os maus feitos de antecessores, agora, quer se livrar da “banda podre” da gestão iniciada há menos de dois anos e ganhar fôlego para sobreviver a cinco pedidos de impeachment na Assembleia Legislativa do Rio (Alerj).

Witzel e sua mulher, a primeira-dama Helena, são investigados. As operações Marcadores do Caos, Favorito e Placebo revelaram como funciona a engrenagem de desvio de dinheiro público, principalmente na área da Saúde. Witzel teve três celulares e três computadores levados pela Polícia Federal na última terça-feira. Na noite de quinta-feira, o governador pediu ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) para depor. Witzel argumenta ser vítima de perseguição política. Ele responsabilizou o presidente Jair Bolsonaro (sem partido), seu inimigo político, que parabenizou a PF pela ação. Cinco ex-governadores que foram eleitos no Rio e estão vivos já foram presos: Moreira Franco, Anthony Garotinho, Rosinha Matheus, Sérgio Cabral e Luiz Fernando Pezão. Todos respondem em liberdade, menos Cabral, preso em Bangu 8 desde novembro de 2016.

As reuniões de emergência no Palácio Guanabara continuaram nesta sexta-feira, 29. Pressionado, Wilson Witzel exonerou os secretários da Casa Civil, André Moura, e de Fazenda, Luis Cláudio Rodrigues de Carvalho. Aliado do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha (preso na Lava-Jato) e integrante histórico do PSC, Moura foi indicado por Everaldo ao cargo. Embora negue, o pastor é responsável por indicações estratégicas no governo. Os dois aparecem em uma proposta de delação premiada do empresário Arthur Soares, o Rei Arthur, como revelou VEJA com exclusividade. Nela, o governador é apontado como o “chefe supremo” de um esquema montado para extorquir empresas prestadoras de serviço, com participação de Everaldo e Moura.

O ex-secretário André Moura tinha papel fundamental para que Witzel afastasse o fantasma do impeachment na Alerj. A saída dele, no entanto, causou efeito cascata na Assembleia: o líder do governo Márcio Pacheco e o vice-líder Léo Vieira, ambos do PSC, deixaram as funções, agravando a crise. O PSL, ex-legenda de Bolsonaro, pode ser o destino do governador. Procurado por VEJA, Moura não respondeu. Na rede social, ele comentou sobre a demissão: “Após conversa com o governador Wilson Witzel, na noite da quinta-feira, 28, me despedi do cargo de chefe da Casa Civil e Governança do Rio de Janeiro, função que vinha desempenhando com todo respeito e responsabilidade, nos últimos oito meses. A decisão foi tomada em conjunto com o chefe do executivo do estado de forma amistosa”. Pastor Everaldo não atendeu as ligações. A assessoria de imprensa do PSC negou que Witzel vá deixar o partido.

Anteriormente, Witzel exonerou o secretário estadual de Saúde, Edmar Santos. O governador, porém, criou um novo cargo para o aliado, mantendo-o na gestão. Só que a Justiça impediu Edmar Santos de continuar no emprego. Preso na Operação Mercadores do Caos, Gabriell Neves, ex-subsecretário executivo da pasta, também foi afastado por Witzel. Em entrevista exclusiva a VEJA, Neves revelou que Edmar Santos sabia de todas as contratações emergenciais sem licitação feitas pela secretaria. Em depoimento ao Ministério Público no presídio de Bangu 8, ele confirmou as declarações a VEJA e admitiu as fraudes, uma delas vinculada ao Instituto de Atenção Básica e Avançada à Saúde (Iabas) para a montagem de sete hospitais de campanha por 835 milhões de reais. Apenas um, o do Maracanã, funciona.

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Outros dois secretários estaduais estão na mira de Witzel: Leonardo Rodrigues, titular da pasta de Ciência, Tecnologia e Inovação, e Felipe Bornier, de Esporte, Lazer e Juventude. Segundo suplente do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos), Rodrigues é responsável pela Fundação de Apoio à Escola Técnica (Faetec) e pela Fundação Centro de Ciências e Educação Superior à Distância (Cecierj), órgãos onde, segundo procuradores da Lava-Jato, há indícios de irregularidades em contratos. Já Nelson Bornier, pai de Felipe e ex-prefeito de Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, aparece em um grampo telefônico da Operação Favorito. Nelson conversava com Luiz Roberto Martins Soares, preso na ação e ligado ao empresário Mário Peixoto. Os dois falaram sobre a revogação feita por Witzel de uma resolução que desclassificou o Instituto Unir para gerir UPAs.  “Continuo trabalhando. Participei até da reunião do secretariado. O que vai acontecer, não sei. Soube (da possível saída) pela imprensa”, disse Felipe Bornier. Procurado por VEJA, Leonardo Rodrigues, por meio da assessoria, diz não ter conhecimento de sua substituição.

Apesar das trocas no primeiro escalão para descolar a imagem dos casos de corrupção, Witzel manteve Lucas Tristão, secretário estadual de Desenvolvimento Econômico, Energia e Relações Internacionais, homem forte do governador. Nos bastidores, Tristão ganha força com as mudanças no Palácio Guanabara e com a saída de desafetos, como os ex-secretários demitidos André Moura e Luiz Cláudio Rodrigues. Mas continua sendo alvo de deputados que ainda querem a sua cabeça. Um dos pedidos de impeachment contra Witzel é justamente porque Tristão foi acusado pelos parlamentares de produzir dossiês ilegais, por meio de escutas telefônicas, sobre esses políticos da Alerj. Os cinco requerimentos para afastar o governador estão nas mãos do presidente da Casa, André Ceciliano (PT). “Parece que ele (Witzel) quer confronto com os deputados. Está dando força a um cara (Lucas Tristão) suspeito de fazer grampos e dossiês”, afirmou Ceciliano em entrevista a VEJA.

Tristão é amigo e ex-advogado do empresário Mário Peixoto, preso na Operação Favorito no último dia 14. Quase um mês antes, o secretário almoçou com Peixoto no domingo de Páscoa em meio à quarentena do novo coronavírus. Na decisão do STJ que deflagrou a ação, Tristão é mencionado como o elo do governador com Peixoto. Segundo o despacho do ministro Benedito Gonçalves, empresas de Mário Peixoto fizeram depósitos de R$ 225 mil para o escritório de advocacia de Lucas Tristão. O secretário sempre negou irregularidades. Ex-aluno Direito de Witzel no Espírito Santo e ex-coordenador de campanha do então candidato, Tristão também atua fortemente nos bastidores da Agência Reguladora de Energia e Saneamento Básico (Agenersa). O secretário influenciou diretamente na abertura do mercado de gás no estado para permitir a construção bilionária de gasodutos por empresas como a Marlim Azul Energia S/A. Quem conduziu todo o processo foi o então conselheiro do órgão, José Bismarck. Mesmo após o fim do mandato, Bismarck ganhou um presente do amigo Tristão: foi reconduzido ao cargo de assessor especial da presidência da Agenersa.

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