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Investigação revela segredos da quadrilha de matadores Escritório do Crime

Processos a que VEJA teve acesso exibem as entranhas do grupo de assassinos de aluguel do Rio liderado pelo miliciano Adriano da Nóbrega

Por Marina Lang, Ricardo Ferraz Atualizado em 4 jun 2024, 13h52 - Publicado em 11 dez 2020, 06h00
O COMANDANTE - Adriano, morto em fevereiro deste ano, pôs de pé a célula criminosa mais eficiente do Rio: em sua ficha corrida (à dir.), a extorsão é um dos primeiros delitos de uma vida marcada pelo crime -
O COMANDANTE - Adriano, morto em fevereiro deste ano, pôs de pé a célula criminosa mais eficiente do Rio: em sua ficha corrida, a extorsão é um dos primeiros delitos de uma vida marcada pelo crime – (./Reprodução)

Em matéria de crime organizado, o Rio de Janeiro detém o desonroso título de local de origem das primeiras quadrilhas e terreno fértil para sua propagação. De facção em facção, de milícia em milícia, as gangues fluminenses chegaram ao apogeu da violência, da ousadia e da gestão praticamente empresarial com a formação do Escritório do Crime, grupo de assassinos de aluguel criado em 2009 pelos chefões milicianos dos bairros da Muzema e Rio das Pedras, na Zona Oeste do Rio, e liderado pelo capo dos capos, o ex-policial militar Adriano da Nóbrega. Desde que Adriano — peça-­chave do esquema de rachadinha investigado no gabinete de Flávio Bolsonaro — morreu, em um confronto com a polícia em fevereiro, e outros figurões foram presos, o ritmo dos negócios sofreu um recuo, sobretudo em seu ramo mais notório, o assassinato mediante remuneração. Mas o bando não só segue ativo, como tem servido de modelo para novas quadrilhas.

VEJA teve acesso ao conteúdo completo de dois processos — um deles corre em segredo na 1ª Vara Criminal Especializada do Tribunal de Justiça do estado: um calhamaço de mais de 3 000 páginas que revela em detalhes os negócios ilícitos da gangue, seu nível de estrutura e sua influência no modo de agir de facções como o Bonde do Ecko, uma das mais violentas ameaças à segurança pública no momento. São cinco as fontes da renda milionária do Escritório do Crime: construções ilegais, exploração de máquinas caça-níquel, agiotagem, extorsão e, seu ramo mais famoso, mortes por encomenda. O grupo foi dos primeiros a entrar no radar da polícia após o assassinato da vereadora Marielle Franco, em 2018. Acabou saindo da lista de suspeitos por uma tétrica coincidência: no mesmo dia, seus assassinos executaram um bicheiro na Barra da Tijuca, e julgou-se improvável duas ações tão próximas executadas pela mesma quadrilha. A revelação, publicada recentemente no site de VEJA, de que dois integrantes se filiaram ao PSOL para monitorar os passos de suas lideranças pouco antes da morte de Marielle recolocou a organização na mira do inquérito.

Os processos examinados por VEJA mostram que o Escritório era composto de cerca de setenta “funcionários”, divididos em sete núcleos: lideranças, gerentes, seguranças, policiais corruptos, divisão financeira, seção imobiliária e laranjas. As reuniões ocorriam em um apartamento em cima de uma padaria no miolo de Rio das Pedras, dentro do bairro Itanhangá, na Zona Oeste. Cada execução envolvia uns cinco homens bem armados — o bando obtinha de traficantes as metralhadoras e pistolas de seu arsenal.

LUCRO E PODER DE FOGO - A planilha mostra que a renda do Escritório com a agiotagem chegava a 1,6 milhão de reais por mês (acima); a troca de mensagens revela negociação de armas pelo bando -
LUCRO E PODER DE FOGO – A planilha mostra que a renda do Escritório com a agiotagem chegava a 1,6 milhão de reais por mês (acima); a troca de mensagens revela negociação de armas pelo bando – (./.)
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De início, matavam desafetos de bicheiros, principalmente, usando táticas do Batalhão de Operações Policiais Especiais (Bope), de onde Adriano é egresso. Praticaram diversos homicídios, sempre muito bem planejados — mapeavam a casa e o trabalho das vítimas e monitoravam sua rotina e suas redes sociais. O processo disseca onze crimes, entre 2011 e 2018. Eles usavam gorros, roupas camufladas e veículos clonados, mas não tinham problema em agir à luz do dia em locais públicos, diante de câmeras de segurança. Um dos métodos de execução preferidos era o tiro de fuzil no rosto. Cada encomenda custava no mínimo 100 000 reais, podendo chegar a 1,5 milhão.

O líder inconteste era o miliciano Adriano, que ainda estava na PM — e de lá foi expulso em 2014 — quando o Escritório ganhou corpo. “Além de liderar uma das maiores organizações criminosas do Rio de Janeiro, Adriano exercia forte influência sobre o bando, o qual nutria verdadeira reverência à sua representatividade no submundo do crime”, relata o documento. Uma testemunha diz que o identificou na execução de um parente, mas decidiu não apresentar queixa por ter ouvido do próprio: “Só bate de frente comigo quem tem peito de aço”, bradou o chefão, morto com dois tiros.

Partiu dele a diversificação para o ramo dos caça-níqueis, ao tomar as máquinas controladas por José Luiz Lopes, o Zé Personal, cliente que o bando apagou em uma ação cinematográfica num centro espírita, em 2011. Vieram depois as construções ilegais: o Escritório erguia um prédio, rateava os apartamentos (os líderes ficavam com a maior parte) e extorquia os moradores com um combo: aluguel, condomínio e uma taxa de proteção compulsória. Em paralelo, faturava até 1,6 milhão de reais por mês emprestando dinheiro a juros. Há poucos dias, a polícia prendeu Taillon Barbosa, filho do líder Dalmir Barbosa, detido no início do ano. Taillon havia assumido o comando de uma milícia à frente da construção de prédios irregulares — sinal de que, mesmo atrás das grades, o grupo segue faturando. “O Escritório do Crime não é apenas uma quadrilha. É uma ideia, um modo de operar”, resume um delegado da cúpula da polícia fluminense. É um jeito de ver. O outro é compará-­lo a um câncer que precisa ser extirpado — quanto antes.

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Com reportagem de Cássio Bruno

Publicado em VEJA de 16 de dezembro de 2020, edição nº 2717

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