Governo de SP não bate metas em segurança e cai bônus a policiais
Benefício a agentes é pago quando incidência de crimes fica abaixo das metas fixadas para o estado; Secretaria atribui mal resultado à crise econômica
O governo do estado de São Paulo falhou no cumprimento das últimas metas que estabeleceu para reduzir o número de assassinatos e crimes contra o patrimônio. Divulgado em junho deste ano, o dado mais recente – relativo ao segundo trimestre de 2016 – mostra que todos indicadores avaliados no período tiveram desempenho “insatisfatório”. Como consequência, o bônus pago às polícias despencou.
Esse foi o pior resultado desde 2014, quando a gestão de Geraldo Alckmin (PSDB) começou a pagar bônus aos policiais que conseguem diminuir a criminalidade. Segundo a Secretaria de Segurança Pública (SSP), no segundo trimestre de 2016, 2,8 mil policiais militares e civis receberam a bonificação, que custou 1,3 milhão de reais no total. No mesmo período de 2015 – quando o pagamento foi recorde –, 75,5 mil agentes haviam sido premiados, a um custo total de 112,8 milhões de reais, em valores não corrigidos pela inflação. Especialistas dizem que é preciso revisar o programa para transmitir novo estímulo aos policiais que atuam nas ruas.
O programa de bônus paga até 2.000 reais a cada policial. O sistema de metas analisa três indicadores estratégicos: Vítimas de Letalidade Violenta (VLV), Roubo e Furto de Veículos (RFV) e Roubos Outros (RO) – o último foi incluído em 2015. É o governo quem fixa as metas, um “teto” para os delitos no trimestre.
Considerado o mais importante, o índice de letalidade violenta é a soma do total de vítimas de homicídios dolosos com o de latrocínios (roubo seguido de morte). Já o RO considera assaltos a pedestres, residências e comércios, sem incluir roubos a bancos ou de cargas.
Para ter resultado “satisfatório”, os crimes registrados têm de ficar abaixo da meta – e a segurança de São Paulo recebe, segundo próprio governo, “farol verde”. Se a meta for ultrapassada em até 3%, o desempenho é tido como “parcialmente satisfatório” e o farol, “amarelo”. Se ultrapassar essa margem de 3% acima, o desempenho é “insatisfatório”, com “farol vermelho”. É possível, por exemplo, haver queda no total de crimes, mas em ritmo menor do que o previsto, o que se traduz em meta não atingida pela polícia.
Com exceção de RO, com classificação “satisfatória” apenas uma vez na série histórica, a polícia sempre cumpriu a maior parte das metas desde o início do programa. Os últimos balanços, porém, mostram que o quadro tem se invertido: até que os três indicadores apareceram no “farol vermelho” pela primeira vez.
“É preciso pensar quais são as medidas para reverter isso”, diz a cientista social Carolina Ricardo, assessora sênior do Instituto Sou da Paz, que ajudou a elaborar a política de bônus. “O resultado insatisfatório não compromete, de forma alguma, o programa. O que pode colocá-lo em xeque é se a análise dos resultados não for usada para direcionar políticas de segurança.”
Antes, a polícia só havia deixado de cumprir todas as metas uma vez. Foi no primeiro trimestre de 2014, quando havia dois indicadores e os objetivos foram fixados retroativamente, uma vez que o programa foi criado em junho daquele ano.
Para o sociólogo Túlio Kahn, ex-analista da SSP, o resultado pode “frustrar” a sociedade e os policiais. “As funções do sistema de metas são dadas. Para a polícia, é ter um objetivo. Para a sociedade, é que esse objetivo seja atingido”. Crítico do modelo de metas, o coronel da reserva da PM paulista José Vicente da Silva Filho defende “grande ajuste organizacional”.
Variantes
O cálculo do bônus é complexo: varia segundo resultados globais e com metas específicas para cada uma das áreas de atuação compartilhada entre as Polícias Militar, Civil e Técnico-Científica, o que permite que alguns agentes recebam a mais ainda que o desempenho do Estado seja ruim. Também são previstos descontos se há alta de letalidade policial ou latrocínios.
Nos dois primeiros trimestres de 2016, São Paulo gastou 3,6 milhões de reais em bônus, pagos a menos de oito mil agentes. Não há previsão de data para a secretaria divulgar os resultados dos trimestres seguintes.
Homicídios
Os números divulgados pela Secretaria nesta terça incluíram aumentos nos casos de homicídio e latrocínio, o roubo seguido de morte. Considerado “atípico” pela pasta, o número de assassinatos para o mês de junho cresceu de 233 para 242, em comparação com 2015.
Em todo o primeiro semestre, no entanto, o cenário foi de queda – de 1.728 para 1.662 registros. Já os latrocínios cresceram 25% no mesmo período, indo a 204. Os roubos de carga também subiram, em 23%, chegando a 5.417 em seis meses. O secretário de Segurança Pública, Mágino Alves Barbosa Filho, disse que trabalha para manter o “estado de redução” e atribuiu o resultado em junho ao aumento de conflitos domésticos, uma vez que 62% dos casos ocorreram dentro das residências das vítimas.
Crise
Em nota, a SSP afirma que a crise econômica e o aumento de desemprego contribuíram para que a polícia não cumprisse as metas estabelecidas de crimes patrimoniais. Já para a letalidade violenta, a pasta diz que o “grau de desafio da meta estabelecida” teve influência sobre o resultado final obtido.
“Em relação aos crimes patrimoniais, fatores externos às atividades patrimoniais, como a crise econômica e o consequente aumento do desemprego, influenciaram nacionalmente em uma alta nesse tipo de delitos”, diz a pasta. “Com a variação positiva da estatística, as metas não foram atingidas.”
“No caso da letalidade violenta, o não cumprimento deveu-se ao grau de desafio da meta estabelecida, apesar da queda dos indicadores em todo o Estado em relação a 2015”, afirma a SSP. Segundo o órgão, o não cumprimento da meta aconteceu apesar de São Paulo ter atingido em 2016 “a menor taxa de homicídios da série histórica: 8,12 ocorrências por grupo de 100 mil habitantes”.
(Com Estadão Conteúdo)