Último Mês: Veja por apenas 4,00/mês
Continua após publicidade

Falta de sintonia entre Lula e o Congresso ameaça travar pautas decisivas

Mesmo com a farta distribuição de ministérios ao centro, gestão não reproduz na prática a frente ampla montada na campanha eleitoral para derrotar Bolsonaro

Por Daniel Pereira Atualizado em 4 jun 2024, 10h41 - Publicado em 12 Maio 2023, 06h00

Até adversários costumam dizer, em tom de elogio, que o presidente Lula é um “animal político”, capaz de transformar rivais em aliados, reconstruir pontes e reescrever histórias. Ministro-chefe da Casa Civil e coordenador da campanha à reeleição de Jair Bolsonaro, o senador Ciro Nogueira (PP-PI) contou antes da eleição do ano passado que recusou um convite para conversar com o petista porque este é um “sedutor”. O parlamentar — uma raposa reconhecida em cartório — não quis correr o risco de virar a casaca. Enaltecido por aliados, o poder de encantamento de Lula chegou a ser considerado infalível depois de ele fazer uma neófita presidente da República (Dilma Rousseff) e um acadêmico com cara de tucano prefeito de São Paulo (Fernando Haddad). Com tamanho prestígio e experiência, esperava-se que o presidente não tivesse tantas dificuldades na articulação política. Que em seu terceiro mandato a relação com o Congresso fosse de sintonia fina, apesar de a esquerda ter minoria parlamentar. E que o governo gastasse energia para construir consensos em torno dos projetos prioritários para o país, e não com pautas caras apenas à sua base mais fiel. Até agora, não foi o que aconteceu.

Em pouco mais de quatro meses, Lula 3 não conseguiu montar uma base de apoio no Congresso, que já impôs derrotas à sua administração e dá sinais crescentes de descontentamento. Sua debilidade política é resultado de uma combinação de fatores. O presidente insiste em bandeiras ideológicas de seu partido, como a pregação estatizante. Mesmo com a farta distribuição de ministérios a legendas de centro, sua gestão não reproduz na prática a frente ampla montada na campanha eleitoral para derrotar Bolsonaro. Por enquanto, fala-se muito para os convertidos e se dialoga pouco com representantes de outros espectros políticos, que são majoritários no Legislativo. Numa estratégia temerária, o presidente também resolveu confrontar o Congresso, contestando leis que foram aprovadas em legislaturas anteriores por ampla maioria. De forma surpreendente, Lula parece ignorar que a Câmara dos Deputados, por exemplo, é dominada pela centro-direita, que, se é conservadora nos costumes, mostra disposição para aprovar propostas de modernização do Estado e da economia brasileira — propostas que só não avançam no ritmo desejado porque o próprio governo causa turbulências desnecessárias.

EQUILÍBRIO - Lira: “Temos de focar as energias para o que nos une, tratar do arcabouço fiscal, da reforma tributária”
EQUILÍBRIO - Lira: “Temos de focar as energias para o que nos une, tratar do arcabouço fiscal, da reforma tributária” (Érika Garrida/LIDE/.)

Diante do nível de tensão entre o Planalto e o Congresso, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), chamou para si a responsabilidade de fazer os alertas necessários. “A maioria das Casas é conservadora e liberal. Tem determinadas pautas que nos separam e não são interessantes de serem tratadas agora. Temos de focar as energias para o que nos une, tratar do arcabouço fiscal, da reforma tributária”, disse Lira durante o evento do Lide em Nova York. Antes, o deputado já havia declarado que a articulação entre os poderes não era satisfatória. O problema de foco mencionado por Lira ficou evidente na decisão do governo de mudar regras do marco do saneamento básico, que foi aprovado pelo Congresso na legislatura passada. Em reação, a Câmara aprovou um projeto de decreto legislativo suspendendo as alterações promovidas pelo governo, que, segundo os deputados, tinham o objetivo de favorecer estatais que atuam na área, muitas delas ineficientes. Um dos pontos que desagradaram aos parlamentares seria de interesse do ministro-chefe da Casa Civil e ex-governador da Bahia, Rui Costa, e beneficiaria a Empresa Baiana de Águas e Saneamento, que opera atualmente com base num contrato vencido.

DESARTICULAÇÃO - Padilha: acordos são celebrados, mas não são cumpridos
DESARTICULAÇÃO - Padilha: acordos são celebrados, mas não são cumpridos (Gil Ferreira/Ascom-SRI/.)
Continua após a publicidade

Deputados alegam que tentaram conversar com o ministro para tratar do assunto, mas não conseguiram. Apontado como principal responsável pela derrota, Costa afirmou na semana passada que o governo errou ao não se reunir com líderes da Câmara antes da votação. O plenário da Casa rejeitou as mudanças no marco do sanea­men­to por 295 a 136 votos. As bancadas de MDB, PSD e União Brasil — partidos que controlam três ministérios cada um — votaram quase de forma unânime contra o governo. A falta de diálogo com líderes partidários pode até ter contribuído para o placar final, mas o que pesou mesmo foi a disposição do Poder Legislativo de defender um marco regulatório que ele mesmo aprovou e, assim, a própria soberania do Parlamento, algo que Lula não está levando muito a sério. Desde que assumiu o terceiro mandato, o presidente já pregou contra diferentes iniciativas aprovadas pelos congressistas, como a Lei das Estatais, a privatização da Eletrobras e o fim do chamado “voto de qualidade” nos julgamentos do Carf (veja o quadro). A declaração de Lira deixa claro que o Congresso não está disposto a recuar por pressão do presidente, ainda mais para empunhar bandeiras econômicas do PT já testadas e devidamente reprovadas.

Aliado de Lula, o comandante do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), engrossou as críticas ao governo. “É fundamental no Brasil que nós tenhamos respeito ao passado. Ou seja, que aquilo que foi feito por um Congresso Nacional responsável seja respeitado”, afirmou o senador. Ele lembrou ainda que mudanças de legislações ao sabor de governos de turno, como quer Lula, provocam insegurança jurídica e instabilidade, afastam os investidores e prejudicam a economia. Pacheco também externou sua contrariedade com a articulação política do governo por meio de um gesto totalmente incompatível com a sua personalidade. Na última terça-feira, 9, ele não recebeu os ministros Rui Costa, Alexandre Padilha (Relações Institucionais) e Jader Filho (Cidades) durante uma visita-surpresa que eles fizeram ao Senado. Os ministros tinham ido conversar com líderes partidários numa tentativa de evitar que o Senado ratificasse a decisão da Câmara sobre o marco do saneamento. Sem agendar a visita, eles entraram na presidência da Casa para falar com Pacheco, que estava em outro compromisso, e o aguardaram em uma antessala.

OPORTUNIDADE - Oposição: a maioria mostra boa disposição para aprovar propostas de modernização do Estado
OPORTUNIDADE - Oposição: a maioria mostra boa disposição para aprovar propostas de modernização do Estado (Sergio Lima/AFP)
Continua após a publicidade

Ao saber da presença do trio, o senador saiu apressadamente, sob a alegação de que estava dez minutos atrasado para abrir a sessão plenária. Ele evitou a conversa com uma desculpa esfarrapada e, por isso mesmo, eloquente. No dia anterior, Pacheco tinha ficado insatisfeito com a forma como o Planalto anunciou a indicação de Gabriel Galípolo, secretário-executivo do Ministério da Fazenda, para uma diretoria do Banco Central, cargo que ele só assumirá após ser sabatinado e aprovado pelo Senado. Ninguém do governo informou Pacheco previamente da escolha, o que foi considerado por ele uma descortesia (leia mais na reportagem da pág. 38). A tensão na relação com o Congresso, vale ressaltar, não decorre apenas de erros do presidente e de seus aliados. Como ocorre desde sempre no presidencialismo de coalizão brasileiro, os parlamentares querem contrapartidas para votar com o governo. Lula 3 enfrenta negociações mais custosas porque deputados e senadores conquistaram poder na gestão de Jair Bolsonaro, que repassou a eles o controle das bilionárias emendas de relator. No governo passado, os congressistas tinham total autonomia para decidir onde esses recursos seriam aplicados. O Executivo recebia as indicações e pagava, sem contestação.

arte agenda PT

Já o governo atual não está disposto a repetir esse modelo, o que levou a um impasse. Saudosos das extintas emendas de relator, os parlamentares querem decidir onde serão aplicados cerca de 10 bilhões de reais que hoje estão à disposição dos ministérios. Pressionado, Lula determinou que essa verba entre na negociação com o Congresso, mas não abriu mão de ter a palavra final sobre o desembolso dos recursos. Sua proposta é que deputados, senadores e prefeitos peçam a liberação das verbas respeitando programas definidos pelos ministérios e normas preestabelecidas. “O governo anterior terceirizou a execução do Orçamento. O Congresso determinava o pagamento, e o Executivo liberava o dinheiro sem saber o que estava pagando”, diz uma fonte do Planalto. De acordo com ele, parlamentares e prefeitos farão a sugestão de gastos dos recursos que estão nos ministérios, mas estes só serão desembolsados caso se enquadrem nos critérios definidos pela equipe do presidente. “Tudo com transparência e dentro da legalidade”, acrescenta a fonte.

Continua após a publicidade
CRÍTICAS - Costa: sem trânsito na política e com pouca atuação no Parlamento
CRÍTICAS - Costa: sem trânsito na política e com pouca atuação no Parlamento (Casa Civil/.)

Para melhorar a relação com o Congresso, o governo também deve agilizar o pagamento de emendas individuais inscritas no Orçamento de 2023 e de verbas orçamentárias de anos anteriores. Ministérios já foram autorizados a liberar 5 bilhões de reais dos chamados restos a pagar. O dinheiro não está fluindo na velocidade desejada pelos parlamentares, segundo o governo, porque há dificuldades com a burocracia. Sistemas operacionais, por exemplo, ainda dependem de ajustes. Para um petista histórico, com bagagem de sobra nas engrenagens do Planalto, o motivo da demora é diferente. Ele diz que Alexandre Padilha, articulador político e alvo das críticas de Arthur Lira e companhia, fecha os acordos políticos, mas Rui Costa, o capitão do time, não executa o combinado. Um promete, e o outro não cumpre, o que amplifica o azedume parlamentar. Para este petista, foi um erro colocar Costa na Casa Civil, já que ele é um técnico sem trânsito na política e com pouca atuação no Parlamento. Além de ser responsabilizado pela derrota no caso do marco do saneamento, o chefe da Casa Civil gerou atritos com a bancada do União Brasil por tentar mudar o superintendente da Codevasf na Bahia, indicado pelo partido. A temperatura subiu a ponto de a legenda apresentar um requerimento para convocar Costa a se explicar no plenário da Câmara.

O governo reconhece que a lentidão na distribuição de cargos de segundo e terceiro escalões também dificulta a adesão de deputados e senadores à nau governista. Por isso, pretende bater em breve o martelo sobre o destino de 400 postos federais distribuídos pelos estados. “Estamos um mês atrasado nessa questão na comparação com o governo Lula 2”, admite uma fonte do palácio. Todos os ajustes previstos devem melhorar a relação do governo com o Congresso. Historicamente, essas contrapartidas sempre surtiram o efeito desejado. Esse esforço de composição pode ser prejudicado se Lula continuar com discursos populistas em busca de aplausos fáceis e não concentrar energia na pauta que realmente importa: a aprovação do novo arcabouço fiscal e da reforma tributária. Como disse Arthur Lira, o Congresso de centro-direita, liberal, no qual a esquerda é minoritária, apoia essas iniciativas. A janela de oportunidade está escancarada. Basta que o “animal político” pare de sabotar a sua própria agenda.

Continua após a publicidade

Com reportagem de Marcela Mattos

Publicado em VEJA de 17 de maio de 2023, edição nº 2841

Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Veja e Vote.

A síntese sempre atualizada de tudo que acontece nas Eleições 2024.

OFERTA
VEJA E VOTE

Digital Veja e Vote
Digital Veja e Vote

Acesso ilimitado aos sites, apps, edições digitais e acervos de todas as marcas Abril

1 Mês por 4,00

Impressa + Digital
Impressa + Digital

Receba 4 Revistas no mês e tenha toda semana uma nova edição na sua casa (equivalente a 12,50 por revista)

a partir de 49,90/mês

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$118,80, equivalente a 9,90/mês.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.