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Primeiro dia de desfiles no Rio: enredos engajados, Jesus negro e tensão

O Carnaval na Sapucaí neste domingo teve as atuais campeã e vice na avenida e abordou intolerância religiosa, meio ambiente, preconceito, entre outros temas

Por Jana Sampaio, Maria Clara Vieira, Bruna Motta Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 24 fev 2020, 12h54 - Publicado em 23 fev 2020, 12h53

Sete Escolas de Samba abriram os desfiles do grupo especial na Marquês de Sapucaí, no Rio de Janeiro, neste domingo, 23, às 21h30. A disputa da elite do Carnaval carioca começou com a Estácio de Sá, seguida pela Viradouro, vice-campeã do ano passado. Passaram pela avenida também a Mangueira, atual vencedora, a Paraíso do Tuiuti, a Grande Rio, a União da Ilha e a Portela. Confira os temas, na ordem de ingresso na avenida:

Estácio de Sá

A vermelho e branco conquistou em 1992 seu único campeonato com Paulicéia Desvairada, 70 anos de Modernismo no Brasil. A carnavalesca Rosa Magalhães, uma colecionadora de sete campeonatos por outras escolas, liderou a concepção do enredo Pedra, uma representação da permanência do tempo e também sobre a beleza a origem e a beleza das pedras.

De volta ao grupo especial, a agremiação do Morro São Carlos, na região central do Rio, antes mesmo de entrar na Marques de Sapucaí, homenageou Rosa, que comemora 50 anos de folia. O abre-alas, um dos carros mais bonitos, trouxe desenhos rupestres. A Estácio encerrou o desfile sem atrasos e esquentou a arquibancada para a Viradouro, a vice-campeã do ano passado.

Unidos da Viradouro
Unidos da Viradouro (VEJA/VEJA)

Unidos da Viradouro

Uma das onze escolas a escolher um samba-enredo engajado, a Unidos do Viradouro, vice-campeão no ano passado após ter subido da Série A em 2018, foi a segunda agremiação a desfilar no Sambódromo Fluminense. A escola de Niterói, na região metropolitana do Rio, falou, no enredo Alma Lavada, sobre a vida das ganhadeiras de Itapuã, mulheres escravizadas até o final do século XIX e símbolo de resistência.

A bateria inovou e trouxe um tripé com duas percussionistas tocando timbau. A escola esquentou o setor 1, o mais popular da Avenida, desde que pisou no Sambódromo. A plateia cantou do inicio ao fim a história das aguadeiras baiana.

Forte concorrente ao título de campeã de 2020, a agremiação jogou cocadas ao público, que vibrou. O luxo das fantasias, no entanto, cobrou seu preço e uma baiana desmaiou ainda no início do percurso.

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O quarto carro, “Ciranda de Roda à beira do mar”, trouxe imagens de aguadeiras ainda em exercício e homenagens a outras mulheres que trabalharam em Itapuã. Muitas delas, aliás, estavam no sexto carro. Aos 30 minutos, o som foi interrompido por segundos, mas o público entoou os versos da canção a plenos pulmões.

Com a crise da Cedae no Rio, a escola utilizou água mineral em carros com atrações do tipo, como um aquário com sereias.

Alcione desfila na Mangueira como Maria (24/02/2020)
Alcione desfila na Mangueira como Maria (24/02/2020) (Reprodução/Reprodução)

Mangueira

Sob os gritos de “é campeã”, a Estação Primeira de Mangueira foi a terceira escola a desfilar no Sambódromo do Rio neste domingo 23, e acabou aplaudida de pé ao ser anunciada. Com grande expectativa do público e da crítica, a campeã de 2019 busca a liderança com o samba-enredo A Verdade vos Fará Livre, com aspectos da vida de Jesus.

O abre-alas da agremiação levou para a avenida um grupo de bailarinos que reconstruiu possíveis tensões e situações de vulnerabilidade que Jesus sofreria se tivesse nascido no Brasil de hoje. No primeiro carro, os cantores mangueirenses Alcione e Nelson Sargento representam Maria e José, respectivamente.

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A verde e rosa mostrou o filho de Deus se insurgindo “contra o comércio da fé e desafiou a hipocrisia dos líderes religiosos de seu tempo”. O carnavalesco Leandro Vieira, que já tem dois campeonatos pela escola, indicou no texto de apresentação do enredo as questões enfrentadas por Jesus. “Questionou o poder do império romano e condenou a opressão. Seu comportamento pacifista e suas ideias revolucionárias inflamaram o discurso dos algozes que passaram a incitar o estado a decretar sua sentença. O fim todos sabemos: Foi torturado, padeceu e morreu”.

Para o carnavalesco, o enredo não é religioso e Jesus não pode ser representado de maneira única, quando preso à cruz. Cada setor da escola vai trazer uma representação diferente. “Ser um, exclui os demais. Preso à cruz, ele é a extensão de tantos, inclusive daqueles que a escolha pelo modelo ‘oficial’ quis esconder. Sendo assim, sua imagem humana não pode ser apenas branca e masculina”, apontou.

O desfile figurou um Jesus mulher e outro negro, com sua biografia como se tivesse nascido em uma comunidade carioca. A escolha foi aprovada pelo público. “Jesus também é Carnaval, apesar de o nosso prefeito achar que não. Estou completamente de acordo com o enredo. A gente vai vencer com o amor ao próximo”, disse o carioca Carlos Arcanjo, de 28 anos, que também assina embaixo do trecho “não existe messias de arma na mão”.

O empresário Mauro Pinheiro, de 47 anos, gostou da atitude. “O tema é super apropriado. Considerando a região em que Jesus nasceu, é mais provável que ele fosse negro mesmo”, opinou. Para a gaúcha Marilene Borba, de 63 anos, a homenagem está à altura do homenageado. “É a primeira vez que vejo falarem de Jesus com alegria. Na verdade, ele era negro mesmo. O povo é que botou branco de olho azul”, disse.

tuiuti
Paraíso do Tuiuti (VEJA/VEJA)
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Paraíso do Tuiuti

Com o enredo O Santo e o Rei: Encantarias de Sebastião, a azul e amarelo do Morro do Tuiuti homenageou o padroeiro do Rio de Janeiro em desfile que começou com atraso. O enredo tratou da ligação entre o mártir venerado por religiões cristãs e de matriz africana com o lendário rei de Portugal, tratado com reverência em terras lusitanas. O carnavalesco João Vitor Araújo, que esteve à frente de escolas da Série A, teve a responsabilidade de desenvolver a canção.

O desfile abordou a diversidade religiosa ao representar o santo como Oxóssi, como é conhecido no candomblé e na umbanda. Entre as alas, também havia referências ao catolicismo, como um bispo. A escola que nos últimos anos marcou os seus desfiles por questões políticas, em 2020, quis mais descontração.

Grande Rio

A vermelho, verde e branco de Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, vem perseguindo o título há muito tempo e, neste ano, renova as esperanças com Tata Londirá – O Canto do Caboclo no Quilombo de Caxia. O enredo, contra a intolerância religiosa, faz homenagem a Joãozinho da Gomeia.

Nascido na Bahia, o dançarino conhecido como o Rei do Candomblé, fixou seu terreiro em Caxias, um dos mais respeitados na cultura de origem africana. Lá recebeu até políticos e lutava contra a intolerância religiosa.

O enredo desenvolvido pelos carnavalescos Leonardo Bora e Gabriel Haddad, que também são do grupo de estreantes na elite do carnaval carioca, destaca ainda a participação de Joãozinho na luta contra os preconceitos.

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O desfile teve momentos tensos logo no início. O quarto carro que homenageava os orixás ocupou espaço a mais na avenida e quebrou a grade que separava o grupo da escola. Duas repórteres da VEJA foram machucadas no braço e na perna. A escola não as procurou para oferecer ajuda. Ambas foram retiradas da avenida com a ajuda de Bombeiros. Em 2017, uma jornalista morreu imprensada por um carro da Tuiuti em local muito próximo ao ponto onde as repórteres foram feridas.

A agremiação entrou empolgando o público, mas logo nos primeiros quatro minutos deixou um buraco. O terceiro carro não conseguiu fazer a manobra para entrar na avenida. Um bombeiro disse a VEJA que a alegoria era grande demais e que isso dificultou a operação. A agremiação deve ser penalizada nos quesitos harmonia e evolução. O erro foi corrigido apenas cinco minutos após o incidente. Aos 13 minutos, teve início um segundo buraco, também resolvido. À frente da bateria, a apresentadora Antonia Fontenelle mostrou samba no pé.

União da Ilha

A azul, vermelho e branco da Ilha do Governador, a sexta a entrar na passarela do samba, costuma fazer desfiles descontraídos e empolgados. Neste ano, passou na avenida com um enredo de nome comprido: Nas encruzilhadas da vida; entre becos, ruas e vielas, a sorte está lançada: Salve-se quem puder. Os carnavalescos são os experientes Fran-Sérgio, que por muitos anos esteve na Beija-Flor, e Cahê Rodrigues, que veio da Grande Rio e da Imperatriz Leopoldinense.

Depois do atraso da Grande Rio, a União da Ilha também teve dificuldades para colocar suas alegorias na Marquês de Sapucaí. O carro abre-alas, que representa uma comunidade, teve que ser manobrado na entrada da avenida, já com o tempo correndo. Mais tarde, outro carro com um problema no motor gerou um “buraco” na apresentação da escola e fez com que o desfile durasse um minuto a mais do que o permitido – o que significa que a escola perderá 0,1 pontos na contagem final.

Portela

A azul e branco de Madureira e Oswaldo Cruz, escola do Rio com o maior número de títulos (22), encerra o primeiro dia de desfiles e traz o enredo Guajupiá, Terra Sem Males, uma crítica ao homem que não soube dar valor às bênçãos criadas por Monã, o deus dos Tupinambás.

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Os carnavalescos Renato e Márcia Lage, experientes no Grupo Especial, estreante na Portela com enredo que tem muita relação com o meio ambiente. A escola tradicional do carnaval do Rio mostra o nascimento de um tupinambá, com seus ritos e tradições que deveriam garantir bons presságios. O berço em estilo de rede, ornamentado com unhas de onça e garras de águia, foi elaborado com a intenção de que nada de mal lhe acontecesse. Tudo acontece na Karióka, que conforme o texto de apresentação do enredo, é a lendária taba tupinambá, erguida ao lado da “paradisíaca baía de kûánãpará”, o seu Guajupiá. Depois, conhecida como Baía de Guanabara.

O enredo diz ainda que “os tupinambás acreditavam que o homem tinha duas substâncias essenciais: uma eterna e outra transitória e ambas, o corpo e a alma, estavam ligadas”. A sabedoria era dos mais velhos que tinham a responsabilidade de repassar “oralmente as histórias, o saber, e as orientações do que deveriam fazer, aos ainda jovens, em cada fase de sua vida”. A canção questiona ainda o que o homem fez do seu Guajupiá.

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