Último Mês: Veja por apenas 4,00/mês
Continua após publicidade

Abin mantém na ativa espião condenado e preso por abusar de crianças

Documentos revelam detalhes da história que a Agência Brasileira de Inteligência tentou preservar em segredo

Por Thiago Bronzatto Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 16h00 - Publicado em 23 ago 2019, 06h30

Se a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) fosse eficiente para produzir informações como é para se envolver em histórias bizarras, o governo certamente não passaria por tantos vexames. Eis a última pérola: a Abin tem em seu quadro funcional um espião que foi condenado por abusar sexualmente de crianças. Mais: antes de ele ser contratado, o órgão já tinha conhecimento disso e nada fez. E mais ainda: mesmo cumprindo pena, o espião continua recebendo missões — a última foi a de acompanhar assuntos relacionados a “ações adversas contra interesses nacionais”. E, para completar o enredo, o espião-abusador recebe salário e complementou a renda familiar com o auxílio-reclusão, benefício social pago pelo INSS aos dependentes do presidiário.

A história que resultou nessa situação insólita começou em 2007, quando o paulista Sérgio Gonçalves de Amorim foi aprovado no concurso da Abin, o serviço secreto brasileiro. Pela delicadeza da função, os candidatos só tomam posse depois que é feita uma ampla investigação de sua vida pregressa. O objetivo é identificar se existe algo que possa comprometer a idoneidade moral do agente ou que arranhe de alguma maneira a boa imagem da agência. É uma checagem rigorosa — ou deveria ser. Sabendo disso, Amorim, na época, se antecipou à investigação e informou que era alvo de um processo criminal, acusado de atentado violento ao pudor, crime hoje análogo ao de estupro de vulnerável. As supostas vítimas, duas crianças de 8 anos de idade. O futuro araponga, porém, alegou que a acusação nada mais era que uma invenção da sua ex-­noiva, que não concordava com o fim do relacionamento. A Abin aceitou a explicação e admitiu em seu quadro o servidor.

carteira_Abin_acerto
INACREDITÁVEL – O agente Sérgio Amorim continua recebendo missões (./.)

Os rumores sobre o passado do espião, porém, continuaram. Pouco tempo depois da contratação, a agência resolveu apurar melhor o caso. Em 2011, a Abin instaurou uma investigação. Num relatório confidencial, ao qual VEJA teve acesso, agentes destacados para a missão informaram ter encontrado no computador de trabalho de Amorim registros de acesso a sites pornográficos. Era o menor dos problemas. Também descreveram uma diligência que haviam feito no interior de São Paulo, onde corria o processo de abuso. “Da leitura dos depoimentos constantes dos autos ficou a impressão que a situação é muito mais séria do que a relatada pelo servidor e o seu envolvimento na acusação está descrito de maneira bastante convincente”, escreveram os espiões que espionavam o colega. De acordo com o relato das vítimas, Amorim mostrava às meninas cenas de sexo na internet e depois as molestava. Ainda assim, nada foi feito.

Doc-Abin
NEGLIGÊNCIA – Em 2011, a Abin já sabia da gravidade do caso, mas nada fez (./.)
Continua após a publicidade

Em 2014, a Justiça condenou o servidor a treze anos de prisão. Ele passou a cumprir a pena na penitenciária de Tremembé (SP). Antes, lotado no escritório da Abin em São Paulo, o espião acompanhava a movimentação de migrantes. Da cadeia, ele chegou a propor à agência produzir relatórios sobre o sistema penitenciário brasileiro. O fato é que, durante sete anos, o espião-abusador-­presidiário recebeu normalmente seu salário (18 581 reais). A sindicância da Abin só foi concluída em janeiro do ano passado, quando ele foi demitido a bem do serviço público. A história, porém, não estava no fim.

Indignado com a demissão, o espião recorreu à Justiça para ser readmitido, argumentando que a agência sabia do caso antes de contratá-lo — e deu certo. “A existência da ação penal já era de conhecimento da Abin, que não verificou, à época, razões suficientes para obstar a posse e o início do exercício no cargo em questão (…) Um processo penal tendo por objeto um crime muito grave, que coloca em séria dúvida a existência de ‘conduta pessoal irrepreensível’ e de ‘idoneidade moral’, era mais do que suficiente para impedir que o autor, naquela época, tivesse sido nomeado”, escreveu em sua sentença o juiz responsável pelo processo. Em junho passado, Amorim foi recontratado, voltou a receber salário mensal e teve suspenso o auxílio-reclusão (9 290 reais). “A Abin tentou acobertar o caso para que isso não maculasse a imagem da agência”, explica o advogado Fernando Henrique de Almeida, defensor do espião. Recentemente, Amorim deixou a prisão. Autorizado pela Justiça, ele cursa faculdade de direito no período da manhã e se dedica à espionagem no período da tarde.

Publicado em VEJA de 28 de agosto de 2019, edição nº 2649

Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Veja e Vote.

A síntese sempre atualizada de tudo que acontece nas Eleições 2024.

OFERTA
VEJA E VOTE

Digital Veja e Vote
Digital Veja e Vote

Acesso ilimitado aos sites, apps, edições digitais e acervos de todas as marcas Abril

1 Mês por 4,00

Impressa + Digital
Impressa + Digital

Receba 4 Revistas no mês e tenha toda semana uma nova edição na sua casa (equivalente a 12,50 por revista)

a partir de 49,90/mês

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$118,80, equivalente a 9,90/mês.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.