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Empreiteiro de escândalo de corrupção agora quer indenização bilionária

Entre subornos e superfaturamentos, o empresário teria provocado um prejuízo aos cofres públicos calculado em R$ 350 milhões. Processos foram arquivados

Por Laryssa Borges Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 12h25 - Publicado em 19 mar 2022, 08h00

Em 2007, Lula cumpria seu segundo mandato como presidente da República, o presidente do Congresso era o senador Renan Calheiros e as grandes empreiteiras já faziam há tempo o que a Lava-Jato descobriria alguns anos depois. Naquele ano, uma operação da Polícia Federal provocou um terremoto político. Numa única tacada, a Justiça decretou a prisão de 47 pessoas. Na lista de investigados estavam governadores, ex-­governadores, deputados, prefeitos, um ministro e funcionários públicos de alto escalão. O pivô do escândalo, o engenheiro Zuleido Veras, era um desconhecido do grande público. Dono da construtora baiana Gautama, ele foi acusado de corrupção e fraudes em obras públicas. Entre subornos e superfaturamentos, teria provocado um prejuízo aos cofres públicos calculado em 350 milhões de reais. O empresário respondeu a quarenta processos. Recentemente, o último deles foi arquivado. Livre de condenações, ele agora quer ser ressarcido pelo que perdeu e pelo que alega ter deixado de ganhar.

Em uma reviravolta judicial, quase quinze anos depois da operação, uma sucessão de decisões do Supremo Tribunal Federal (STF), do Superior Tribunal de Justiça (STJ), de dois tribunais regionais e de pelo menos três juízes de primeira instância anulou todas as provas do caso e levou o empreiteiro a ingressar com uma ação pelo suposto erro judiciário. Em escala de valores, é o maior processo desse tipo na história. Só de dano moral, ele solicita uma indenização de 50 milhões de reais. Quando incluídos os prejuízos da empresa, as cifras podem ultrapassar os 10 bilhões de reais, segundo cálculo dos advogados. VEJA teve acesso às ações que correm na Justiça Federal em Brasília e em São Paulo. Há muitas similaridades com o desfecho da Operação Lava-Jato. Zuleido se diz vítima de perseguição de juízes, procuradores e delegados. Os casos também foram arquivados por erros processuais, sendo que o mais gritante deles é a existência de interceptações telefônicas sem o devido amparo legal.

O empreiteiro acusa a então ministra Eliana Calmon, responsável pelo caso, de utilizar a Operação Navalha como trampolim político. Após se aposentar no fim de 2013, quando ainda conduzia o processo no STJ, ela foi candidata ao Senado pela Bahia, estado-sede da empreiteira investigada, mas não se elegeu. Hoje na iniciativa privada, a ex-juíza reagiu com incredulidade ao ser informada sobre o conteúdo da ação que o empresário move contra o Estado brasileiro. “Nem o STF nem o STJ disseram que o fato não existiu e nem que o empreiteiro é inocente”, lembra. Para ela, a situação de Zuleido reflete uma questão que precisará ser enfrentada pela Justiça, já que vai incentivar outras empresas apanhadas cometendo ilegalidades a seguir o mesmo caminho: “As coisas ficaram muito fáceis para quem sofreu as consequências de uma Justiça mais austera. Não seria diferente na Navalha. As empresas investigadas da Lava-­Jato provavelmente vão fazer o mesmo. Hoje, a Justiça olha o crime de colarinho-branco como uma coisa menor”, disse a ex-ministra a VEJA.

Zuleido Veras, que chegou a ser condenado a 26 anos de prisão, voltou a circular com desenvoltura em Brasília e, no momento, articula pessoalmente a derrubada de decisões que impedem ele e suas empresas de celebrarem contratos com o governo. O empreiteiro, que mora em Salvador, não frequenta mais os hotéis luxuosos, onde no auge da prosperidade se reunia na surdina com políticos e empresários, e evita aparições públicas. Conta que não quer mais passar pelo constrangimento de ser xingado de corrupto e diz que está apenas “sobrevivendo”, enquanto aguarda discretamente a “reparação oficial” — a inédita e bilionária indenização que pode acabar espetada no bolso de todos os brasileiros.

“Roguei praga em Lula

TERREMOTO - O empreiteiro foi preso pela Polícia Federal em 2007 -
TERREMOTO - O empreiteiro foi preso pela Polícia Federal em 2007 – (Ailton de Freitas/Agência O Globo)
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Quinze anos depois da Operação Navalha, por que decidiu pedir indenização à Justiça? Passei por muitas dificuldades. Minha vida foi destruída. Minhas empresas também. Ao final, a Justiça encerrou todos os processos. Sou inocente e quero reparação oficial. Não é simplesmente pelo dinheiro. É para repor a verdade.

O senhor foi acusado de subornar políticos e funcionários públicos, prática muito comum no universo das grandes empreiteiras. Nunca paguei propina. Receber pedido a gente sempre recebia. Eu me surpreendi com o petrolão.

Caso a Navalha não tivesse acontecido, a Gautama provavelmente estaria hoje envolvida na Lava-Jato, não? Eu poderia até cair, não sei. As grandes empreiteiras sempre se acharam intocáveis. Uns trinta dias antes de ser preso na Lava-­Jato, o Léo Pinheiro (sócio da OAS) me disse que duvidava que iria para a cadeia.

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O senhor tinha muitos contatos políticos importantes. Não os procurou? Quem quer falar com um leproso numa hora dessas? Considerava como amigos o senador Renan (Calheiros), o presidente (José) Sarney. Pensei em recorrer a eles, mas não tive coragem. Renan até se solidarizou, mas nenhum deles estendeu a mão para mim. Com os petistas, só me encontrava em eventos.

Por que o senhor reclama do PT? Uma operação como a Navalha não é executada sem a autorização do governo. Na época, o presidente era o Lula. O ministro da Justiça era o Tarso Genro. Não sei o que havia por trás, não sei quais eram exatamente os interesses que contrariei, mas tenho certeza de que houve uma articulação para atingir a mim, aos meus amigos e à minha empresa. Por quê? Prefiro não especular.

Acredita que o governo estava envolvido? Eu roguei praga em Lula. Na Dilma também. Fui preso no governo de Lula. E minha praga pegou: Lula terminou preso e Dilma perdeu o emprego.

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Tem candidato a presidente da República? Não vou fazer campanha para o Bolsonaro, mas, se for possível, quero fazer uma doação como pessoa física a ele. Se a terceira via se materializar, voto nela. O Doria seria um bom nome.

É tradição no Brasil empresas quebrarem e seus donos permanecerem ricos. Depois que fui preso, meus bens, minhas contas bancárias, tudo foi interditado pela Justiça. Não tinha um tostão. Precisei de ajuda de amigos para pagar as contas de casa. Hoje estou sobrevivendo.

Publicado em VEJA de 23 de março de 2022, edição nº 2781

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