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Em meio à guerra em Israel, fake news dominam arena política no Brasil

Oposição elege as redes sociais como espaço para o embate e a difusão de notícias falsas como arma para atacar o governo

Por Ricardo Chapola Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO , Marcela Mattos Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 09h55 - Publicado em 18 nov 2023, 08h00

O avião que repatriou os 22 brasileiros e dez familiares palestinos que fugiram dos horrores da Faixa de Gaza pousou na Base Aérea de Brasília no fim da noite de segunda-feira 13. Na cabeceira da pista, aguardando o desembarque, estavam perfilados Lula, a primeira-dama Janja, os ministros da Justiça, das Relações Exteriores, da Saúde, dos Direitos Humanos, da Secretaria de Comunicação Social, da Secretaria-Geral da Presidência, além dos três comandantes militares e assessores do segundo escalão do governo. O presidente cumprimentou um a um os passageiros, abraçou as crianças, ouviu agradecimentos sinceros, tirou fotografias e discursou perante o batalhão de jornalistas presentes: “Enquanto tiver a possibilidade de tirar uma pessoa da Gaza, vamos tirar. Mesmo que seja palestino de origem”. Foi a sétima missão de repatriação desde o início da guerra entre Israel e os terroristas do Hamas, mas a primeira que contou com um receptivo desse porte. Pouco ou quase nada disso foi totalmente espontâneo.

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CONTRAPROPAGANDA – Repatriados: chegada dos brasileiros de Gaza foi usada pelo governo para rebater as “notícias” de que Bolsonaro havia sido o responsável pela liberação (./.)

Nas últimas semanas, as redes sociais foram inundadas por versões sobre as dificuldades para repatriar os brasileiros que estavam em Gaza. A mais popular delas, difundida por apoiadores de Jair Bolsonaro, relatava que a autorização para que a comitiva cruzasse a fronteira com o Egito e deixasse a zona de guerra só teria sido concedida depois de uma intervenção do ex-presidente junto ao embaixador de Israel no Brasil. Replicando a “notícia”, o deputado Mario Frias (PL-SP) agradeceu ao ex-­mandatário e disparou contra o atual presidente: “Enquanto Lula passou todo esse tempo atacando Israel, Bolsonaro intercedeu pelos brasileiros. Aprende, Lula”. A deputada Carla Zambelli (PL-SP), também através de suas redes, não chegou a afirmar diretamente que Bolsonaro foi o responsável pela autorização, mas insinuou. Segundo ela, o assunto foi discutido com o embaixador na véspera da liberação. “Obrigado, Bolsonaro”, postou a parlamentar para os seus 2,3 milhões de seguidores.

O governo detectou o desgaste provocado pela informação — não confirmada nem desmentida pela Embaixada de Israel — e decidiu utilizar a solenidade na Base Aérea como contrapropaganda. Foi tudo planejado para não deixar dúvidas sobre o empenho do presidente em “salvar” seres humanos. Lula ainda aproveitou o evento para disparar críticas a Israel. “O Hamas cometeu um ato terrorista e fez o que fez. Israel também está cometendo vários atos de terrorismo ao não levar em conta que as crianças não estão em guerra, que as mulheres não estão em guerra. Eles não estão matando soldados, estão matando crianças”, disse o presidente. A simpatia pela causa palestina não é novidade, mas, ao subir o tom das críticas a Israel e montar o pomposo evento em Brasília, o governo apostou que mitigaria o efeito negativo das fake news, mesmo que, para isso, tenha sido necessário usar vítimas de uma tragédia humanitária.

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IRRESPONSABILIDADE - Eduardo Bolsonaro: “Não merecemos ter um ministro envolvido com o tráfico” (./.)
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O episódio revelou que a difusão de notícias falsas continua sendo a mais eficiente e poderosa arma da oposição para o embate político. Os partidos considerados de direita e de centro-direita ocupam 273 das 513 cadeiras da Câmara e 66 das 81 do Senado — uma força que, em tese, já seria suficiente para obrigar o governo a negociar a tramitação de um simples projeto de lei. No primeiro ano da nova legislatura, porém, não aconteceu o que muitos analistas previam. Emendas importantes, como a reforma tributária, foram aprovadas por larga maioria e as pautas conservadoras não avançaram. O Planalto distribuiu centenas de cargos e bilhões de reais em verbas que certamente amainaram o ímpeto de determinados grupos. Talvez isso explique uma oposição menos atuante e mais branda do que se imaginava.

O fato é que o confronto político tem deixado as arenas tradicionais e se concentrado nas redes sociais, território que os aliados de Jair Bolsonaro ainda são considerados imbatíveis. Para Rodrigo Prando, professor de ciências políticas da Universidade Mackenzie, não é difícil explicar o fenômeno. Os aliados do ex-presidente preferem levar a luta política para as redes sociais porque têm mais expertise nesse ambiente e defendem causas que encontram muito eco na sociedade. Essa pregação, misturada com informações distorcidas e, muitas vezes, mentirosas, forma opiniões, produz consensos e engajamentos. “Hoje existe uma oposição com mais dificuldade de fazer o embate político no lugar adequado, que seria o Congresso Nacional, porque parte dela está habituada à guerra nas redes sociais. Explorar temas relacionados a valores viraliza e mobiliza mais, porque engloba assuntos como ética, moral e religião — aspectos que vão além do bolsonarismo”, explica o professor, autor do livro Fake News na Política, lançado no ano passado. Nos últimos dias, surgiu mais um exemplo dos resultados alcançadas por essa estratégia.

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VERDADE - Ministério da Justiça: servidores da pasta, de fato, se reuniram com a “dama do tráfico” (@luhfariasoficial/Instagram)
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O alvo foi o ministro da Justiça, Flávio Dino, que desde o início do governo está na mira preferencial dos bolsonaristas, cujos ataques foram reforçados após ele passar a ser cotado para integrar uma cadeira de ministro do Supremo Tribunal Federal. Dessa vez, a onda de fake news da oposição teve início após um fato verdadeiro. O jornal O Estado de S. Paulo mostrou que a mulher de um líder do Comando Vermelho, uma das principais e mais perigosas facções criminosas do país, esteve duas vezes na pasta chefiada por Dino e participou de reuniões com dois secretários e dois diretores. Luciane Barbosa integrava uma comitiva formada por advogadas ligadas aos direitos humanos, e o encontro teve como objetivo discutir as condições das penitenciárias. Ela tem interesse direto no assunto: é casada com Clemilson Farias, conhecido como Tio Patinhas, que cumpre pena de 31 anos de prisão por tráfico de drogas, organização criminosa e lavagem de dinheiro, e também foi condenada pelos mesmos crimes, mas recorre em liberdade.

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MENTIRA - Post: vereador publicou que o ministro da Justiça também se reuniu com a “dama do tráfico” (./.)

A notícia é, de fato, preocupante e beira o escárnio o fato de o ministério que cuida da segurança pública do país ter aberto as portas para uma pessoa com essas credenciais sem, ao menos, se dar conta disso. Setores da oposição, no entanto, resolveram distorcer o episódio para desgastar ainda mais o ministro Flávio Dino. O vereador de São Paulo Fernando Holiday (PL) divulgou um vídeo em uma rede social dizendo que o ministro da Justiça também havia se encontrado com a “dama do tráfico”, apelido de Luciane. Na gravação, Dino aparece abraçado e sorridente à suposta esposa do líder do Comando Vermelho. Nessas condições, Holiday propagou que a situação do ministro era “absolutamente insustentável”. O ví­deo viralizou nas redes sociais, e, na mesma velocidade, veio a público que, na verdade, a personagem em questão não era Luciane. Holiday apagou a publicação, o que não evitou a repercussão. O estrago já estava feito.

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Filho de Jair Bolsonaro, o deputado Eduardo Bolsonaro, escreveu em uma rede social que “Não merecemos ter um ministro envolvido com o tráfico”. “Muito menos um supremável”, ressaltou. Flávio Dino prometeu processar os autores. Aliados também tentaram criar uma onda favorável a Dino nas redes sociais, fazendo uma série de publicações contra os ataques direcionados ao ministro. Até Lula entrou em campo para prestar solidariedade a um dos seus mais populares auxiliares. “Não há uma foto sequer, mas há vários dias insistem na disparatada mentira. (…) Essas ações (do Ministério da Justiça) despertam muitos adversários, que não se conformam com a perda de dinheiro e dos espaços para suas atuações criminosas. Daí nascem as fake news difundidas numa clara ação coordenada”, escreveu o presidente. Lula está certo. Ele só esqueceu de se manifestar sobre a parte verdadeira da história.

Publicado em VEJA de 17 de novembro de 2023, edição nº 2868

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