“Em estado grave”
Laudo psiquiátrico encomendado pela defesa de João de Deus informa que o médium está com depressão severa e que já pensou em se matar na cadeia
O médium João de Deus, de 77 anos, levava uma vida grandiosa antes de ser acusado de abusar sexualmente de centenas de mulheres. Ele atendia até 2 000 pessoas por dia na Casa Dom Inácio de Loyola, em Abadiânia, no interior de Goiás, e era requisitado por personalidades nacionais e internacionais, do ex-presidente Lula à ex-secretária de Estado Hillary Clinton. Sua fortuna beirava a casa de 100 milhões de reais, segundo estimativa do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), órgão do Ministério da Justiça. Já João Teixeira de Faria, como ele está registrado desde 16 de dezembro no Núcleo de Custódia do Complexo Prisional de Aparecida de Goiânia, vive um inferno pessoal. É o que revelam laudos encomendados pela defesa do médium a um psiquiatra e a um médico.
Os relatórios, aos quais VEJA teve acesso, registram que João de Deus enfrenta sérios problemas de saúde, como perda de memória recente, e passou a ter ideias suicidas — além de exibir uma aparência pessoal desleixada, com descuido da higiene. Elaborados no fim do mês passado, os laudos serão anexados ao processo a que o médium responde na Justiça e fazem parte da estratégia da defesa para garantir a libertação do médium ou, pelo menos, sua transferência para um hospital.
Depois de se encontrar com João de Deus em 22 de fevereiro, o psiquiatra Leo de Souza Machado escreveu em seu laudo que o paciente está instável emocionalmente e chora com frequência. Em seguida, fez a seguinte advertência: “Só não cometeu suicídio pois ainda tem sua filha pequena e não quer morrer sem voltar a vê-la, além de não querer ‘contrariar a Deus’”. De acordo com o psiquiatra, o médium tem pensamentos extremamente pessimistas e recorrentes sobre a morte. “Sua situação clínica e psicopatológica atual é equivalente à superveniência de doença mental, compatível com o quadro psiquiátrico de um transtorno depressivo grave.” Leo de Souza Machado também fez questão de registrar o descuido do médium com o asseio pessoal: “O paciente mostrou-se com higiene precária, cabelos desarrumados, barba grande e descuidada, halitose sugerindo ausência de escovação dentária regular, trajava uniforme da unidade onde está recolhido e este estava sujo e com manchas de urina”. Desde que foi preso, João de Deus perdeu 17 quilos e só dorme com a ajuda de medicamentos.
Segundo o laudo, o médium, que tem limitações de movimento na perna direita, ampara-se numa bengala e conta com a ajuda de outro detento para caminhar. “Suas funções cognitivas também estão comprometidas em memórias recentes, atenção e linguagem, que, apesar de espontânea, tem um conteúdo vago e muitas vezes empobrecido com respostas inespecíficas.” No mesmo dia 22 de fevereiro, João de Deus passou por uma perícia feita pelo médico Alberto de Almeida Las Casas Junior. O laudo, como o do psiquiatra, reforça a tese de que o preso definha atrás das grades e corre risco de morrer. Um dos problemas apontados são dores no peito associadas com falta de ar. “(João) estava caminhando durante o banho de sol, apresentou dor retroesternal intensa seguida por perda de consciência, com pequena queda, sem se machucar, pois foi amparado por outro detento que estava próximo.” Em 2 de fevereiro, João de Deus teve infecção urinária. No dia 21 de fevereiro, apresentou uma grave crise de diarreia.
O laudo médico descreve onze medicamentos que o paciente tem utilizado no presídio. Entre eles, há remédios para pressão alta, dor no peito, controle do aumento da próstata e redução dos níveis de colesterol e dos riscos de acidente vascular cerebral e ataque cardíaco. “O não controle rigoroso da pressão arterial, do colesterol e das emoções aumenta muito o risco de apresentar infarto ou ruptura da aorta abdominal, que já está dissecada, com iminente risco de óbito”, afirma o médico no laudo. Com base no relato, ele sugere, tal como quer a defesa, a internação hospitalar de João de Deus para reduzir seus riscos.
Acusado de abusar sexualmente de mais de 500 mulheres, inclusive a própria filha, João de Deus foi preso preventivamente há pouco mais de oitenta dias, por decisão do juiz Fernando Augusto de Rezende, da comarca de Abadiânia, a cidade do interior de Goiás que vivia em função da atividade do médium. Desde então, a defesa tenta a sua soltura nos tribunais superiores, até agora sem sucesso. No Supremo Tribunal Federal (STF), dois ministros — Gilmar Mendes e Luiz Fux — declararam-se impedidos de julgar um pedido de liminar da defesa de João Deus. Eles alegaram razões de foro íntimo. Já o ministro Ricardo Lewandowski negou a concessão da liminar, mas pediu informações adicionais antes de tomar uma nova decisão.
Publicado em VEJA de 13 de março de 2019, edição nº 2625
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