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Distorção legal: quando uma ação popular defende interesses privados

Gravações obtidas por VEJA mostram indícios fortes de desvio de finalidade dessa ferramenta

Por Redação Atualizado em 2 abr 2025, 18h09 - Publicado em 1 abr 2025, 12h00

A Constituição de 1988 deu poderes a qualquer cidadão para agir como um fiscal na defesa da moralidade administrativa, do meio-ambiente e do patrimônio histórico e cultural. Isso se tornou possível graças a uma ferramenta chamada Ação Popular. Por meio dela, o autor ganha inclusive o benefício de ficar isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência (quando é preciso pagar custas do processo em caso de derrota), exceto quando se comprova má-fé na proposição da ação.

A reportagem de VEJA obteve indícios de que um importante processo do tipo em discussão nos tribunais da cidade de São Paulo contém fortes indícios de desvio da finalidade desse recurso. Iniciada em julho de 2017, a Ação Popular em questão é movida pelo jornalista Evandro Spinelli. Ele apontou uma série de supostas irregularidades em um projeto de um condomínio de luxo a ser erguido em uma das áreas mais valorizadas da maior metrópole do país, o bairro da Cidade Jardim.

Um dos problemas apontados é que a aquisição do terreno, feita em 2011 pela Aveiro Incorporações S/A, que faz parte do grupo de negócios da JHSF, teria se dado por um valor abaixo do preço de mercado (16,1 milhões de reais), o que configuraria prejuízo ao poder público. Na época, a área pertencia a uma estatal paulista, a Empresa Metropolitana de Águas e Energia (Emae). A Ação Popular também levanta problemas técnicos na obtenção do alvará, diz que a incorporadora não realizou os devidos estudos de impacto na vizinhança e que as obras vão interferir em uma área de preservação ambiental permanente.

São questões bastante sérias, mas tudo indica que a motivação do autor da Ação Popular não é a defesa da sociedade, do meio-ambiente e dos cofres públicos. Em gravações obtidas por VEJA, Spinelli parece estar claramente a serviço dos interesses particulares de um dos membros da Sociedade Amigos da Cidade Jardim (SACJ). Em um desses áudios, o jornalista conta a um interlocutor que é ligado a uma pessoa da associação que identifica como “Rodrigo”. No quadro atual da diretoria da Sociedade Amigos da Cidade Jardim, consta apenas um “Rodrigo” – Rodrigo Lisboa Bonafé, que ocupa o cargo de 1º tesoureiro.

Segundo Spinelli, “Rodrigo” mora em uma residência que seria afetada pela construção do condomínio. “O prédio acaba com a vista dele, por isso ele é p…”, conta o jornalista. Como é possível comprovar por meio da análise de mapas, o novo empreendimento fará de fato “sombra” à casa de Rodrigo Lisboa Bonafé. Conforme conta Spinelli nas gravações, ele é o responsável por captar recursos junto à vizinhança de forma a bancar a batalha judicial contra a construção do empreendimento – além da Ação Popular, o MP-SP ingressou com uma Ação Civil Pública contestando a obra por motivos semelhantes.

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De acordo com os áudios, três advogados já teriam trabalhado na causa para a Sociedade Amigos da Cidade Jardim. Ao se referir ao atual profissional que está à frente da ação, Spinelli diz nessas gravações que agora há uma boa economia com esse tipo de despesa: “O outro advogado cobrava 700 000 por ano”, conta. O jornalista ainda confidencia na conversa com o interlocutor que a relação com Bonafé incluiu questões comerciais. “Ele já me indicou dois ou três clientes”, afirma.

A construção que se tornou alvo da Ação Popular de Spinelli terá quatro torres de prédios residenciais, cada uma delas com aproximadamente 130 metros de altura, e ocupará uma área de cerca de 20 000 metros quadros às margens do Rio Pinheiros, que vem sendo objeto desde 2019 de um grande projeto de despoluição iniciado pelo governo do estado na gestão de João Doria.

Os trabalhos do empreendimento, batizado de Reserva Cidade Jardim, chegaram a ser paralisados em 2018 por uma liminar, mas foram retomados três anos depois, quando a magistrada Gilsa Elena Rios, da 15ª Vara da Fazenda Pública, julgou improcedentes todas as denúncias da Ação Popular contra o condomínio. A decisão de primeira instância foi contestada na justiça em 2021. O autor da apelação é Evandro Spinelli, representado na época por Flávio Yarshell, mesmo advogado da Sociedade Amigos da Cidade Jardim.

Procurada pela reportagem de VEJA, a JHSF disse que não iria comentar o caso. Rodrigo Lisboa Bonafé, por sua vez, não retornou o pedido de entrevista. Caso se manifeste, a matéria será atualizada. O jornalista Evandro Spinelli enviou a seguinte nota para a redação: “Entrei com a ação por decisão minha, pois é um absurdo o que foi feito neste caso, uma ilegalidade flagrante. O Ministério Público também entrou no caso e atua ao meu lado. A FSB, no período em que trabalhei na agência, prestou serviços à Sociedade Amigos Cidade Jardim por um curto período. Eu mesmo nunca fui remunerado direta ou indiretamente pela SACJ ou por qualquer pessoa ligada a ela”.

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