Desdobramentos da CPI da Covid podem desgastar Bolsonaro em ano eleitoral
Com base na comissão, Aras abre dez apurações no STF, metade com potencial para causar danos ao presidente e manter em debate os seus erros na pandemia
Durante seis meses de 2021, a CPI da Pandemia promoveu muito barulho ao expor, em sessões transmitidas ao vivo, o amontoado de equívocos que marcou o enfrentamento à Covid-19 no Brasil. Mesmo acossado, no entanto, o presidente Jair Bolsonaro não se cansou de dizer que a investigação não levaria a lugar algum e que ele não tinha “culpa de absolutamente nada” na crise sanitária. “Que relatório é esse? O que eles fizeram ao longo de seis meses?”, disse em 9 de dezembro, em evento no Palácio do Planalto, ao questionar o resultado da apuração. Pode não ser bem assim. O documento produzido pelos senadores teve os seus primeiros desdobramentos no Judiciário, sinalizando que continuará a repercutir em 2022, em pleno ano eleitoral. Apesar de serem remotas as chances de denunciar o presidente, o procurador-geral da República, Augusto Aras, abriu dez apurações preliminares no Supremo Tribunal Federal, das quais sete envolvem diretamente Bolsonaro. Parte delas tem grande potencial para gerar novos desgastes políticos para o governo.
Para azar do presidente, quatro casos caíram nas mãos da ministra Rosa Weber. Considerada dura nas decisões contra a atuação federal na pandemia, a magistrada, que vai suceder a Luiz Fux na presidência da Corte a partir de setembro, não faz declarações públicas, mas dá seus recados nos autos, como ao afirmar que a existência de um grupo paralelo para aconselhar o governo na crise “constitui fato gravíssimo”. Em julho, ela já havia autorizado inquérito para apurar se Bolsonaro cometeu prevaricação por não tomar providências ao ser alertado das irregularidades na compra da vacina Covaxin. Agora, caberá a ela analisar se há elementos para abrir inquéritos sobre o presidente por uso irregular de verba pública, devido aos gastos com cloroquina, mesmo sabendo da sua ineficácia, além de outros crimes (veja o quadro).
Outro potencial foco de dor de cabeça envolve uma velha prática atribuída à família Bolsonaro: a propagação de fake news. A parte do relatório que trata da disseminação de informações falsas para estimular a população a evitar medidas de prevenção foi entregue, por sorteio, a Luís Roberto Barroso, que é duro nesse tipo de tema. As suspeitas envolvem o presidente, os filhos Flávio, Carlos e Eduardo, uma dezena de autoridades e ativistas do bolsonarismo, como o empresário Luciano Hang e o blogueiro Allan dos Santos. Outro caso que pode trazer complicações é o que imputa a Bolsonaro a falsificação de documento, por ter usado um relatório não oficial feito por um servidor do Tribunal de Contas da União para questionar o número de mortes pela Covid-19. A apuração está com Cármen Lúcia, também crítica em relação à gestão . “Acho muito difícil superar a pandemia com esse desgoverno”, disse, por exemplo, em junho de 2020.
Outras acusações tendem mesmo a não dar em nada, como a de charlatanismo. No Ministério Público, prevalece o entendimento de que esse tipo penal se aplica a cidadãos que fingem ser médicos ou dentistas para receitar alguma cura milagrosa e não se amolda ao caso do presidente. Da mesma forma, os crimes de infração de medida sanitária (por não usar máscara) e de causar epidemia, que foram distribuídos a Dias Toffoli, já foram analisados em outras ocasiões e arquivados tanto pela PGR quanto pelo STF.
O fato é que, ao contrário do que deseja o presidente, a CPI não deixará de incomodá-lo tão cedo. Além das apurações de Aras, o MPF no Distrito Federal decidiu distribuir entre seus membros as imputações criminais feitas contra pessoas sem foro (como o ex-ministro Eduardo Pazuello) e as acusações de improbidade administrativa que envolvem autoridades como o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga. O andamento dessas investigações ajudará a manter o assunto no noticiário e no debate eleitoral e a reavivar os erros cometidos pelo governo no combate à pandemia. Que, como se sabe, não foram poucos.
Publicado em VEJA de 12 de janeiro de 2022, edição nº 2771