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Desalojados sofrem com restrições e preconceito em hotéis de BH

Pelo menos 275 pessoas estão em hotéis e pousadas, segundo dados da Defesa Civil

Por Andrea Castelo Branco
1 fev 2019, 22h53

Enquanto a contagem de mortos, desaparecidos e resgatados são atualizados desde o primeiro dia do rompimento da barragem em Brumadinho um número permaneceu desconhecido: os desalojados. A informação de quantas e onde estavam essas pessoas era guardada a sete chaves e os atingidos pelo rompimento da barragem eram desaconselhados a conversar com jornalistas . Até quinta-feira 31 eram 275 pessoas que estavam hotéis e pousadas, segundo informação repassada pela Defesa Civil, e 11 desalojados preferiram ficar na casa de parentes. Essa contagem se baseava em um número de assinaturas de responsáveis por famílias que procuraram a Estação do Conhecimento, da Vale, e de lá foram levados com os familiares para pousadas e hotéis contratados pela empresa.

Diferentemente das famílias de funcionários da Vale desaparecidos, que recebem constante atendimento psicológico, moradores de sítios e pequenas casas dos distritos do Córrego do Feijão, Pires e Parque da Cachoeira são levados para quartos de outras cidades sem esclarecimento, perspectiva e com raras visitas. Conduzidos por funcionários da empresa, que se apresentavam como voluntários, idosos, crianças e mulheres, principalmente, foram levadas para bairros ou cidades muitas vezes completamente desconhecidos. Lá ficaram sem receber a assistência necessária e, pior, se veem sujeitos até mesmo a restrições alimentares e tratamentos de menor qualidade do que de quem se hospeda a lazer.

A reportagem de Veja Online visitou pousadas e hotéis de Brumadinho, Betim, Contagem e Belo Horizonte. Encontrou famílias que viram sua vida transformada e hoje passam o dia entre o quarto e a hall do hotel. A balconista Camila Barbosa, 30, foi levada para o Hotel Go Inn, em Belo Horizonte, no domingo com três filhos. Está tão desesperada que pensa em voltar para Brumadinho por conta própria.

“A gente está acostumada a viver solto e não preso num quarto de hotel. Por mim, eu ia embora hoje. Dá vontade de pegar uma carona e voltar, porque dinheiro eu não tenho nenhum. Vim só com a roupa do corpo”, conta. Sua maior preocupação é com os filhos , ainda traumatizados pela tragédia. “Meu filho mais velho fica só dentro do quarto e o mais novo não tem conseguido dormir direito. Essa noite ele chorou muito e está assustando com qualquer coisa. Isso aqui não é vida”, lamenta.

Patrick Cesar Barbosa, 14, diz que sente falta “de tudo”. “Ficar longe de casa é muito ruim. Sinto falta dos animais, do pasto, do rio que a gente nadava. Os peixes morreram todos, vi peixe pulando na margem pra tentar sobreviver”, relembra o garoto com o olhar triste e o pensamento longe. “Perdi primos, minha tia perdeu a casa inteira, é muita coisa ruim”. Sandra das Chagas Silva Gondim, 25, estava sentada do lado de fora do mesmo hotel com a mãe, Joana D’ark das Chagas, 60, e as crianças da família para “passar o tempo”. Ela sonha com a promessa que foi feita à família. “Eles disseram que é só até sexta-feira. Se tiver que passar um dois meses aqui vai ser difícil demais. Ou não vou dar conta”, diz.

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Hospedada na Pousada Dona Carmita, em Brumadinho, Maria Aparecida dos Santos, 44, teve a casa onde morava há 13 anos arrastada pela lama. Ela morava numa fazenda vizinha à Pousada Nova Estancia, soterrada pelo rejeito. Quando a barragem estourou, ela só teve tempo de pegar a filha e correr morro acima. Claramente deprimida, Maria Aparecida viu a lama arrastando casas, ônibus e muitas pessoas. “Pode ser um luxo maravilhoso igual aqui, o pessoal da pousada que me trata com muito carinho, mas quero a minha vida de volta”, conta entre lágrimas. Passados cinco dias do desastre, Maria Aparecida não tinha recebido nenhum atendimento psicológico e tentava aplacar a angústia que viveu tomando chás caseiros.

Restrições e preconceito

Camila Barbosa e Sandra das Chagas se queixam dos limites impostos pela Vale para o consumo no hotel. Ela conta que uma das crianças pediu uma pizza, que estava do cardápio do hotel. Um funcionário avisou que não era permitido aos desabrigados e que essa era uma orientação da empresa. “Eu sou pobre, mas trabalho e tenho condições de pagar uma pizza para o meu filho. Hoje não, porque eu não tenho um tostão. Mas na minha casa não falta comida. Disseram que a gente também não pode usar o cardápio que está no quarto. Eu não preciso de passar essa humilhação, eu não pedi pra vir pra cá, eles arrancaram a gente de lá”, critica.

Aparecida das Chagas, mãe de Guilherme, 5, e grávida de cinco meses não se conforma com as restrições. “A Vale não tinha que cortar nada. Tinha que cortar é o perigo de matar tanta gente. Quando chegamos podia comer de tudo. Ontem começaram a cortar, as crianças não podem mais pegar salgadinho, picolé ou hambúrguer. Mas menino vê as coisas e fica com vontade”, explica. Ao perceber a presença da imprensa no local, a gerência do hotel voltou atrás e liberou o consumo sem restrições aos desalojados.

A relação com os outros hóspedes também tem sido difícil. Além dos olhares de espanto, um deles se recusou a subir no mesmo elevador que ela e os filhos. “Sabe aquele olhar de nojo? É isso. Estamos sendo discriminados pelos outros hóspedes”, diz. Na manhã de hoje o incômodo foi tanto que todos os desabrigados saíram do salão de café da manhã e só voltaram quando já não havia mais ninguém no local. “Eles olham até o que a gente está colocando no prato”.

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