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Cristo Redentor: os bastidores da batalha de milhões entre a Arquidiocese carioca e a União

A briga gira em torno das cifras do cartão-postal mais visitado do país

Por Ludmilla de Lima Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 29 Maio 2025, 19h07 - Publicado em 29 Maio 2025, 19h04

Inaugurado em 1931 sob a moldura de um Rio de Janeiro que despontava como vitrine da modernidade tropical, o Cristo Redentor não demorou a se tornar um símbolo nacional. Os números superlativos da estátua que reina sobre o Corcovado ajudam a explicar sua fama, que extrapola fronteiras: são 38 metros de concreto armado e pedra-sabão, o que faz dela o maior monumento em estilo art déco no mundo. Pois o cartão-postal mais visitado do país é também palco de uma batalha que vem se arrastando ao longo das décadas e põe em lados opostos do ringue a Arquidiocese carioca e o governo federal, representado aí pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade, o ICMBio. Hoje, as duas instituições duelam por uma bolada potencialmente milionária, que vem da área no entorno da tão clicada escultura, explorada comercialmente. Nestes últimos tempos, a histórica contenda ganhou novos capítulos e envolve inclusive figurões da arena política.

O pano de fundo da renhida disputa é justamente a substancial verba já arrecadada e o que ainda pode vir da atração turística, que no ano passado recebeu 4,6 milhões de pessoas dispostas a desembolsar cerca de 120 reais pelo ingresso. O Cristo propriamente é de responsabilidade da Igreja, enquanto a vastidão em volta, em pleno Parque Nacional da Tijuca, está nas mãos do ICMBio. De parte a parte, há queixas em relação ao rateio dos recursos que afluem das catracas — a maior fatia, 137 milhões de reais, é canalizada para as concessionárias encarregadas do transporte de visitantes por trem e van. O quinhão que coube à União, 40 milhões no ano passado, é quantia essencial para irrigar os cofres do Sistema Nacional de Unidades de Conservação, que mantém 75 parques nacionais. “Os visitantes ajudam a preservar o litoral, a Amazônia, entre outros. Está aí a vantagem de um órgão federal fazer a gestão de um lugar como esse”, defende Mauro Pires, presidente do ICMBio. Uma parcela menor fica com a Arquidiocese, que em 2024 embolsou 11,4 milhões egressos da bilheteria.

Mas a briga para valer é pela administração de um naco do parque que se estende por 6 700 metros quadrados, o equivalente a mísero 0,02% da reserva ambiental. Parece detalhe, mas é justamente onde ficam as instalações que dão acesso ao Cristo, uma trilha com lojinhas e lanchonetes. Ali, a Igreja já fatura alto com eventos fora dos horários de funcionamento, celebrações na capela alojada no interior da estátua e projeções de imagens que colorem o Cristo em campanhas publicitárias. O que a Arquidiocese quer é reaver 100% do controle da área, como era na prática até 1961, o ano em que o parque foi instituído. Muitos benefícios lhes foram sendo subtraídos a partir daí. Em 2021, após um processo judicial movido pelo ICMBio, um restaurante e outros pontos comerciais concedidos por décadas pelos religiosos tiveram que ser desocupados. “Até para ações rotineiras de manutenção é exigida autorização prévia da administração, situação que pode colidir com o caráter sagrado e a liberdade de culto inerentes ao local”, diz a Cúria em nota a VEJA.

PRIVADO - Festa de Michel Teló lá em cima, em 2024: autorização incômoda
PRIVADO - Festa de Michel Teló lá em cima, em 2024: autorização incômoda (@tatafersoza/Instagram)

Os desentendimentos, que se desenrolam nos bastidores, vêm escalando em temperatura. O ICMBio considerou uma afronta, por exemplo, o pedido de fechamento do parque em pleno horário de visitação para que o cantor sertanejo Michel Teló pudesse renovar os votos com a esposa. A solicitação, em outubro passado, chegou por meio das concessionárias de transporte, mas funcionários do instituto se irritaram com a anuência da Igreja no episódio. O corpo técnico do órgão alega ainda que um dos pontos comerciais nas imediações da estátua foi “invadido” para a instalação de uma segunda capela. Também o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) vive às turras com os clérigos. Em maio, enviou-lhes uma notificação depois que um turista chileno machucou o pé em um pedestal deixado no caminho pela Igreja e uma outra exigindo a retirada de um andaime erguido ao lado do monumento tombado, já que atrapalhava a visão dos visitantes. O trambolho, após meses no local, acabou removido.

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A Igreja, por sua vez, se queixa de “problemas crônicos” que se avolumam em pedaço tão belo da cidade, como elevadores frequentemente fora de serviço, escadas rolantes não raro inoperantes e banheiros interditados por inacreditáveis três anos. Outro ressentimento da Cúria é com o fato de não haver sinal de telefonia ou internet no alto do morro, o que freia a dinâmica de clicar e imediatamente postar — um obstáculo à maior visibilidade do monumento sob sua guarda. No santuário, comandado pelo padre Omar Raposo, a Arquidiocese reclama ainda do que vê como claro contraste entre a estátua “impecavelmente conservada” e a maltratada infraestrutura pública em volta. “Essa disparidade reforça a urgência de um novo arranjo institucional”, afirmou a Igreja por meio de nota, ressaltando que não pretende rever concessões nem mudar as regras estabelecidas para a bilheteria.

Os disparos nesta disputa sem fim subiram um degrau com a morte do gaúcho Jorge Alex Duarte, em março. Ele teve um ataque cardíaco nas escadarias e demorou a ser socorrido porque o posto médico estava fechado. O ICMBio afirma que a responsabilidade por manter o local aberto era da concessionária Trem do Corcovado. Esta, por sua vez, disse que operadores do bondinho chegaram a atender o homem. O incidente logo ganhou contornos políticos. Um projeto de lei de autoria de Flávio Bolsonaro, Romário e Carlos Portinho, todos do PL do Rio, retornou à pauta, favorecendo a Arquidiocese, que nega qualquer articulação em Brasília. Sob a alegação de “má gestão”, o texto retira o Alto do Corcovado da administração da União — um acerto ainda dos tempos do império, quando dom Pedro II decidiu reflorestar os morros da Tijuca. “Seria a privatização do parque”, critica o deputado estadual Carlos Minc (PSB), ex-ministro do Meio Ambiente. Em uma tentativa de pôr água na fervura, a atual ocupante da pasta, Marina Silva, anunciou investimentos de 75 milhões de reais para dar um verniz às instalações e garantiu, em recente encontro com o padre Omar, “melhorar o diálogo”. Que a santa paz possa reinar em tão esplendoroso cartão-postal.

Publicado em VEJA de 30 de maio de 2025, edição nº 2946

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