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Crise financeira em Minas ameaça ascensão política de Zema

O empresário chegou ao governo prometendo choque de gestão, mas perdeu oportunidade de equacionar uma gigantesca dívida

Por Valmar Hupsel Filho 21 jul 2024, 08h00

Impulsionado pela onda direitista que elegeu um grande contingente de outsiders em 2018, o empresário Romeu Zema (Novo) chegou ao governo de Minas Gerais, o segundo maior colégio eleitoral do país, logo na primeira tentativa de ocupar um cargo público. A vitória foi alavancada pela promessa de utilizar a sua experiência na iniciativa privada para promover a redução do Estado e dar um choque de gestão nas contas públicas. Desbancou na eleição o governador que estava no cargo, Fernando Pimentel (PT), e seu antecessor, Antonio Anastasia (PSDB), chamuscados pela situação fiscal, cujo caos resultava em constantes atrasos no pagamento de salários aos servidores, de repasses aos municípios e de compromissos com fornecedores. Seis anos e uma reeleição depois, Zema, no entanto, se encontra em situação oposta à que prometeu: está enredado em uma gigantesca crise financeira, que, nas suas próprias palavras, pode levar a um “colapso” no caixa do governo.

A encrenca com as finanças de Minas tem uma longa trajetória e muitos culpados. A dívida com a União, o principal nó a estrangular as contas estaduais, era de 14 bilhões de reais em 1998, ao fim do mandato de Eduardo Azeredo (PSDB), e chegou a 165 bilhões sob Zema — mais do que a receita anual do estado (115 bilhões de reais). A bola de neve passou por governos de centro, de esquerda e de direita sem que a questão fosse resolvida, mas isso não ameniza o fiasco do atual governador, que se elegeu com a promessa de equacionar a questão, mas viu o débito aumentar na sua gestão (veja o quadro).

PRESSÃO - Servidores na Assembleia: proposta polêmica está travada desde 2019
PRESSÃO - Servidores na Assembleia: proposta polêmica está travada desde 2019 (Luiz Santana/ALMG//)

Pressionado, Zema investe em várias saídas para a crise, mas só encontra dificuldades e acumula desgaste político. Desde 2019, quando assumiu o cargo, ele tenta aprovar uma proposta de adesão ao Regime de Recuperação Fiscal (RRF), programa da União que ajuda a equalizar os débitos em troca de rigorosas contrapartidas, mas a proposta travou na Assembleia Legislativa. Parlamentares dizem que o texto é lesivo aos servidores. Durante a tramitação, Zema enfrentou vários protestos do funcionalismo e a recusa de deputados em dar quórum para votar a medida. No ano passado, o estado aderiu ao RRF pela via judicial, com a autorização do Supremo Tribunal Federal, o que resultou na suspensão temporária da cobrança das parcelas. O retorno do pagamento estava acordado para dezembro de 2023, mas foi adiado ao menos três vezes — a última, para agosto, pelo ministro Edson Fachin, na terça 16.

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A dívida, enquanto isso, deixou de ser um tema técnico e passou a ter um componente político-eleitoral. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), que é de Minas e se movimenta para uma eventual candidatura ao governo em 2026, tomou as rédeas da negociação com a União. Após reuniões com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e com o presidente, Luiz Inácio Lula da Silva, apresentou uma proposta alternativa, por meio de projeto de lei que cria o Programa de Pleno Pagamento de Dívidas dos Estados (Propag). O plano prevê novas condições de renegociação de entes federativos em débito com a União, entre elas a mudança de indexador, para possibilitar a redução dos juros. Mas a saída tem ideias muito controversas, como a possibilidade de os estados transferirem suas estatais à União para amortização do débito. No caso de Minas, Zema, que fez campanha pregando a privatização — mas ainda não privatizou nada —, concorda em repassar empresas como Cemig (energia) e Copasa (saneamento). O Propag é a principal aposta dos políticos mineiros, inclusive do governador, mas o problema está no tempo. Pacheco quer votar o projeto até a primeira semana de agosto. Para entrar em vigor, o texto teria de passar ainda pela Câmara e ser sancionado por Lula.

Como não pode ficar parado, Zema investiu nos últimos dias na tentativa de aprovar a adesão ao RRF na Assembleia. Na segunda 15, conseguiu um aval em primeira votação, mas o escrutínio final ficou para agosto. A insistência em avançar o projeto foi criticada até pelo vice-governador, Mateus Simões (Novo), que acha uma “esquizofrenia política” tentar aprovar a matéria enquanto o Congresso discute regras mais brandas. A estratégia de Zema, no entanto, é garantir uma espécie de seguro para o caso de o prazo estipulado pelo STF vencer antes da aprovação do Propag. Se isso acontecer, o governo terá de pagar 8,2 bilhões de reais neste ano e 22 bilhões em 2025. Em caso de aval à adesão ao RRF pela Assembleia, a obrigação seria de 1,37 bilhão de reais em 2024 e 5,16 bilhões no ano que vem. Os governistas afirmam que a aprovação não interfere na entrada do estado no Propag. “Se não houver uma mudança na forma de correção dessa dívida, ela não irá parar de crescer, levando ao colapso das contas públicas e inviabilizando a prestação de serviços públicos, incluindo áreas essenciais como saúde, segurança e educação”, declarou Zema a VEJA.

OLHAR NO FUTURO - Pacheco: presidente do Senado tenta viabilizar proposta alternativa de olho em 2026
OLHAR NO FUTURO - Pacheco: presidente do Senado tenta viabilizar proposta alternativa de olho em 2026 (Jefferson Rudy/Ag. Senado)

A derrota política do governador nessa questão é considerada ainda maior porque ele encontrou uma situação mais favorável que seus antecessores. Zema assumiu o governo sob a vigência de uma liminar concedida pelo STF no final do governo Pimentel, que garantiu a suspensão da cobrança da dívida desde 2019. Além de não pagar o que devia — coisa que seus antecessores não puderam fazer —, o estado, sob sua gestão, recebeu cerca de 37 bilhões de reais da mineradora Vale por indenização pelo desastre de Brumadinho. O governo usou esse dinheiro para fazer investimentos em obras e programas que lhe garantiriam a reeleição, deixando a dívida rolar. A única boa notícia nessa seara é que existe ainda a expectativa de entrada de outros 60 bilhões de reais por compensação, pela mesma Vale, pelo rompimento da barragem de Mariana, em 2015.

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FOGO AMIGO - Simões: vice classificou iniciativa de Zema de “esquizofrenia política”
FOGO AMIGO - Simões: vice classificou iniciativa de Zema de “esquizofrenia política” (Luiz Santana/ALMG//)

O aumento da frustração com o desempenho de Zema como gestor é diretamente proporcional ao seu definhamento como estrela política. Após a reeleição em primeiro turno, ele foi tratado como alternativa a presidente para 2026 e potencial herdeiro dos votos de direita que hoje estão com o inelegível Jair Bolsonaro. Em junho, ele próprio parecia ter jogado a toalha e já admitia só compor uma futura chapa. “Não ligo de ser vice, quero mesmo é participar”, afirmou. Pesquisa Datafolha feita em julho em Belo Horizonte, onde Zema venceu em 2022 com 47% dos votos, mostra um eleitorado pouco empolgado com seu trabalho: 35% consideram que ele é ótimo ou bom, enquanto 30% dizem que é ruim ou péssimo e 32% o classificam como regular. “Zema é o pré-candidato do Novo à Presidência em 2026. Não só pelo que está fazendo, mesmo diante de todas as dificuldades que enfrenta, mas pelo que Minas representa em termos eleitorais para o Brasil”, mantém o presidente do Novo, Eduardo Ribeiro. Não será fácil. Embora outros governadores enfrentem o problema da dívida, Zema é o que mais apanha politicamente. Para o cientista político Carlos Ranulfo, da UFMG, isso ocorre porque o governador, embora há seis anos no cargo, não formou um grupo político no estado e continua agindo como um outsider. “Ele não terá influência alguma na eleição municipal, e a tendência é de enfraquecimento no ano que vem, o que o coloca sob risco de não eleger o seu sucessor”, diz.

NA MIRA - Cemig: estatal pode ser entregue à União para amortização de dívida
NA MIRA - Cemig: estatal pode ser entregue à União para amortização de dívida (//Reprodução)

Historicamente, Minas é um estado influente no jogo de poder nacional. A origem no período republicano deu-se com a “política do café com leite”, no início do século XX, quando revezou-se com São Paulo na chefia do país — na época, quatro mineiros foram presidentes. Depois, Juscelino Kubitschek e Tancredo Neves chegaram lá, mas o segundo morreu antes de assumir. Itamar Franco, que herdou o Planalto após o impeachment de Fernando Collor, foi o último presidente nascido no estado, tendo terminado a carreira política como governador. Nos últimos anos, o mais comum tem sido a derrocada política dos gestores estaduais. Fernando Pimentel, Aécio Neves e Eduardo Azeredo foram seriamente alvejados por investigações — Azeredo chegou a ser preso. Zema não carrega nenhuma acusação séria, mas o seu capital político é chamuscado por algo que tem condenação certa na atividade privada, de onde ele veio: vender e não entregar.

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Publicado em VEJA de 19 de julho de 2024, edição nº 2902

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