Como o Smart Sampa tirou quase 2.200 criminosos das ruas em seis meses
Programa aposta em monitoramento por câmeras, reconhecimento facial e uso de bancos de dados da polícia

Um homem de 73 anos pedala tranquilamente por uma rua da região da 25 de Março, no centro de São Paulo, quando de repente é abordado por uma equipe da Guarda Civil Metropolitana e encaminhado a uma delegacia. Algo parecido acontece com outro suspeito, de 30 anos, que passa por terminal de ônibus da Zona Leste e com uma mulher de 52 anos que busca atendimento em uma Unidade Básica de Saúde — ambos acabam sendo algemados e levados a uma unidade policial. Os casos são resultados da nova tentativa do poder público de combater o crime: o uso de câmeras equipadas com tecnologia de reconhecimento facial e o cruzamento das imagens com bancos de dados da polícia. Nesses exemplos, os detidos eram procurados pelos crimes de estupro, tráfico de drogas e estelionato, respectivamente.
As prisões se deram graças ao programa Smart Sampa, da prefeitura de São Paulo, a mais ampla e bem-sucedida iniciativa desse tipo no país. Apenas nos últimos seis meses, 456 foragidos da Justiça foram capturados e 1 712 criminosos presos em flagrante por delitos como furto, roubo e tráfico, além da localização de trinta pessoas desaparecidas (veja quadro). De acordo com a prefeitura, o programa, implementado em julho do ano passado, foi um dos fatores responsáveis pela redução de crimes entre 2023 e 2024. No período, houve queda de 17,3% nos furtos e de 27,7% nos roubos no centro da cidade, região com a maior concentração de câmeras equipadas com a tecnologia. Os resultados, é verdade, também são reflexo de outras iniciativas conjugadas, como o aumento do efetivo nas ruas, mas a prefeitura já comemora. “Entre as grandes cidades do mundo, nenhuma conseguiu reduzir os índices de criminalidade sem acoplar tecnologia ao processo”, diz o prefeito Ricardo Nunes (MDB). “Com as ações do Smart Sampa, com as intervenções da GCM e do governo do Estado, por meio das polícias, estamos tendo resultados muito positivos. O uso da tecnologia é um caminho sem volta”, afirma.
O esquema de monitoramento não tem comparação com o de nenhuma cidade brasileira. São 23 000 câmeras com a tecnologia de reconhecimento facial, sendo 20 000 equipamentos da prefeitura e o restante do setor privado, como condomínios e estabelecimentos, que compartilham as imagens com a gestão municipal. Na central de gerenciamento, painéis exibem as transmissões em tempo real e 24 horas por dia, sete dias por semana. No local, dividem-se em turnos profissionais da GCM e de órgãos municipais como a Defesa Civil. Quando uma pessoa foragida passa por uma das câmeras, é emitido um alerta e as viaturas são acionadas — a posição de cada veículo é georreferenciada.
Com base no bom desempenho inicial, a prefeitura já planeja a expansão do sistema. O primeiro passo é ampliar as bases de dados para, assim, aumentar a eficiência das operações. Em janeiro, foi assinado um convênio com o Ministério da Justiça, do governo federal, para que o município passe a acessar o Córtex, plataforma que reúne dados sobre veículos roubados e furtados. O Smart Sampa tem 4 000 câmeras já em funcionamento com a tecnologia de leitura de placas. A expectativa é que o programa cresça em fases — ampliação de bases de dados e integração com outras plataformas são duas delas. Uma outra, em estudo, é uma parceria com o governo estadual, comandado pelo aliado Tarcísio de Freitas (Republicanos), para monitorar criminosos com tornozeleira eletrônica e que não podem ficar na rua após as 22 horas. Outra parceria avaliada com o estado é no caso de mulheres vítimas de violência e com medida protetiva: caso o agressor se aproxime da casa de uma delas, um alerta seria emitido. “Hoje, o sistema tem 25% de utilização do seu potencial. São várias etapas. Apenas nas câmeras com reconhecimento facial, a expectativa é que cheguemos a 30 000 até o final do ano”, afirma o secretário de Segurança Urbana, Orlando Morando.

A questão da segurança pública, embora seja tradicionalmente uma atribuição dos estados, tem ganhado cada vez mais espaço na agenda dos municípios. A tendência foi amplamente notada na última eleição municipal, quando o tema foi unanimidade nas plataformas eleitorais, da direita à esquerda. E não é para menos. Pesquisas mostram que a segurança tem tirado o sono dos brasileiros: levantamento Genial/Quaest do final de 2024 apontou que a preocupação com a violência desbancou áreas tradicionais como saúde e educação e já é o assunto que mais inquieta a população em sete das dez capitais mais populosas do país, incluindo São Paulo.
O exemplo dado pela maior metrópole do país do uso intensivo de câmeras de monitoramento é o mais vistoso, mas outros municípios e estados também têm adotado, à sua maneira, programas que aliam a tecnologia ao combate à criminalidade. No Rio de Janeiro, o Civitas (Central de Inteligência, Vigilância e Tecnologia em Apoio à Segurança), implantado em junho de 2024, tem hoje 3 800 equipamentos com inteligência artificial e reconhecimento facial, número que o prefeito Eduardo Paes (PSD) pretende quintuplicar. Diferentemente de São Paulo, na capital fluminense não há a interação desse sistema com a Guarda Municipal — um dos objetivos no projeto de expansão é intensificar a interlocução com a força policial. Por enquanto, também não há o compartilhamento de imagens de sistemas privados. O Civitas já foi acionado quase 1 000 vezes para ajudar em investigações. Outro caso de sucesso, já considerado referência nos estados, é o do Espírito Santo: o programa Cerco Inteligente, lançado em 2022, interligou 1 650 câmeras de diversos órgãos públicos em 290 pontos do estado. Em setembro do ano passado, o sistema ganhou a tecnologia de reconhecimento facial por meio de um projeto-piloto. O estado, que era o segundo mais violento do país em 2011, agora ocupa a 18ª posição no ranking.

O investimento em tecnologia e inteligência pode ser um caminho promissor em um país que tem naufragado na tentativa de ser mais civilizado e efetivo no combate ao crime. Um dos caminhos adotados com facilidade é o da intensificação do uso da força policial na repressão. Embora algumas circunstâncias justifiquem os confrontos, sobretudo diante da expansão e da audácia do crime organizado, o fato é que as políticas de linha dura, por si só, não têm sido suficientes. Um dos efeitos colaterais óbvios é o crescimento da letalidade policial, que subiu em dez estados no ano passado, com São Paulo liderando a alta (48%), seguido por Minas Gerais (38%), segundo levantamento do Ministério da Justiça. Outro problema é que o número de homicídios intencionais, apesar de estar em queda, tem redução bastante lenta: no ano passado, foram 35 089 assassinatos no país, o que dá uma taxa de 16,51 mortes a cada 100 000 habitantes — comparável à de países como Iraque, Costa Rica e Guatemala e bem longe da ostentada por nações como Alemanha (0,3), Reino Unido (1,2) e Estados Unidos (5,3). Sem contar que a aposta no confronto não foi capaz de frear o brutal avanço das facções armadas do crime organizado pelo território nacional.
A combinação de uma força policial nas ruas orientada por informações fornecidas pelas novas tecnologias tem sido uma constante em grandes metrópoles mundiais, como é o caso de Nova York. A megalópole americana foi uma entre as quais a prefeitura de São Paulo usou como inspiração. Infelizmente, devido a erros pontuais e a um tipo de oposição ideológica, baseada no argumento dos limites de privacidade, algumas cidades recuaram nos investimentos. É o caso de São Francisco, na Califórnia, que proibiu o uso de câmeras de reconhecimento por forças policiais. O motivo foi uma série de erros recorrentes na identificação, sobretudo, de mulheres e negros. Em Sergipe, o governo suspendeu o uso do sistema no ano passado, após dois inocentes terem sido detidos quando a imagem apontou uma correspondência errada com os verdadeiros criminosos. Em São Paulo, antes do início do Smart Sampa, entidades foram à Justiça para barrar a compra das câmeras inteligentes, alegando que a tecnologia poderia prejudicar, principalmente, a população preta e parda. “A gente teve que brigar muito e sofreu muita ação judicial. Mas fomos demonstrando que as alegações eram inverídicas”, diz Ricardo Nunes. A prefeitura trabalha com um nível de precisão de 90% e afirma que ainda não houve “falso positivo”, ou seja, nenhum dos abordados era a pessoa errada.

Apesar de concordarem que o monitoramento pode trazer resultados positivos contra a criminalidade, especialistas apontam que ela deve ser aplicada com cuidados, sobretudo no que diz respeito à segurança dos dados. “O poder público precisa estar em concordância com a LGPD, a Lei Geral de Proteção de Dados”, diz o delegado André Pereira, presidente da Adpesp (Associação dos Delegados de Polícia de São Paulo). Para Daniel Edler, do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (NEV-USP), a preocupação também passa pela análise correta de onde o sistema tem tido êxito. “A tecnologia envolve ganhos para a segurança pública, principalmente no compartilhamento de informação entre as polícias, mas há que se ter o cuidado com a avaliação dos números e transparência com a destinação das imagens coletadas”, diz.
São preocupações pertinentes, mas que não eliminam o fato de que a ampliação do uso da inteligência é, sem dúvida, um passo à frente no combate à criminalidade. Ajustes certamente precisarão ser feitos, até porque a própria tecnologia avança a cada dia. Espelhar-se nas iniciativas bem-sucedidas parece ser um bom primeiro passo para qualificar esse debate e, como consequência, obter avanços significativos na luta contra o crime. A população, acuada, agradece.
Publicado em VEJA de 24 de janeiro de 2025, edição nº 2928