Black Friday: Revista em casa a partir de 8,90/semana
Continua após publicidade

Com Nikolas liderando comissão, embate ideológico na educação ganha força

Egresso do recanto mais pantanoso das redes sociais, deputado bolsonarista assumiu a presidência da Comissão de Educação, para indignação dos progressistas

Por Ricardo Ferraz Atualizado em 3 jun 2024, 17h01 - Publicado em 5 abr 2024, 06h00

Na polarizada arena em que esquerda e direita se digladiam em debates sangrentos, um dos temas mais inflamáveis é o rumo da combalida educação brasileira. Em vez de se debruçar sobre a precária qualidade do ensino, os dois extremos do espectro político se perdem em discussões acaloradas e infrutíferas em torno de assuntos como uso da linguagem neutra, suposta doutrinação em sala de aula e adoção de banheiro unissex nas escolas — à esquerda, algumas alas falam até em derrubar a Base Comum Curricular e a reforma do ensino médio, ambas vistas como conservadoras demais. O embate de fundo ideológico ganhou tintas mais carregadas depois que o deputado da direita radical Nikolas Ferreira (PL-MG), 27 anos, egresso do recanto mais pantanoso das redes sociais, assumiu a presidência da Comissão de Educação, para indignação dos progressistas, que há anos dão as cartas no órgão.

A nomeação, fruto de acordo entre governo e oposição em que o PT optou por abocanhar a polpuda Comissão de Saúde, arrepiou parte da Câmara, por ser Ferreira quem é — um arauto do bolsonarismo mais aguerrido — e pela visibilidade política que o cargo dá. Antes mesmo de ele assumir, o bloco incomodado se reuniu para definir uma estratégia de enfrentamento ao deputado que não se cansa de alardear que foi eleito com 1,5 milhão de votos e que soma 22 milhões de seguidores nas redes sociais. Optou-se pela tática de não dar trégua: representantes do PSOL, PCdoB, PDT e PT frequentam as sessões com o regimento a tiracolo para contestar cada passo. “Ele se esforça para dar um ar republicano à comissão, mas vamos denunciar todas as vezes que esse verniz demonstrar ser óleo de peroba”, promete Tarcísio Motta (PSOL-­RJ), levantador de recorrentes questões de ordem nos debates. “Tenho sido complacente até demais. Formaram um exército e estão vindo para cima. Eles não querem que a comissão ande”, rebate Ferreira, acirrando o tom belicoso.

Até o momento, não foi apreciado nenhum projeto de lei sobre os tópicos caros à direita e que contam com apoio pessoal do deputado, tais como home­schooling, punição de professores que se posicionem politicamente em sala de aula e proibição do uso de pronome neutro. Mas a turma conservadora já se empenha em derrubar medidas igualmente ideológicas dos adversários, que foram parar no documento final da Conferência Nacional de Educação, com destaque para o ensino de história que condena setores estratégicos da economia brasileira, como o agronegócio (nesse caso, um veto acertado). Com a caneta na mão e o poder de pautar o que der na veneta, Ferreira afirma que vai circunscrever as polêmicas a seminários e audiências públicas e priorizar o encaminhamento de questões mais sérias, como evasão escolar e déficits na alfabetização. Se seguir esse caminho, será um alívio. “Não acho, porém, que vou conseguir ter um debate profundo e honesto com a esquerda”, disse o deputado a VEJA.

PAUTA - Protesto contra o debate sobre identidade de gênero: extrema politização
PAUTA - Protesto contra o debate sobre identidade de gênero: extrema politização (Nelson Almeida/AFP)

Na prática, o tom sobe a cada nova sessão da comissão. Em uma das reuniões, os deputados passaram preciosos noventa minutos discutindo, entre gritos, vaias e bate-boca, uma moção de repúdio a um professor de Santa Catarina que teria classificado Jair Bolsonaro de fascista. A votação final era encarada como um balão de ensaio para medir a correlação de forças no comitê depois que o PL, em manobra nos bastidores, reforçou a ala direitista, pondo dois bolsonaristas em vagas do PP que estavam cedidas ao PSOL: Bia Kicis (PL-DF) e Alexandre Ramagem (PL-RJ). Apesar do artifício, o placar terminou em 20 a 13 contra a reprimenda ao docente — resultado comemorado pela esquerda com a efusão reservada a questões de alta relevância. “Ao que tudo indica, 2024 será um ano perdido”, lamenta Rafael Brito (MDB-AL), presidente da Frente Parlamentar da Educação.

Continua após a publicidade

A maior preocupação dos opositores é que a presidência da comissão sirva de trampolim para elevar a novos patamares o deputado jovem e novato. Filho de pastor evangélico, em permanente campanha de mobilização, discursando no púlpito de igrejas Brasil afora, Ferreira é visto como uma liderança com alto potencial para cargos executivos — um salto que tem apoio de Jair Bolsonaro, garantem aliados, que cogitam lançar seu nome ao governo de Minas em 2026. Ele nega e garante que planeja permanecer na Câmara. A ver — em uma amostra de seu poder de mobilização, que acendeu um sinal amarelo no Planalto, o deputado foi mais tietado do que o presidente Lula no lançamento da abertura de novos campi de universidades federais em Brasília. “Não fujo do conflito, mas aprendi cedo que tem momentos em que é preciso ceder. Quero ter uma atuação propositiva”, assegura Ferreira. Tomara que cumpra o que diz. A educação brasileira tem problemas demais para ser sequestrada por chicanas ideológicas.

Publicado em VEJA de 5 de abril de 2024, edição nº 2887

Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Semana Black Friday

A melhor notícia da Black Friday

BLACK
FRIDAY

MELHOR
OFERTA

Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

Apenas 5,99/mês*

ou
BLACK
FRIDAY
Impressa + Digital
Impressa + Digital

Receba 4 Revistas no mês e tenha toda semana uma nova edição na sua casa (a partir de R$ 8,90 por revista)

a partir de 35,60/mês

ou

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$71,88, equivalente a 5,99/mês.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.