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Cerco da PF e da Europol expõe rota do tráfico com PCC e máfias dos Bálcãs

Aliança entre facção brasileira e grupos da Europa para levar cocaína ao maior mercado consumidor movimentou 371 milhões de euros em 500 contas bancárias

Por Isabella Alonso Panho Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 21 jun 2024, 13h15 - Publicado em 21 jun 2024, 06h00

Maior mercado consumidor de cocaína do mundo, a Europa viu durante anos a ascensão de grupos marginais que viraram referência para o crime organizado em todo o planeta, como a siciliana Cosa Nostra, a mais antiga máfia da história, ou a Camorra, que impôs o terror a partir do porto de Nápoles, por onde chegava boa parte da droga. O poder dessas quadrilhas, construído por meio de corrupção e violência, inspirou sucessos literários como Gomorra (Roberto Saviano) e O Poderoso Chefão (Mario Puzo) — este serviu de base à trilogia homônima imortalizada por Francis Ford Coppola no cinema. Nos últimos anos, no entanto, o controle sobre o mercado foi se pulverizando, com o surgimento de falanges baseadas em países periféricos, mas que agem de forma coordenada para abastecer o Velho Continente — entre elas, está uma sigla bem conhecida dos brasileiros: PCC.

O alerta, que já está disparado há algum tempo, voltou a soar com força há pouco mais de uma semana. Uma megaoperação coordenada pela Europol, a polícia da União Europeia, com participação da PF brasileira, prendeu quarenta pessoas, no Brasil, na Croácia, Alemanha, Sérvia, Espanha e Turquia, acusadas de enviarem drogas à Europa — a PF e a Europol não detalham as prisões. Em solo brasileiro, foram apreendidos 12,5 milhões de euros e 3 milhões de dólares, soma equivalente a 90 milhões de reais. Além disso, 50 milhões de euros foram bloqueados na Sérvia. Uma investigação de março revelou que o esquema já movimentou 371 milhões de euros em cerca de 500 contas bancárias.

arte tráfico

O papel do PCC não é pequeno. O entorpecente vem dos países produtores (Colômbia, Peru e Bolívia), passa por Brasil e África e entra no continente europeu pelos portos dos Bálcãs (Bósnia e Herzegovina, Croácia, Romênia e Turquia), uma alternativa aos destinos clássicos — e ainda utilizados —, como Hamburgo (Alemanha), Antuérpia (Bélgica) e Roterdã (Holanda). Além de ser responsável pelo transporte terrestre da droga, a rede brasileira fornecia serviços de logística e facilitava a lavagem de dinheiro para outras quadrilhas. “As organizações estão sempre se reinventando”, afirma o secretário nacional de Segurança Pública, Mário Sarrubbo.

A cocaína ainda é a grande mercadoria do tráfico internacional. No começo do ano, o quilo da droga chegou a custar 84 000 dólares na França, mais de vinte vezes o preço do início da cadeia produtiva. Antes, as máfias europeias enviavam membros à América Latina para cuidarem da compra e do transporte da droga. Porém, além de custar caro e ser pouco eficiente, pela falta de conhecimento da região, o método chamava a atenção das autoridades. Por isso, as facções firmaram alianças com grupos latinos para terceirizar a operação e ficar com a distribuição e venda. Chefes do PCC, como André de Oliveira Macedo, o André do Rap, Gilberto Aparecido dos Santos, o Fuminho, e Marcos Willians Herbas Camacho, o Marcola — este o capo di tutti capi da facção —, já vendiam ao exterior a sua própria cocaína desde 2009, mas a organização, de forma articulada, entrou no tráfico internacional em 2017. Hoje, as maiores alianças são com a ‘Ndran­gheta — que tomou o lugar da Cosa Nostra como a principal quadrilha da Itália —, com traficantes sérvios e com a máfia albanesa, conhecida pela violência e por assumir o “trabalho sujo” que não interessa mais à organização italiana.

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FORTUNA - Dinheiro recolhido em ação: Europol confiscou 12,5 milhões de euros
FORTUNA - Dinheiro recolhido em ação: Europol confiscou 12,5 milhões de euros (Europol/Divulgação)

A articulação das facções preocupa — e muito — os governos da Europa. Em abril, uma comitiva de autoridades da Justiça da Romênia e da República Tcheca esteve no Brasil para debater, entre outros temas, o tráfico de cocaína na Europa com participação decisiva de brasileiros. O caráter transnacional do problema exige cada vez mais cooperação. Em novembro de 2023, os países da América do Sul criaram em Brasília a Ameripol, uma polícia continental. A iniciativa foi um passo importante, mas está longe do ideal. Hoje, grande parte da colaboração do país com outras polícias se dá no cumprimento de diligências — e não para dividir a investigação. “O crime organizado não tem fronteiras, nós é que temos”, diz o promotor de Justiça Lincoln Gakiya, que investiga o PCC desde o surgimento e diz que a sua expansão foi negligenciada pelas autoridades (leia a entrevista com o secretário da Segurança Pública de SP, Guilherme Derrite, em Amarelas). Nem a negligência, nem o improviso e a desarticulação podem dar mais o tom na reação do país ao poderio do crime. O alarme já soou até na Europa.

Publicado em VEJA de 21 de junho de 2024, edição nº 2898

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