Caso Henry: o passo a passo de um crime bárbaro
Após um mês da morte do menino, a mãe, Monique Medeiros, e o padrasto, o vereador Dr. Jairinho, foram presos e indiciados por homicídio
Exatamente um mês após a morte brutal do menino Henry Borel, de 4 anos, sua mãe, a professora Monique Medeiros, de 33, e o padrasto, o médico e vereador Jairo Souza Santos Júnior, o Dr. Jairinho, de 43, foram presos nesta quinta-feira, 8, em uma casa na Zona Oeste do Rio de Janeiro. Os dois foram indiciados por tortura e homicídio duplamente qualificado por motivo torpe, sem chance de defesa da vítima. Laudos, provas técnicas e uma troca de mensagens de celular entre a mãe e a babá da criança põem por água abaixo a versão fantasiosa de acidente doméstico.
O DIA DO CRIME
Na madrugada do dia 8 de março, o menino Henry deu entrada no hospital Barra D’Or, na Zona Oeste do Rio de Janeiro, já sem vida. De acordo com o relato dos médicos, ele apresentava um quadro de PCR (parada cardiorrespiratória) e, depois de sucessivas tentativas dos médicos em reanimá-lo, veio a óbito às 5h42. Embora tenha diploma de médico, Dr. Jairinho nem tentou fazer fazer respiração boca a boca ou massagem cardíaca no garoto. Depois, o parlamentar, que nunca exerceu a medicina, viria a dizer que a última vez que fez estes procedimentos tinha sido com um boneco na faculdade.
A EXPLICAÇÃO INICIAL
Ao buscar ajuda no hospital, a mãe, a professora Monique, e seu namorado, o vereador Dr. Jairinho, não deram muitas explicações aos profissionais de saúde que atenderam a criança. Apenas que o encontraram com dificuldade para respirar, gelado e com os olhos revirando. Aos parentes, chegaram a contar inicialmente que o menino tivera um mal súbito.
TENTATIVA DE EVITAR QUE O CORPO FOSSE PARA O IML
Ainda na manhã do dia 8, o vereador fez contato com um executivo da área de saúde pedindo que um médico do hospital fizesse o atestado de óbito, sem que fosse necessário passar por uma necropsia no Instituto Médico Legal. De acordo com o depoimento desse executivo à polícia, o parlamentar falava de forma calma e sem esboçar qualquer nervosismo. O pedido não foi atendido. Os médicos que socorreram o menino, inclusive, orientaram o pai da vítima, o engenheiro Leniel Borel, que fizesse um boletim de ocorrência na polícia por se tratar de um caso suspeito.
VERSÃO DE ACIDENTE DOMÉSTICO DERRUBADA
O laudo preliminar, expedido ainda na noite do dia 8, não condiz com a versão dada pela mãe e o padrasto do menino para o que tinha ocorrido naquela madrugada no apartamento na Barra da Tijuca, para o qual a família se mudou em janeiro. A necropsia atesta laceração hepática e hemorragia interna provocadas por ação contundente. Ainda havia lesões na cabeça e hematomas pelo corpo.
PRIMEIRO DEPOIMENTO DO CASAL
Uma semana após a morte de Henry, Monique e o padrasto do menino prestaram depoimento na 16ª DP (Barra da Tijuca), onde deram versões semelhantes para o ocorrido. A professora contou que os dois tinham adormecido no quarto de hóspedes assistindo a uma série e que ela, ao despertar, teria encontrado o filho caído. Disse ainda que suspeitava que Henry tivesse ficado em pé na cama, se desequilibrado e então vindo ao chão. Dr. Jairinho, em seu depoimento, afirmou que tinha sido acordado pelos chamados de Monique e que antes de ver o que acontecera ainda foi ao banheiro. No hospital, o vereador tinha relatado ao pai do garoto, Leniel, uma versão diferente: que ouviu um barulho feito por Henry vindo do quarto e aí se deparou com o menino passando mal.
FIM DE SEMANA FELIZ COM O PAI
O pai do menino também prestou depoimento à polícia. Câmeras de um shopping comprovam que Henry estava bem e feliz até ser entregue à mãe, no início da noite do dia 8. O pai passou o fim de semana com o filho, quando esteve na piscina do condomínio onde mora, em uma loja de brinquedos em um shopping e numa festinha infantil de um amigo. Relatou aos investigadores que, como vinha acontecendo desde janeiro, o menino chorava a ponto de vomitar quando tinha que voltar para o apartamento onde a mãe estava vivendo.
AS PERÍCIAS NO APARTAMENTO
A polícia esteve por diversas vezes no apartamento do Condomínio Majestic, na Barra da Tijuca, onde Monique e Dr. Jairinho estavam morando há dois meses. No dia 9 de março, agentes foram ao imóvel para fazer a primeira perícia, mas ao chegarem no local descobriram que uma funcionária do casal já havia limpado tudo. A polícia verificou que Monique não havia contado à empregada o que tinha acontecido e, só na hora do almoço, falou para ela tirar folga. No último dia 1º, policiais fizeram a reconstituição da cena do crime, mas o vereador e a namorada faltaram. O advogado de defesa alegou que Monique estava muito deprimida.
DEPOIMENTOS COMBINADOS
Ao longo de um mês de investigação, mais de 18 pessoas foram ouvidas. Entre elas a mãe de Monique, Rosângela Medeiros da Costa e Silva, que quando perguntada se havia questionado a filha e o vereador sobre o que havia acontecido com o neto, respondeu que “para se poupar, não quis saber detalhes e não se lembra se algum detalhe lhe foi contado”. A babá do menino, Thayná de Oliveira Ferreira, que se revelou após a prisão do casal uma peça chave para elucidar o crime, também prestou depoimento. Nesse primeiro momento, ela relatou que trabalhava em uma família harmoniosa e nunca tinha visto nenhuma agressão. A polícia descobriu que tanto a mãe de Monique quanto a babá da família tinham estado no escritório de defesa e orientadas de como deveriam falar.
O PAPEL CRUCIAL DA BABÁ
Detalhes da investigação, revelados nesta quinta-feira, mostram que a babá Thayná sabia muito mais do que falou em depoimento à polícia. Investigadores tiveram acesso a uma troca de mensagens entre ela e a mãe do menino, no dia 12 de fevereiro, que mostra que as duas mentiram quando estiveram na delegacia. Na conversa por um aplicativo de celular, Thayná conta à mãe que o padrasto tinha chegado mais cedo em casa, estava trancado com o menino no quarto, com a televisão nas alturas, e que o batia. Depois, Henry relatou ter recebido rasteiras e chutes do padrasto, além de queixar-se de dor no joelho e na cabeça. A troca de mensagens derruba a versão fantasiosa de que a mãe não sabia que o menino era torturado pelo namorado.
A PRISÃO
Um mês após o crime, Monique e o vereador foram presos nesta quinta-feira, por volta das 6h, na casa de uma tia do parlamentar, no bairro de Bangu, Zona Oeste do Rio. Enquanto os policiais entravam na residência, o casal tentou se livrar dos celulares que usavam jogando-os pela janela, mas os aparelhos foram recuperados. No local, a polícia também encontrou mochilas com roupas dos dois, o que levanta suspeita de que estariam planejando fugir.
A INVESTIGAÇÃO CONTINUA
Ainda na manhã desta quinta-feira, policiais cumpriram uma ordem de busca e apreensão na casa da babá Thayná, onde apreenderam, entre outros, o celular usado por ela. O inquérito instaurado na 16ª DP (Barra da Tijuca) ainda não foi concluído. Monique e Dr. Jairinho prestaram novos depoimentos após a prisão. A babá também será convocada para novos esclarecimentos.
OUTRAS ACUSAÇÕES CONTRA DR. JAIRINHO
Além de dois boletins de ocorrência abertos pela ex-mulher, a nutricionista Ana Carolina Netto, por lesão corporal, um de 2014 e outro de 2020, o parlamentar é suspeito de ter agredido uma ex-namorada e ao menos outras duas crianças. Em um dos casos, no qual tanto a mãe quanto a filha, hoje com 13 anos, prestaram depoimento à polícia, o vereador é acusado de atrocidades. No relato, contam que a menina, quando tinha a mesma idade de Henry, foi levada por ele para um local semelhante a um motel, onde tirou sua roupa, a levou para o box do banheiro e bateu sua cabeça diversas vezes na parede. No mesmo dia, teria afundado a cabeça da garota na piscina com os pés. Mais um relato de horror, desta vez dado a VEJA por uma amiga próxima de outra ex-namorada de Jairinho, com quem ele continuaria se encontrar até o crime de 8 de março, descreve agressões ao filho dessa mulher. O garoto quando estava com a mesma faixa etária de Henry teria precisado de atendimento médico, após sair sozinho com o vereador, em duas ocasiões: em uma apareceu com hematomas na cabeça e rosto desfigurado, quadro que Dr. Jairinho teria justificado por um tomo do menino, e na outra teria fraturado a perna na altura do fêmur. Nessa segunda vez, o parlamentar alegou que ele havia prendido a perna no cinto de segurança do carro e caído ao descer do veículo.