Caso Henry: ‘A briga por justiça me move’, diz Leniel Borel
Pai de Henry fala da vida após o assassinato do filho, tema do documentário de VEJA 'A Marca da Maldade'

Não há pior dor no mundo do que perder um filho. Pior ainda quando é de forma trágica, como aconteceu com Henry, aos 4 anos. Em 7 de março de 2021, ele entrou vivo em um apartamento na Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro, onde morava com a mãe, minha ex-mulher Monique Medeiros, e o padrasto, o então vereador Dr. Jairinho. Saiu de lá morto, na madrugada do dia seguinte. Não tenho dúvidas de que foi brutalmente assassinado. Acordar todo dia sem tê-lo ao meu lado é muito difícil. Passados mais de quatro anos daquela noite, a fissura no peito segue aqui comigo. O caso aguarda para ser julgado, o que aumenta minha aflição. Espero a condenação desses dois monstros, mas não estou parado. Decidi fazer algo para honrar a vida de Henry e, dentro da arena política, proteger crianças da violência doméstica, uma crueldade que atinge o lar de inúmeras famílias no Brasil.
Quando tudo aconteceu, viver se tornou insuportável. O desespero era tanto que, em alguns momentos, pensei em tirar minha própria vida. É penoso seguir a caminhada sem Henry. Ele chegou a me contar que o “tio”, como chamava Jairinho, dava abraços fortes e o machucava. Tentei abordar o assunto com a mãe, a avó materna, a psicóloga, e todos falavam que era coisa da minha cabeça. Os relatos eram “um sonho de criança”, diziam. Hoje, tenho a convicção de que Henry era torturado pelo ex-vereador, com conhecimento de Monique, mas não consegui salvá-lo. Por isso, me culpo todos os dias. Sei que, se tentasse denunciá-los sem ter uma prova concreta e definitiva dos abusos, muito provavelmente perderia a guarda de meu filho, ainda mais sendo Jairinho integrante de uma família rica e poderosa do Rio. Poderia ter tentado fugir com o meu menino para outro país. São pensamentos que não me deixam.
Desde o início, brigo por justiça, denunciando os acusados, e isso me move. Cheguei a dar umas vinte entrevistas em um dia para que a história ganhasse repercussão. Tudo para não ficar impune. Para sobreviver, frequentava psiquiatra e psicólogo. Não passava 24 horas seguidas sem acompanhamento profissional e remédios, que me ajudavam a lidar com a dor e a ansiedade. Tomo até hoje um para manter o equilíbrio emocional e tenho outro em caso de crise. A Ana Carolina Oliveira, mãe da Isabella Nardoni, que viveu um drama parecido com o meu, também de projeção nacional, me apoiou. Ela me aconselhava, me confortava. O gatilho para partir para a luta veio de um contato do Unicef (agência da ONU voltada para a infância), em solidariedade ao meu sofrimento. Eles me deram um número assustador sobre crianças e adolescentes assassinados diariamente no país — dezenove. Foi ali que eu pensei: “Preciso fazer alguma coisa para mudar essa situação inaceitável”.
Entrei em contato com autoridades com a intenção de mexer no marco legal. Comecei defendendo que houvesse penas severas para padrastos e madrastas envolvidos nesse tipo de ocorrência. Ao longo do processo, foram aparecendo novas ideias, reunidas depois em um projeto mais amplo, batizado de Lei Henry Borel. Ela aumenta a punição para os agressores, criminaliza a omissão de quem não denuncia os maus-tratos e permite que conselheiros tutelares determinem afastamento protetivo da criança se identificarem um problema. Criei uma fundação que também leva o nome do meu filho, para acolher menores vítimas de violência. Já ajudamos 4 000 pessoas. Decidi então ingressar na política, para poder fazer mais, e me elegi como vereador na mesma Câmara onde Jairinho, hoje na prisão, ocupou uma cadeira. Sei que só vou descansar mesmo quando Monique e Jairinho forem condenados. Me casei de novo e sou pai novamente, de uma menininha que já completou 1 ano. É um tipo de felicidade muito especial, mas não apaga a cicatriz. Ela é eterna.
Leniel Borel em depoimento a Ricardo Ferraz
Publicado em VEJA de 25 de julho de 2025, edição nº 2954