Último Mês: Veja por apenas 4,00/mês
Continua após publicidade

Casa própria em risco

Prestes a completar dez anos, o Minha Casa Minha Vida enfrenta ameaças de limitação de recursos num momento em que o déficit habitacional voltou a crescer

Por Bianca Alvarenga Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 16h15 - Publicado em 30 nov 2018, 07h00

Mais de 7,7 milhões de famílias vivem em condições precárias de moradia no Brasil. Trata-se do maior patamar do déficit habitacional desde 2007, segundo levantamento da Fundação Getulio Vargas (FGV) em parceria com a Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc). Perto de completar uma década de existência, o programa Minha Casa Minha Vida provou-­se importante para atacar o problema, mas enfrenta o risco da insuficiência de recursos para atender a essa necessidade crescente. Eis um dos principais desafios do presidente eleito Jair Bolsonaro na área de política urbana. Durante a campanha, ele afirmou que pretende dar continuidade ao programa, trocando o nome para Casa Brasileira, porém não apresentou detalhes dos seus planos.

arte-MC-iphone
(Arte/VEJA)

A crise econômica de 2014 a 2017 agravou um quadro que já era delicado. A renda familiar encolheu, por causa do desemprego, enquanto o aumento da inadimplência dificultou o acesso ao crédito imobiliário. Os aluguéis também passaram a pressionar mais o orçamento das famílias, o que contribuiu largamente para precarizar ainda mais a situação habitacional. Mais de 40% do déficit total é composto de famílias que comprometem mais de 30% da renda mensal com aluguel.

O programa Minha Casa Minha Vida foi criado em 2009 pelo governo Lula com o objetivo de reduzir a carência de moradia, especialmente entre a população de renda mais baixa. Desde então, mais de 5 milhões de casas foram compradas por meio do programa (veja o quadro abaixo). Os investimentos somaram quase 500 bilhões de reais. Nos cinco primeiros anos, predominaram as contratações de casas pela chamada Faixa 1, destinadas a famílias que ganham até 1 800 reais por mês. Somente em 2013, foram mais de 500 000 unidades adquiridas. No entanto, com o agravamento da crise fiscal do governo, o número despencou: desde 2015, fica sempre abaixo de 100 000 unidades por ano. Isso porque cerca de 90% dos recursos destinados à construção de casas da Faixa 1 são tirados do caixa do governo. O beneficiário financia uma pequena parcela do valor do imóvel, sem a cobrança de juros. Restaram os imóveis das outras faixas, financiadas com recursos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). Na Faixa 2 (para famílias que ganham até 4 000 reais), os subsídios variam de 11% a 29% do valor total do imóvel. Na Faixa 3 (para famílias que ganham até 9 000 reais), não há subsídio direto, e sim financiamento subsidiado — ou seja, a taxas menores que as de mercado, mas compatíveis com a remuneração do FGTS.

O fato é que a manutenção do programa, mesmo que apoiada nas faixas superiores de renda, tem sido importante para diminuir o déficit habitacional. Houve uma diminuição nos indicadores de habitação inadequada (casas em locais irregulares ou construídas de forma precária), coabitação (quando mais de um núcleo familiar mora na mesma casa) e adensamento excessivo (quando mais de três pessoas habitam um único cômodo). Mas uma ressalva importante deve ser feita. Ana Maria Castelo, responsável pela pesquisa da FGV com a Abrainc, diz que o aumento do déficit pelas famílias que se enquadram no conceito de gasto excessivo com aluguel encobriu negativamente os avanços nas outras áreas. “Parte disso ocorreu porque a Faixa 1 era a principal forma de atender famílias de baixa renda que moram em centros urbanos e que comprometem grande parte da renda com aluguel”, diz ela. Bolsonaro, portanto, terá de lidar com esse dilema: como reduzir o déficit habitacional na faixa mais necessitada da população sem recorrer a subsídios.

Continua após a publicidade

Haverá, porém, desafios de financiamento também nas demais faixas de renda do Minha Casa Minha Vida. O aumento do desemprego e os saques nas contas inativas do Fundo contribuíram para que o saldo do FGTS ficasse no vermelho. A Caixa, administradora do Fundo, tem liberado recursos a conta-gotas. Um levantamento recente mostrou que praticamente metade de todos os imóveis vendidos nas dezenove principais áreas urbanas do Brasil está no âmbito do Minha Casa Minha Vida. As construtoras adaptaram-se para entrar nesse mercado como forma de sobrevivência na crise. Um exemplo é um bairro inteiro que está sendo erguido pela MRV na Zona Norte de São Paulo, com 7 500 apartamentos em 25 torres.

Na campanha, Bolsonaro prometeu ampliar o escopo dos financiamentos, permitindo que creches sejam construídas com recursos do FGTS, além de reduzir os juros cobrados dos beneficiários. A intenção é boa, mas a conta não fecha. “O FGTS é um cobertor curto para atender a todas essas necessidades. Será preciso discutir prioridades”, diz Juliana Inhasz, professora do Insper. A sustentabilidade do programa está em risco, portanto, diante do estrangulamento dos recursos do FGTS. Se não houver uma recuperação significativa do emprego formal a curto prazo, capaz de recompor as contribuições de trabalhadores para o Fundo, será difícil ampliar o programa, ao menos com essa fonte de financiamento.


Continua após a publicidade

Agora, com regras mais claras

Plenário do Senado
INTERESSE COMUM - Senadores em debate sobre o novo projeto: a versão aprovada ficou desequilibrada (Waldemir Barreto/Ag. Senado)

O Senado aprovou um conjunto de regras para o distrato, nome dado à rescisão, pelo comprador, do contrato de aquisição de um imóvel novo. O texto do projeto, que já havia passado pela Câmara (mas foi alterado no Senado e, portanto, precisará voltar à Casa), determina que a multa para essa ocorrência poderá ser de até 50% do valor total já pago. Atualmente, não há previsão em lei. Em geral, incorporadoras e construtoras estipulam, em contrato, multa de 20% a 25% do montante quitado. Mas ações na Justiça não raro determinam a devolução de 85% a 90% ao comprador, o que tem gerado queixas das empresas. O projeto, portanto, deve reduzir as disputas judiciais — ao mesmo tempo em que salgam o bolso do comprador que venha a desistir do imóvel.

O número de distratos disparou nos últimos anos com a recessão econômica, que ampliou o desemprego e diminuiu a renda dos trabalhadores. Muitas famílias não conseguiram manter os pagamentos acordados na compra do imóvel. O aumento do rigor dos bancos também afetou a aprovação de financiamentos imobiliários. A dissolução de contratos e o crescimento da taxa de vacância em imóveis já prontos levaram incorporadoras a baixar o valor das unidades à venda. Em um círculo vicioso, muitas pessoas que haviam pago mais caro decidiram rescindir o contrato para buscar imóveis mais baratos. Em 2014, três em cada dez imóveis vendidos eram devolvidos. No caso de apartamentos de médio e alto padrão, o índice superou 50%.

Continua após a publicidade

A fixação de uma multa por lei já ocorre em outros países. Nos Estados Unidos, na França e na Argentina, por exemplo, quem desiste do imóvel perde 100% dos recursos já pagos. Em tese, a criação de regras com força de lei é benéfica para consumidores e vendedores. Mas, além da imposição da multa, o projeto foi alterado no Congresso de tal forma que, segundo especialistas, passou a refletir um desequilíbrio de forças em favor das empresas. As incorporadoras não sofrerão penalidade alguma se atrasarem em até seis meses a entrega do imóvel. Hoje, as punições por atraso são descritas em contrato e, dependendo do caso, pode haver penalidade a partir do primeiro dia depois da previsão da entrega das chaves. É imperioso, portanto, que os deputados promovam alterações para que as empresas também sejam motivadas, por lei, a cumprir com suas obrigações em dia.

Publicado em VEJA de 5 de dezembro de 2018, edição nº 2611

Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Veja e Vote.

A síntese sempre atualizada de tudo que acontece nas Eleições 2024.

OFERTA
VEJA E VOTE

Digital Veja e Vote
Digital Veja e Vote

Acesso ilimitado aos sites, apps, edições digitais e acervos de todas as marcas Abril

1 Mês por 4,00

Impressa + Digital
Impressa + Digital

Receba 4 Revistas no mês e tenha toda semana uma nova edição na sua casa (equivalente a 12,50 por revista)

a partir de 49,90/mês

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$118,80, equivalente a 9,90/mês.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.