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Carandiru: como o massacre de 111 presos levou à criação do PCC

Se fosse uma empresa, a organização criminosa estaria hoje entre as vinte maiores do país

Por Leonardo Coutinho Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO 30 set 2016, 21h27

Taubaté, interior de São Paulo, 31 de agosto de 1993. Entre uma partida de futebol e outra, no pátio da Casa de Custódia, um grupo de nove detentos — Antônio Carlos dos Santos, Antonio Carlos Roberto da Paixão, Isaías Moreira do Nascimento, Ademar dos Santos, César Augusto Roris da Silva, Idemir Carlos Ambrósio, Misael Aparecido da Silva, Wander Eduardo Ferreira e José Márcio Felício — discute a criação de uma confraria de presos, com um objetivo claro: evitar uma repetição do massacre do Carandiru, ocorrido menos de um ano antes. Os nove fundadores do que viria a se chamar Primeiro Comando da Capital (PCC) estavam convencidos de que, ao submeterem os criminosos a uma hierarquia dentro da cadeia, poderiam evitar brigas internas como a que serviu de estopim para a rebelião no Carandiru e, ao mesmo tempo, ter força para extrair concessões do Estado. Os primeiros protegidos do PCC eram conquistados na marra. Ou pagavam, ou eram mortos ou espancados. Não demorou para os presos entenderem que pertencer ao grupo representava uma elevação de status no mundo do crime. Por não ter surgido em uma favela, bairro ou cidade, o PCC nunca foi uma organização local. Já no embrião apresentou uma capilaridade singular, que lhe permitiu alastrar-se rapidamente por São Paulo e depois para os estados que estão cravados na rota do tráfico da cocaína vinda da Bolívia e do Paraguai.

Pedro Juan Caballero, Paraguai, 15 de junho de 2016. As imagens das câmeras de segurança de uma farmácia na Rua 14 de Mayo registram 18h44. A 70 metros dali, dezenas de fiéis rezam na Paróquia de São Geraldo. Na calçada oposta, jovens frequentam as aulas de uma escola local. Um anoitecer típico dos moradores da cidade, que faz fronteira com o Brasil, em Mato Grosso do Sul. Naquele horário exato, porém, o motorista de uma Toyota Hilux branca para no cruzamento em frente à farmácia e, sorrateiramente, espera até ser alcançado por um Hummer blindado que vem escoltado por três caminhonetes com capangas armados com fuzis e pistolas automáticas. Em seguida, a Hilux acelera. A porta traseira se abre e revela uma metralhadora antiaérea. Uma rajada de balas ilumina a rua e atinge o para-brisa do Hummer. Em seu interior está o brasileiro de origem libanesa Jorge Rafaat. Uma nova sequência de disparos atravessa o vidro blindado do veículo, matando Rafaat. Conhecido como o Rei da Fronteira, ele era o último empecilho para que a organização criminosa PCC alcançasse a hegemonia do tráfico de drogas e armas a partir do Paraguai. “Tirar Rafaat do caminho era o que faltava para o PCC se tornar o primeiro cartel internacional de drogas com sede no Brasil”, diz o procurador de Justiça Márcio Christino, do Ministério Público de São Paulo, um especialista na história e no funcionamento do PCC. “Esse cartel já tem um nome, dado pelos próprios criminosos: Narcossul.”

Em pouco mais de duas décadas, enquanto a Justiça paulista fracassava em punir os responsáveis pela matança de 111 presos desarmados no Carandiru, o PCC deixou de ser apenas uma quadrilha que vende proteção a detentos e consolidou-se como a maior e mais poderosa organização criminosa da história do Brasil. Eis o resultado que o Brasil colheu ao executar presos — coisa que os adversários dos direitos humanos acham que é uma cândida solução — e manter policiais criminosos impunes.

Se fosse uma empresa, o PCC seria hoje a décima sexta maior do país, à frente de gigantes como a montadora Volkswagen. Trata-se de um império corporativo em que os produtos são as drogas ilícitas. Os clientes são dependentes químicos. Os fornecedores são criminosos paraguaios, bolivianos e colombianos. Os métodos são o assassinato, a extorsão, a propina e a lavagem de dinheiro. As áreas de diversificação são os assaltos a banco, o roubo de cargas e o tráfico de armas. A meta, coerente com as exigências da globalização, é internacionalizar-se, e para chegar lá os líderes do PCC estão selando alianças com quadrilhas africanas e terroristas do Oriente Médio.

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O PCC recorre ao tráfico de drogas desde sua fundação. O que no início era apenas uma forma de multiplicar as receitas obtidas com a venda de proteção nas cadeias tornou-se, com o tempo, sua atividade central — o core business, para usar um anglicismo do mundo empresarial. Hoje, a organização controla mais da metade do comércio de entorpecentes no país. A reportagem de VEJA consultou mais de uma dezena de especialistas e policiais no Brasil e em outros seis países para dimensionar a capacidade financeira do PCC. Conclusão: apenas com a venda de drogas para consumo no território nacional, a organização alcança um faturamento anual da ordem de 20,3 bilhões de reais, sem incluir as receitas com roubo de carga e assalto a banco. Em 2015, cerca de 3 000 caixas eletrônicos foram explodidos no país. Suspeita-se que o PCC esteja por trás de pelo menos um terço dos ataques.

A fortuna que passa pelas mãos dos narcotraficantes do PCC é pulverizada. Ela é usada para pagar propina a policiais, juízes e políticos, patrocinar execuções e remunerar os milhares de “trabalhadores” envolvidos na operação. Parte significativa é despendida nas operações de lavagem de dinheiro, que obrigam os criminosos a corroer seu capital para esconder a origem ilícita dos recursos por meio de empresas de fachada. Os custos podem ser altos, mas a margem de lucro do tráfico é imbatível. A diferença de preço entre 1 quilo de pasta-base na Bolívia e 1 quilo de cocaína no Brasil é de 1 500%.

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