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As críticas de especialista ao piso de R$ 600 do Bolsa Família

Marcelo Neri, da FGV, diz que lógica criada pelo governo Bolsonaro e mantida por Lula estimula distorções cadastrais e leva a desperdício de recursos

Por João Pedroso de Campos Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO , Reynaldo Turollo Jr. Atualizado em 1 mar 2023, 09h09 - Publicado em 1 mar 2023, 08h59

O governo de Luiz Inácio Lula da Silva irá relançar amanhã, quinta, 2, o novo Bolsa Família. Ele vai substituir o Auxílio Brasil do governo Jair Bolsonaro, como mostra reportagem de VEJA desta semana.  Lula manterá o patamar mínimo do benefício em 600 reais, cumprindo uma promessa de campanha de não mexer no valor pago pelo programa na gestão do seu antecessor. A lógica de estipular um “piso” ao benefício, no entanto, é criticada por quem entende do assunto, por estimular fraudes cadastrais e, assim, gerar desperdício de recursos.

Um dos maiores estudiosos de pobreza e desigualdade no país, o diretor do FGV Social, Marcelo Neri, vê na fixação do valor mínimo a criação de um problema estrutural, que estimula os beneficiários do programa a distorcerem os dados cadastrais. O pagamento dos 600 reais favoreceu o crescimento do número de famílias que se declaram como sendo compostas por uma só pessoa, problema já detectado pelo Tribunal de Contas da União. O nó está nos casos de pessoas de uma mesma família que, ao se declararem como famílias unipessoais, pedem e recebem, cada uma, um benefício de 600 reais. O crescimento destes casos se intensificou desde o lançamento do Auxílio Brasil, em outubro de 2021, com valor universal de 400 reais a todas as famílias independentemente do seu tamanho, em lógica “herdada” do Auxílio Emergencial pago na pandemia.

Com base em dados do Cadastro Único, Marcelo Neri afirma que, desde a instituição do Auxílio Brasil, o tamanho médio das famílias cadastradas no programa caiu de 3,01 pessoas, em novembro de 2021, para 2,59 em outubro de 2022. Em menos de um ano, a proporção de famílias com 4 pessoas ou mais se reduziu de 33% para 24%, enquanto a de famílias unipessoais saltou de 15% para 26%. “Há um incentivo cavalar às pessoas distorcerem os dados. Isso não afeta só o modo como o dinheiro chega às famílias, mas também o modo como se vai desenhar programas e o papel dos agentes sociais”, afirma Neri, que estima em 55% o desperdício de recursos com a adoção do “piso” de 600 reais. “Esse problema torna o Bolsa Família uma fração do que ele poderia ser. Havia uma prática que funcionava e está se adotando uma outra, que gera estímulos errados, perda de foco”, completa.

O especialista enxerga o pagamento de 150 reais extras para cada criança de zero a seis anos, uma das novidades do novo Bolsa Família, como uma forma de, ao menos, atenuar o problema, retomando em parte o critério de proporcionalidade que existia no antigo formato – quanto maior ou mais pobre a família, maior a necessidade de dinheiro –, limado pelo governo Bolsonaro. O ideal, conforme Neri, era que se voltasse ao desenho antigo. Depois que Bolsonaro elevou o pagamento médio (inicialmente para 400 e depois para 600 reais), no entanto, é difícil que se crie ambiente e disposição política para diminuí-lo – mesmo que essa ação fosse benéfica do ponto de vista da eficiência da transferência dos recursos. “A única coisa em que a regra dos 600 reais é ‘boa’ é em termos eleitorais, porque é mais fácil de ser comunicada e gera uma remuneração maior aos adultos – criança não vota”, diz Marcelo Neri.

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