Após começo promissor, Novo ameaça regredir por pressão de velhas práticas
Às vésperas de novo encontro com as urnas, sigla enfrenta desavenças internas que podem minar promessa de um jeito diferente de fazer política
Quando surgiu, em 2015, o Novo tinha a ambição de ser a antítese das legendas que dominavam a política brasileira, criticadas pelo clientelismo, pela falta de espírito público e pela busca da perpetuação no poder. A proposta, sintetizada no nome escolhido, atraiu simpatizantes e desembocou no desempenho surpreendente de 2018. Embalado pelo sentimento da antipolítica que tomava o país, o partido elegeu já na primeira disputa nacional oito deputados federais e um governador (Romeu Zema, de Minas Gerais) e levou o pouco conhecido João Amoêdo ao quinto lugar na eleição presidencial, com 2,6 milhões de votos, superando nomes como o da ex-ministra Marina Silva. O discurso tinha como pilares a economia de dinheiro público, a limitação da reeleição a uma vez e o veto às alianças oportunistas, entre outras coisas. A expectativa era ampliar conquistas após esse começo altamente promissor. Aos poucos, no entanto, a sigla ameaça regredir pela pressão de velhas práticas. Às vésperas de novo encontro com as urnas, ela enfrenta desavenças internas que podem fazer com que a promessa de um jeito diferente de fazer política seja relegada a um segundo plano em nome do pragmatismo eleitoral.
O sinal de insatisfação com os princípios puristas da legenda já havia sido dado em 2020 por Zema, que reclamou da dificuldade de ter candidatos a prefeito em razão do veto a coligações e da política de selecionar os escolhidos por concurso. Comparadas ao universo político brasileiro, as regras do Novo são realmente rigorosas e nem todos se enquadram. Em Minas, estado com o maior número de municípios (853), o partido disputou apenas três prefeituras. No país, elegeu um prefeito (em Joinville) e só dezoito vereadores. Em setembro passado, Zema voltou a pressionar por uma flexibilização. “Eu quero me manter no Novo, mas tenho receio de ele não viabilizar a minha eleição”, disse o governador, já assediado por outras siglas, como o União Brasil. Segundo ele, em congresso no fim de 2021, houve cobranças por novos rumos. “Todos querem mudanças. Ou o partido muda ou ele acaba”, sentenciou.
O apelo encontrou eco na cúpula. Eduardo Ribeiro, presidente da legenda, defendeu uma nova lógica de atuação “flexível e com mais capilaridade”. “O termo de compromisso assinado pelos filiados para se candidatar vai sofrer ajustes”, afirmou, mas sem dar detalhes. Conforme apurou a reportagem de VEJA, a pressão é por mais liberdade para alianças, possibilidade de mais de uma reeleição e maior tolerância com o uso de dinheiro público — o partido impõe limite de 50% para cota parlamentar e verba de gabinete e veta o Fundo Eleitoral (dinheiro público para campanhas). As medidas, que rompem com a pedra fundamental da legenda, ainda precisam passar pelo Diretório Nacional, que está dividido, mas Ribeiro conseguiu um trunfo ao aprovar mudança no estatuto que dá a ele o voto de minerva em caso de empates em votações. Polêmica, a iniciativa foi parar na Justiça em dezembro passado. “Existe uma tentativa de desvirtuar o partido”, critica Patricia Vianna, secretária nacional de Assuntos Institucionais e Legais da sigla, que assinou a ação judicial e um manifesto distribuído aos filiados.
As desavenças entre puristas e pragmáticos está na raiz do surpreendente afastamento da principal liderança, João Amoêdo — isso depois de o ex-banqueiro conquistar uma quantidade relevante de eleitores na última eleição. Ele deixou o comando do partido em março de 2020 e em junho de 2021 desistiu de disputar a Presidência de 2022 pelo Novo. O posto acabou sendo ocupado pelo cientista político Luiz Felipe d’Avila, que, por enquanto, amarga a parte de baixo das pesquisas. “Eu não fui aprovado para encabeçar a chapa porque alguns parlamentares pensam que um candidato que critica Bolsonaro irá prejudicá-los”, afirma Amoêdo. “Isso é priorizar o mandato em vez da instituição.”
A dúvida hamletiana a respeito da postura com o governo tensiona, de fato, o partido. Enquanto a direção defende o impeachment, a bancada vai noutra direção. Dois deputados afrontaram claramente a cúpula: Marcel van Hattem (RS), o mais votado do partido em 2018, e Lucas Gonzalez (MG). “Resumo a minha independência com uma frase: nem atrito e nem afeto”, justifica Gonzalez. O choque deve levar à saída de deputados na janela que vai até 2 de abril. Para piorar esse cenário, já ocorreu um encolhimento na base da sigla: ela chegou a ter 48 539 filiados em setembro de 2019, mas perdeu um terço deles. “O maior problema que a legenda tem é definir de uma vez por todas sua natureza ideológica”, diz Leandro Consentino, cientista político e professor do Insper.
Mas há outros dilemas. Ao mesmo tempo que vai à Justiça questionar os 4,9 bilhões de reais do Fundo Eleitoral, o partido tem perdido a capacidade de atrair recursos do universo privado. Segundo a prestação de contas de 2021 feita ao TSE, de uma receita de 31,6 milhões de reais, 29 milhões de reais foram bancados pela verba pública do Fundo Partidário (o Novo não usa o dinheiro, mas o deposita em um fundo). Pior: a contribuição de pessoas físicas foi próxima de zero, um sinal de deterioração do pressuposto de que a legenda deveria depender do apoio voluntário do cidadão. Em 2018, dos 15,2 milhões reais, 13,4 milhões de reais chegaram pelas mãos da militância. Como se vê, o desafio do Novo hoje é não envelhecer rápido demais.
Publicado em VEJA de 9 de março de 2022, edição nº 2779