Alerta do tempo
Um dos maiores desafios para garantir a segurança alimentar e nutricional é o aquecimento global.
Diversos estudos, compilados pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) no relatório O Futuro da Agricultura Brasileira, indicam que o país poderá perder até 50% da produção agrícola se a temperatura do planeta aumentar 3 °C até 2050. Vinte anos depois, o prejuízo chegaria a 40% apenas na área de plantio de soja. O rombo na receita anual da agropecuária, por sua vez, seria de 14 bilhões de reais. O mundo precisa produzir alimentos baratos para uma população crescente, sem se descuidar do meio ambiente.
Como grande produtor e exportador de alimentos, o Brasil pode exercer um papel importante na segurança climática mundial. Especialistas costumam afirmar que, embora seja frequentemente relacionada ao desmatamento, a agropecuária também sofre os efeitos dos eventos extremos, como mostram as previsões da ciência. Logo, tem interesse na desaceleração do aquecimento. Parte dos produtores tem aderido a políticas públicas de adaptação às mudanças climáticas com o objetivo de reduzir as emissões de gases: recuperação de pastagens degradadas, integração entre lavoura, pecuária e floresta, implantação do sistema de plantio direto, fixação biológica de nitrogênio, plantação de florestas e tratamento de dejetos animais.
O Ministério da Agricultura e Pecuária estima a recuperação de 26,8 milhões de hectares de pastagens degradadas de 2010 a 2020, em decorrência dos incentivos do Plano ABC – rebatizado em 2023 como Renovagro. Assim, foram retiradas 36 toneladas de CO2 equivalente da atmosfera. Para Eduardo Matos, superintendente de estratégia da Embrapa, as pesquisas sobre questões climáticas e o sistema sustentável de produção agropecuária mostram um excelente caminho para a meta de redução das emissões de gases. Mas ainda assim será preciso buscar respostas para a nova realidade climática. No cenário extremo de falta ou escassez de chuvas, por exemplo, a monocultura se tornará um negócio cada vez mais arriscado.
O Brasil tem cerca de 17 milhões de hectares cultivados com a estratégia de integração lavoura-pecuária-floresta. Em uma mesma área, simultaneamente, são produzidos grãos, pastagem, gado e árvores. A quebra em uma das culturas pode ser compensada por outras, garantindo certa segurança econômica em períodos de desastres climáticos.
“A diversificação da produção consegue minimizar alguns prejuízos promovidos pela variação climática sobre algum dos produtos”, diz Matos. “A partir de estudos desenvolvidos em regiões mais quentes ou mais secas, já se consegue avaliar o comportamento de diversas culturas nesses ambientes e se adiantar em relação às possibilidades de impactos no futuro.”
Não se pode perder tempo na adoção de soluções sustentáveis. Em 2022, os desastres climáticos causaram 31,8 milhões de deslocamentos internos de pessoas no mundo todo, segundo o Internal Displacement Monitoring Centre (IDMC), banco de da-
dos sobre migrações. Desde 2020, em três quartos dos países, a situação de insegurança alimentar agravou-se a ponto de populações abandonarem as suas casas e terras em busca de comida. No Brasil, 44 000 pessoas atingidas por enchentes, tempestades, ciclones e seca não haviam voltado para casa até o final do ano passado, segundo estimativa de organização criada pelo Conselho Norueguês para Refugiados.
A intensidade dos eventos climáticos nem sempre permite os benefícios da produção diversificada. No caso mais recente, no Rio Grande do Sul, 58 municípios foram atingidos pelo ciclone de junho de 2023, com chuvas intensas e enxurradas. Em setembro, foram destruídas pelas enchentes, algumas delas já afetadas anteriormente pelo ciclone. Além das dezenas de vidas perdidas, 20500 pessoas foram desalojadas. Produções inteiras de trigo, milho, hortaliças, frutas e leite foram arrasadas pela água, inclusive as estocadas em silos.
Segundo levantamento da Confederação Nacional de Municípios, os prejuízos na agropecuária chegaram a 1,2 bilhão de reais.