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“A ‘Cannabis’ me ajudou a vencer”, diz remador Tomás Levy

Diagnosticado com a síndrome de Tourette, o atleta faz uso da maconha medicinal

Por Diogo Magri Atualizado em 4 jun 2024, 11h02 - Publicado em 8 abr 2023, 08h00

Eu tenho 20 anos de idade e fui diagnosticado com a síndrome de Tourette quando criança. É uma condição do sistema nervoso que faz a pessoa ter movimentos repetitivos e sons indesejados de forma involuntária. Não me lembro, mas meus pais me levaram a um psiquiatra quando comecei a ter os primeiros sintomas, que eram pulos enquanto andava e outros gestos leves e estranhos. Logo veio o diagnóstico. Minhas memórias iniciais são de pouco tempo depois, já na escola. Tinha muita dificuldade em manter relações com outras crianças pois sofria bullying. Até estudar era complicado. A Tourette não implica só complicações motoras, mas também ansiedade, pânico e déficit de atenção. Eu tenho o combo completo.

Mas a pior fase foi na pré-adolescência. Os hormônios à flor da pele fizeram com que eu tivesse picos altíssimos de tiques e alterações de humor. Tive de usar coleira para não jogar o pescoço para trás, já caí da escada e fui expulso da sala de aula porque o professor achou que eu estava fazendo careta para ele. Há pessoas que não sabem lidar com a situação, e outras simplesmente gostam de fazer piada. Nunca fiquei totalmente sozinho, mas me sentia deslocado.

Foi mais ou menos por aí que apareceu o remo na minha vida. Sempre gostei de esporte. Fiz futebol, caratê, esgrima, mas o que me pegou mesmo foi o remo. Conheci quando morava em Brasília e, quando voltei para São Paulo, há mais ou menos cinco anos, comecei a treinar de forma mais séria no Corinthians. Fui campeão brasileiro e disputei o Mundial Júnior do esporte em 2019, em Tóquio, em um evento-teste na raia onde aconteceu a Olimpíada. Estou pegando firme mesmo. Hoje toda a minha rotina é voltada para o remo. Ele me ajuda a ter foco e disciplina e a conter a ansiedade. Quando estou em um nível de concentração extremamente alto, vira uma “chavinha” na minha cabeça e os tiques somem. É isso que acontece quando estou meditando ou durante os sete minutos que costumam durar uma prova. Da largada ao fim, some tudo.

Aliado ao esporte, o que também me ajudou foi a maconha medicinal. Nas piores fases, eu tomava muitos remédios. Alguns me deram alucinações, outros aumentavam a ansiedade. Comecei, então, a pesquisar sobre a Cannabis e convenci minha mãe a testar o tratamento. Foi uma luta abrir a cabeça dela, porque ela tinha muito preconceito. Tive de apresentar estudos e reportagens até que ela me permitisse tomar o meu primeiro óleo, em 2016. Isso melhorou muito a minha vida, porque reduz a ansiedade e os tiques. Hoje, tomo de duas a três vezes por dia. Tem de ser tudo importado, e o preço costuma ser uma “facada”, principalmente porque não tenho patrocínio. Mas tenho comigo essa missão de divulgar os benefícios desse tratamento. O problema é que o esporte ainda é meio careta. Não tem doping para o CBD, a substância química da Cannabis que não tem o princípio ativo, mas tem para o THC, embora este também tenha funções terapêuticas. É um tabu grande, que deveria ser enfrentado de forma mais natural.

Com o esporte e o tratamento, quero dar tudo para ser referência para outras pessoas que têm a síndrome. Pretendo competir no Pan-Americano no ano que vem e conquistar uma vaga olímpica. Mostrar que é possível chegar a esse nível é muito importante. Mas acima disso está o fato de que eu encaro minha condição de um jeito muito mais natural. Claro que ainda existem reações de outras pessoas com as quais eu não lido muito bem e, sempre que conheço alguém, faço questão de explicar o motivo de me comportar assim. Acho estranho deixar passar batido. Mas, cada vez mais, entendo que a síndrome faz parte de mim. Não tenho como fugir dela. Eu aceito ser diferente.

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Tomás Levy em depoimento dado a Diogo Magri

Publicado em VEJA de 12 de abril de 2023, edição nº 2836

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