A acusação de suborno que paira sobre o líder do governo na Câmara
O Ministério Público do Paraná diz que Ricardo Barros recebeu propina, em 2014, para viabilizar negócio que interessava a empreiteira
A churrascaria Fim da Picada funciona em Maringá (PR) há mais de cinquenta anos. É um ponto de encontro de famílias e de políticos da região. Há duas semanas, o estabelecimento ficou nacionalmente conhecido por ter sido citado numa operação do Ministério Público do Paraná que investiga corrupção e lavagem de dinheiro. Foi divulgado que o restaurante teria emprestado sua contabilidade para ocultar o pagamento de propina ao deputado Ricardo Barros, ex-ministro da Saúde no governo Michel Temer e atual líder do governo Bolsonaro na Câmara. Desde então, a rotina do lugar mudou completamente. Os telefones não param de receber trotes, os garçons são alvo de piadas e o proprietário, Osmar Pereira, foi intimado a se explicar às autoridades. Em seu depoimento, ele disse que conhece o parlamentar, um cliente antigo, mas que não havia feito nenhum negócio com ele, nem lícito nem ilícito.
A investigação é um desdobramento da Operação Lava-Jato. Em delação premiada, diretores da Galvão Participações, do Grupo Galvão, confessaram que, em 2014, pagaram propina para viabilizar um negócio de interesse da empresa junto ao governo paranaense. Seguindo o rastro do dinheiro, os promotores garantem ter descoberto que um dos beneficiários dos artífices do esquema era Ricardo Barros, à época secretário estadual da Indústria e Comércio. Para demonstrar o envolvimento do parlamentar, os delatores apresentaram documentos, mensagens eletrônicas e roteiros de viagens e de reuniões.
Planilhas anexadas ao inquérito mostram que Ricardo Barros teria recebido mais de 5 milhões de reais em propina. Cruzando os dados, os promotores perceberam que, no mesmo dia em que o parlamentar recebeu uma das parcelas da propina, ele imediatamente pagou uma dívida da churrascaria Fim da Picada. Lavagem de dinheiro? Era o que tudo indicava, principalmente porque um dos delatores havia contado que, ao entregar o suposto suborno ao deputado no escritório da empreiteira, em São Paulo, o teria advertido do risco de ficar andando pela cidade com uma bolsa cheia de cédulas. Na ocasião, Barros teria tranquilizado o executivo, dizendo que usaria o dinheiro para pagar alguns boletos — o que foi feito. Não era, porém, o que parecia. O deputado pagou a dívida previdenciária da churrascaria, relativa a um terreno que ele ia adquirir em um leilão e que ainda estava em nome do estabelecimento — um grande mal-entendido para o proprietário.
Os investigadores dizem ter em mãos trocas de mensagens que não deixam dúvidas sobre a natureza do negócio em que ele estava metido. “RB”, como o parlamentar era identificado nos registros da empreiteira, teria usado sua influência na Copel, a companhia energética do estado, para viabilizar a compra de uma usina eólica da Galvão Participações por 148 milhões de reais — um excelente negócio para a empreiteira. Em troca, de acordo com o MP, teria recebido exatos 5,08 milhões de reais em propina — 1,5 milhão de reais em dinheiro, pagos em cinco parcelas, e o restante, 3,58 milhões de reais, camuflado como doação eleitoral ao Partido Progressista (PP). As investigações mostram que o parlamentar esteve mesmo em São Paulo nas datas em que os delatores afirmam ter entregado a ele os pacotes de dinheiro. Seu patrimônio também cresceu exponencialmente a partir daí. Mas algumas delações, como as colaborações do ex-ministro Antonio Palocci e do ex-governador Sérgio Cabral, vêm se mostrando uma decepção em termos de provas. Em nota, Barros diz que o dinheiro que recebeu tem origem lícita e que tudo não passa de maquinação pelo fato de ele ter assumido a liderança do governo.
Publicado em VEJA de 30 de setembro de 2020, edição nº 2706