Greve geral de 1989 não parou o país, mas impôs agenda ao governo
Ato contra arrocho salarial foi fiasco em SP, mesmo com apoio da prefeita Erundina, mas colou em muitas capitais e tornou incontornável a questão salarial
Contra a greve geral desta sexta-feira, o prefeito de São Paulo, João Doria, anunciou medidas para, como tuitou, “amenizar o impacto para quem vai trabalhar por nossa cidade”, entre elas a suspensão do rodízio e a liberação do estacionamento em zona azul. Em 1989, a então prefeita Luiza Erundina, à época no PT, fazia o contrário: em apoio à paralisação de dois dias promovida pelas centrais sindicais, “fez o possível para garantir a promoção de uma das mais conhecidas manifestações de populismo brasileiro, a greve chapa-branca”, dizia reportagem de VEJA de março daquele ano. “Não só declarou, em público, apoio a uma paralisação na cidade como também determinou que os ônibus da CMTC, estatal sob seus cuidados, não poderiam sair da garagem sob nenhuma hipótese.”
Mesmo com o apoio da Erundina, a greve não parou São Paulo – nem Brasília ou Belo Horizonte. Mas colou em muitas capitais. “Num país onde os sindicatos têm uma história de fragilidade, alimentada pelo peleguismo e pelo grevismo, a paralisação da semana passada marcou a maior mobilização do movimento sindical brasileiro de todos os tempos – até por motivos demográficos”, observava VEJA. A paralisação foi bem sucedida no Rio de Janeiro, Salvador, Recife, Porto Alegre e Vitória – estas duas últimas comandadas por outros dois prefeitos piqueteiros do PT: o gaúcho Olívio Dutra e o capixaba Vitor Buaiz.
O alvo daqueles dias era o Plano Verão, última tentativa da presidência de José Sarney para estabilizar a economia. A pauta principal dos sindicatos era bastante concreta: as perdas salariais, ante a escalada da inflação (mais de 70% só no mês de janeiro, quando o pacote foi anunciado). “O plano, até agora, não contemplou essa questão”, reconhecia o senador peemedebista José Fogaça, da base sarneyzista. “Será preciso definir mecanismos de reajustes salariais, única forma de nos prepararmos para o processo de congelamento de preços.”
O movimento começou num clima, como relatava a reportagem de VEJA, “que teve inéditos momentos de cortesia” – a Globo, por exemplo, apresentou de graça um informe de 30 segundos da CUT, de Jair Meneguelli, e CGT, de Joaquim dos Santos Andrade, no intervalo da novela O Salvador da Pátria, horário nobre da emissora. “A paralisação da semana passada foi um desses acontecimentos que surpreendem pelo que não produziram: não foi a catástrofe final que o governo anunciara na véspera, nem foi a realização da utopia sindical que seus organizadores imaginavam”, observava VEJA.
Houve episódios de selvageria, como a depredação de ônibus em São Paulo, mas, na maioria das cidades, o protesto foi ordeiro. E mesmo sem paralisar o país, o movimento de março de 1989 logrou impor ao Planalto a questão salarial. O pacote do governo mantivera congeladas três fatias da atividade econômica: o câmbio, os preços de 175 produtos tabelados pela famigerada Sunab (Superintendência Nacional do Abastecimento) e a renda dos trabalhadores. “A realidade é que na área econômica já não se discute se houve perdas salariais ou não – o que se discute é o tamanho do arrocho”, relatava VEJA. Travava-se então a seguinte guerra dos números: enquanto os sindicatos cobravam recomposição de até 50%, o ministério do Trabalho calculava no máximo, para algumas categorias, 17%, e a Fazenda antevia até ganhos reais, de até 7%. A classe empresarial avisava que podia entrar na negociação, aceitando corrigir salários, desde que pudesse aumentar os preços em contrapartida.
Finda a greve, o descongelamento começou na mesma semana, mas o alívio foi efêmero. O dólar disparou – no câmbio paralelo -, a inflação ganhou novo fôlego, e o plano econômico ruiu ainda mais brevemente do que os pacotes que o antecederam. Ao final daquele ano melancólico, o país elegia Fernando Collor para suceder José Sarney.