A Lei Anticorrupção, de 2013, foi especialmente importante por dar destaque à questão e permitir acelerar as investigações e o recebimento — pelo Erário — dos recursos desviados. Até o ano passado, a Operação Lava-Jato tinha recuperado, com os acordos de leniência, mais de 5 bilhões de reais.
No entanto, muitos desses acordos terminam não causando o efeito esperado por quem os assina com as autoridades. Empresas investigadas no âmbito da Lava-Jato, por exemplo, ainda tiveram de fazer acordos adicionais para voltar a operar. Outras não conseguiram vencer as dificuldades de negociação com o chamado Sistema em U — CGU, AGU e TCU. No fim das contas, o acordo gerava atritos sobre o real montante a ser pago à União, por conta das cobranças diversas feitas por vários entes estatais. A questão gerou intenso debate nas esferas pública e privada. A ponto de algumas empresas questionarem se teria de fato valido a pena ter formalizado um acordo, dada a dificuldade de poder voltar a operar — mesmo tendo pago pesadas multas e devolvido recursos considerados desviados.
Em determinado momento, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, decidiu promover um diálogo entre as entidades estatais envolvidas, tendo em vista dar maior celeridade e maior estabilidade aos acordos. A saber, além do Sistema em U, a Procuradoria-Geral da República (PGR). O que parecia inviável está avançando de forma consistente e resultando em uma minuta de Acordo de Cooperação Técnica que será celebrado, sob a coordenação do STF, pelos órgãos mencionados e, ainda, pelo Ministério da Justiça. A minuta estabelece que, sem abrir mão de suas respectivas competências, tais órgãos devem atuar de forma coordenada e manter uma troca de informações realmente eficaz.
“Trata-se de um excelente recado para o investidor estrangeiro, que pode enxergar segurança jurídica”
A iniciativa é fundamental para dar maior segurança jurídica aos acordos. A medida trata de questões entre instituições estatais, mas deveria, também, assegurar às empresas a volta às atividades sem maiores restrições. Diferentemente de outros países, no Brasil as empresas que optam pela colaboração com a Justiça geram repulsa nos mercados financeiro, de crédito e de seguros, essenciais para as atividades econômicas, caso do setor de infraestrutura, por exemplo. A coordenação das ações de colaboração e de combate à corrupção é necessária, assim como a demonstração desses entes, e do próprio Estado, de que a busca pela correção de malfeitos é uma oportunidade real para a reabilitação. Trata-se de um excelente recado para o investidor estrangeiro, que pode enxergar no Brasil a existência de empresas com capacidade técnica e segurança jurídica suficientes para que possam tocar seus projetos.
Existem questões que ainda remanescem, como bem apontou o advogado Sebastião Tojal, em texto sobre o tema em 2019. Tais como os limites das cortes de contas em relação aos acordos e às empresas lenientes, a uniformidade de aplicação dos acordos em toda a federação e, ainda, o estabelecimento de mecanismos de sanção caso o Estado não cumpra sua parte. Já que o acordo de leniência é um negócio jurídico bilateral com deveres e direitos para as partes que o assinam.
Publicado em VEJA de 12 de agosto de 2020, edição nº 2699