Historicamente, o terceiro ano de mandato do presidente da República costuma ser de potenciais avanços estruturais. Isso porque é um período sem eleições, o que afasta as pressões dos debates políticos. Mas a concretização dos avanços depende de alguns fatores: ter uma boa agenda, possuir capacidade para articulá-la, construir uma base de apoio, saber se comunicar. Não são desafios triviais.
Neste fim de ano, esses quatro fatores, que determinarão a intensidade e a qualidade do governo em seu terceiro ano, apresentam sérias instabilidades. A primeira reside no fato de que a agenda propositiva está contaminada pelo combate à pandemia de Covid-19, cujos efeitos estão longe de terminar. Tal fato coloca o mundo político em conflito, atrapalhando a articulação de saídas para os impasses econômicos e sociais postos pela própria pandemia. O conflito gera efeitos de curtíssimo prazo (na disputa pelas presidências do Congresso) e também de médio prazo (na sucessão presidencial de 2022). Tudo ainda é alimentado pela rivalidade política em torno da primazia de vacinação contra a Covid-19. Sem definição sobre as eleições sucessórias no Congresso, a questão da base política do governo também fica pendente até o início de março de 2021. Só a partir da eleição das presidências da Câmara e do Senado, o governo redefinirá sua base, por meio de uma reforma ministerial.
Permanece a questão da comunicação. O governo sabe comunicar muito bem para os seus aliados originais, mas nem tanto para aqueles que olham apenas o desempenho, e não o debate ideológico que se instala. Existem deficiências em mostrar para o grande público o que se pretende fazer para a retomada pós-pandemia.
“O presidente Jair Bolsonaro vai governar para ser popular ou para enfrentar nossos desafios?”
A sorte é que, seguindo uma tradição iniciada na redemocratização, os próprios governos têm sido seus maiores adversários: aliados ou potenciais aliados terminam criando mais dificuldades que a oposição. Sob o ponto de vista do governo, seria ainda pior se as oposições estivessem fortalecidas e unidas.
Para avançar em sua agenda em 2021, o governo tem de se sair bem nos quatro desafios que mencionei. A seu favor existem três fatores que vão ajudá-lo no início do ano: a popularidade ainda positiva, a vocação reformista do Congresso e a divisão da oposição. Mas tais aspectos podem não perdurar.
No entanto, sem comprovar capacidade de articulação, as dificuldades vão ser crescentes, devido às incertezas na economia e seus eventuais reflexos negativos na popularidade do presidente. O que nos coloca diante de um dilema: o presidente Jair Bolsonaro vai governar para ser popular ou para enfrentar nossos desafios?
Como a cenografia da política em 2021 apresenta aspectos únicos provocados pela maligna aparição da pandemia e pelas contradições internas do governo, esperar grandes avanços seria excesso de otimismo. Porém, o futuro é imprevisível. Pode ser que meu ceticismo não se concretize. O acaso sempre aparece para contrariar as previsões. Esperamos que a boa fortuna nos abençoe, tornando o novo ano bem melhor do que este, que ora se encerra.
Publicado em VEJA de 16 de dezembro de 2020, edição nº 2717