Muitos me perguntaram se o Brasil, após tantos anos de processo democrático, poderia se transformar em uma republiqueta das bananas. Fui firme em dizer que não. Por paradoxal que seja, o Brasil de hoje é mais sólido em termos de instituições do que a Itália pré-Mussolini e a Alemanha pré-nazismo.
Temos instituições sólidas, ainda que em permanente tensão, que decorre da transição de um “hiperpresidencialismo” para um sistema compartilhado de poder. Além do fato de que existe uma poderosa judicialização da política, que abala a relação entre os poderes.
Apesar das tensões, a vocação para a ruptura institucional é limitada a grupelhos radicais de força política menos relevante. Tais movimentos anti-institucionais decorrem tanto do desencanto com soluções políticas quanto da adesão a soluções autoritárias.
Porém não se provoca rupturas sem a sociedade e as Forças Armadas. Em 1964, o movimento cívico-militar teve o apoio maciço da sociedade, da imprensa, do empresariado e um arcabouço ideológico vinha sendo nutrido fazia anos. Não é o caso de hoje. Nossa sociedade tem vocação democrática e deseja que as conquistas da redemocratização sejam preservadas e aperfeiçoadas. As Forças Armadas não querem o ônus de uma interferência política indesejável para a grande maioria.
“A crise de hoje está alavancada por narrativas inconsequentes e pela magnitude da pandemia”
Por mais que estejamos vivendo momentos de tensão institucional e a corda da política esteja esticada, uma ruptura, na forma de adiamento de eleições ou um golpe militar, é altamente improvável. A simples menção de sua possibilidade causa horror em um mundo que é crescentemente adepto da transparência e da boa governança.
No entanto, existem insatisfações evidentes com questões essenciais relacionadas à desigualdade, com a qualidade dos serviços públicos e mesmo com o sistema político. Tais aspectos não devem ser desconsiderados pelas elites governantes. E a melhor forma de evitar que a corda esticada se rompa é que respostas concretas e estabilizadoras do ambiente político sejam dadas por todos.
Antes de o presidente Jair Bolsonaro ser internado, os presidentes dos três poderes iam se reunir, em um gesto que poderia significar um pacto de proteção de nossa democracia em construção. Seria uma atitude fundamental e em consonância com o que deseja a maior parte de nossa cidadania.
Ainda que a possibilidade de nos transformarmos em uma Venezuela seja remota, não custa repetir que o preço da liberdade é a eterna vigilância. Todos devem estar vigilantes para que nossas conquistas democráticas sejam preservadas e aperfeiçoadas. A crise de hoje está alavancada por narrativas inconsequentes e pela magnitude da pandemia. Mas jamais deve ser supervalorizada sem considerar as forças democráticas que há na sociedade e em nossas instituições.
É evidente que nossa democracia em construção, cheia de contradições resultantes da corrupção, do gigantismo de um Estado ineficiente, do corporativismo e do desequilíbrio entre as instituições, deve buscar aperfeiçoamentos. Mas sempre sob o abrigo da Constituição. O recomendável é o exame desapaixonado da realidade, visando a identificar a real extensão das ameaças e as oportunidades que se apresentam.
Publicado em VEJA de 21 de julho de 2021, edição nº 2747