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Salada russa: guia do misterioso caso do elo Trump-Moscou

Tudo não é o que parece nas novas revelações sobre contatos enrolados entre a turma de Trump e figuras dúbias da Rússia ou a serviço de outros

Por Vilma Gryzinski Atualizado em 11 jul 2017, 12h50 - Publicado em 11 jul 2017, 12h48

O que é garantido sobre os novos desdobramentos dos contatos entre o pessoal de Donald Trump e cidadãos russos com objetivos duvidosos: o filho mais velho do presidente se encontrou com uma advogada russa chamada Natalia Veselnitskaya durante a campanha.

Donald Trump Jr. também mentiu a respeito do encontro para o New York Times. Primeiro, disse que tinha tratado do assunto da adoção, atualmente proibida, de órfãos russos por cidadãos americanos. Depois, admitiu que havia uma proposta de revelação de informações comprometedoras sobre a campanha de Hillary Clinton.

Negar, ocultar ou só confirmar quando não existe outra alternativa contatos com russos, a serviço do governo ou particulares, tem sido um comportamento comum entre os integrantes da órbita Trump.

Difícil é entender as motivações ou verdadeiros interesses desse caso. Com seus múltiplos personagens, ele fica cada vez mais parecido com a histórias de “espião contra espião”, um infinito jogo de espelhos em que não se sabe quem está agindo a serviço de quem e de quais causas.

As hipóteses são três. Primeira: Trump recebeu, com conhecimento de causa, informações do governo russo para ajudar sua campanha contra Hillary, numa atitude criminosa.

Segunda: foi manipulado pelos russos involuntariamente, num jogo altamente comprometedor.

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Terceira: os verdadeiros autores da tramoia estavam a serviço dos adversários democratas de Trump, também um ato criminoso.

Para ajudar, um guia rápido dos principais envolvidos, e respectivos desdobramentos,  na reunião de 9 de junho do ano passado, na Trump Tower, com participação de Trump Jr.; Paul Manafort, que na época era o diretor de campanha e foi afastado justamente por contatos no passado com o regime russo, via a ala pró-Moscou do governo ucraniano, e Jared Kushner, genro e agora assessor presidencial.

Natalia Veselnitskaya
Natalia Veselnitskaya (Yury Martyanov /Kommersant/AP)

A ADVOGADA QUE VEIO DO NADA

Natalia Veselnitskaya foi promotora pública na Rússia e depois passou a ter banca particular. Seu caso mais importante: foi contratada pelo milionário Denis Katsyv, dono de uma holding chamada Prevezon, para representá-lo, entre outros, num processo aberto pelo Departamento de Justiça por lavagem de dinheiro nos Estados Unidos.

Katsyv, que é filho de um ex-ministro dos Transportes, já estava numa espécie de lista negra de atingidos pela Lei Magnitsky, criada em 2012 pelo Congresso americano e aprovada a contragosto pelo presidente Barack Obama para punir envolvidos na morte do advogado Sergei Magnitsky (ver em seguida).

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Natalia declarou para a NBC que só queria tratar com Trump Jr. da Lei Magnitsky, em nome de seu cliente. Não tinha nada de nada sobre Hillary Clinton nem sobre o comitê democrata.

Por que o próprio Jr, mencionou a campanha adversária depois que a história apareceu no Times? “É possível que eles quisessem tanto uma informação assim que só ouvissem seu próprio pensamento a respeito”, desconversou ela, numa das mais acrobáticas despistagens de todos os tempos.

Anteriormente, a advogada havia conseguido um visto provisório para representar seu cliente nos Estados Unidos. Na volta, enfrentou um pente fino em Heathrow, o aeroporto londrino.

O caso de lavagem de dinheiro foi acertado em maio com o pagamento de seis milhões de dólares, apenas uma semana antes de ser levado a julgamento.

O acordo é dúbio:  se Denis Katsyv pagou, devia dever algo; mas se se os promotores nova-iorquinos estivessem plenamente seguros de suas provas, não aceitariam encerrar um caso de 230 milhões por uma quantia relativamente irrisória.

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EUA criaram lista negra em resposta à morte não esclarecida do advogado Sergei Magnitsky
Sergei Magnitsky (AFP/VEJA)

MORTO SEM SEPULTURA

Sergei Magnistky foi contratado por um fundo de investimentos com sede em Londres, o Hermitage, para investigar um caso que até no Brasil parece inventado.

O dono do Hermitage, William Browder, havia ganhado muito dinheiro na época em que russos sem nada, a não ser inteligência e tino para aproveitar viradas históricas, haviam se tornado donos de tudo, com as escandalosas privatizações da era Yeltsin usadas para criar os oligopólios.

Browder entrou em choque com o novo presidente, Vladimir Putin, mas conseguiu vender seus investimentos e tirar o dinheiro da Rússia. Tanto dinheiro que pagou, de imposto, em 2005, o equivalente a 230 milhões de dólares.

Dois anos depois, agentes do fisco e do Ministério do Interior descobriram recibos do pagamento criaram um plano mirabolante, com empresas de fachada e contratos falsos, para conseguir a devolução do imposto pago. Detalhe: o dinheiro foi para eles. Magnitsky descobriu o esquema e o denunciou.

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Resultado: foi preso. Morreu  na prisão em 16 de novembro de 2009, depois de ficar doente por causa de maus tratos e sofrer espancamentos com cassetetes de borracha. Virou um emblema da luta contra a corrupção e os abusos do império Putin.

O Senado americano aprovou a lei com o nome do advogado em 2012, prevendo retaliações contra russos envolvidos em abusos contra direitos humanos. O governo Obama foi contra, dizendo que o Departamento de Estado já tinha mecanismos punitivos do tipo, mas o presidente finalmente assinou a lei.

Por causa dela, Denis Katsyv, que não tinha nada a ver com o caso Magnitsky em si, acabou entrando na lista negra.

Christopher Steele
Christopher Steele, ex-agente do MI6 (Victoria Jones/PA Images/Getty Images)

FABRICANTES DE DOSSIÊS

Agora a história fica mais interessante ainda. Em defesa própria, Katsyv contratou uma empresa chamada Fusion GPS, dedicada a “pesquisas qualificadas  e informações estratégicas” para corporações, escritórios de advocacia

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A empresa pertence a três jornalistas que trabalharam para o Wall Street Journal: Glenn Simpson, Peter Fritsch e Thomas Catan.

Fritsch foi chefe da sucursal do Journal no México e cobriu Brasil durante anos, na época do presidente Fernando Henrique Cardoso. É casado com uma mexicana.

Durante a segunda campanha presidencial de Barack Obama, a Fusion GPS se envolveu com um dos doadores do adversário republicano, Mitt Romney, “denunciado” por ter contribuído para uma organização contra o casamento de homossexuais.

Mas a empresa ficou conhecida por ter contratado o autor do dossiê com dados altamente suspeitos sobre Donald Trump, o ex-espião inglês Christopher Steele. O dossiê infame é o que menciona uma parafilia sexual supostamente filmada pelos russos para chantagear Trump.

Steele disse que usou contatos russos para falar, por telefone, com informantes locais. O FBI usou o dossiê fabricado para dar uma maquiagem legítima à sua divulgação, incluindo-o num “relatório” apresentado a Obama pouco antes da posse de Trump.

A Fusion GPS foi contratada primeiro por um adversário republicano para escavar sujeiras sobre Trump, na fase das primárias. Depois, passou a prestar serviços ao comitê democrata.  Tudo isso, evidentemente, compromete seus propósitos. Os métodos também não parecem nada legítimos.

Rob Goldstone
Rob Goldstone (Foto/Reprodução)

OLHEM A CARA DO INTERMEDIÁRIO

Alguém confiaria num e-mail mandado por Rob Goldstone? O divulgador artístico fez o contato entre Natalia Veselnitskaya e Donald Trump Jr. para a reunião fatídica. Ele é mais um cidadão britânico envolvido nessa encrenca. Ex-repórter de tabloide, uma excelente formação para furos, é baseado em Nova York.

Trump Jr. divulgou um e-mail de Goldstone no qual diz que promotor-geral russo “acabou de contar” que tinha informações quentes comprometendo Hillary Clinton em negociações com a Rússia – uma bomba em incontáveis sentidos.

Goldstone conhece o presidente americano através de seu principal cliente,  o cantor Emin Agalarov, filho de um milionário do Azerbaijão. Por causa de Emin, fez 19 viagens a Moscou desde 2013, segundo o Guardian.

O pai de Emin é mais um bilionário com conexões russas, Aras Agalarov. A informação quente, sobre Hillary, segundo Goldstone, foi passada a ele. Do ramo imobiliário, como Trump, ele foi um dos patrocinadores do Miss Universo de 2013, feito em Moscou. Trump era o dono do concurso.

Foi por causa do Miss Universo que passou a temporada em Moscou – mencionada no dossiê envolvendo prostitutas e atos sexuais alternativos, já especificamente desmentidos por Trump.

Devido ao potencial do encontro de vinte minutos entre a advogada Natalia Veselnitskaya e o filho do presidente, também foi desencavado um registro comprometedor: Trump faz uma participação especial num clip de Emin Agalarov.

O vídeo não vai ganhar o prêmio de clip do ano de jeito nenhum. Em torno de uma mesa de reunião, Emin sonha com umas garotas bonitas, de biquíni branco, com faixas de miss, numa mansão de derrubar queixos até de sertanejos brasileiros.

Volta à realidade quando Trump aparece na cabeceira dizendo o clássico: “Você está demitido, Emin”. É um toque hilariante numa história com mais personagens que romance de Tolstói e desdobramentos de filme de espionagem.

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