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Holofotes no “timoneiro”

A festa dos 100 anos do Partido Comunista não vai ser tranquila

Por Vilma Gryzinski Atualizado em 4 jun 2024, 13h42 - Publicado em 4 jun 2021, 06h00

Em julho de 1921, treze intelectuais chineses saídos de grupos de estudos marxistas se reuniram em Xangai e começaram a traçar, obviamente sem saber disso, o que viria a ser talvez o maior milagre de reconstrução nacional de todos os tempos. Interrompida pela polícia, a reunião continuou a bordo de um barco no lago da cidade de Jiaxing. Foi, assim modesto, o nascimento do Partido Comunista da China, hoje a maior organização do planeta, com 94 milhões de membros. Como a Roma dos césares, o partido sobreviveu à loucura maximalista de seus próprios líderes, inclusive e acima de tudo Mao Tsé-tung, grande reconstrutor e ao mesmo tempo destruidor da nação. Com Mao embalsamado no seu mausoléu na Praça da Paz Celestial, os líderes aberturistas do partido liberaram as forças produtivas engessadas pela ortodoxia ideológica, lançando ao mar o transatlântico do progresso econômico em escala jamais vista — incluindo-se aí a Alemanha e o Japão derrotados e vencidos na II Guerra, mas com o capital humano preservado para tocar a reconstrução. Em fevereiro passado, Xi Jinping, que agora adotou o título de “Timoneiro”, antes exclusivo de Mao, fez um dos primeiros anúncios dos muitos que acompanham as celebrações dos 100 anos de fundação do partido: “A árdua tarefa de erradicar a pobreza extrema foi cumprida”. E, como bom quadro, deu os números detalhados. Foram exatamente 98,99 milhões de pessoas, habitantes de 128 000 localidades rurais, que tiraram o pé da lama. Quando o PCC tomou o poder, em 1949, depois da arrasadora guerra civil, o PIB per capita era menos de 1 dólar. Hoje, é de 10 200 dólares.

“Qualquer pessoa com um mínimo de honestidade não pode cravar que o vírus escapou do laboratório”

Ironicamente, nesse ano de comemorações oficiais, a China enfrenta suspeitas cada vez mais concretas de que não apenas tentou abafar a eclosão da epidemia do novo coronavírus, mas também escondeu deliberadamente sua origem. Qualquer pessoa com um mínimo de honestidade intelectual percebe que não pode cravar que o vírus escapou do laboratório da Mulher-Morcego, a virologista Shi Zhengli que conduzia pesquisas no Instituto de Virologia de Wuhan, a poucas centenas de metros do mercado de animais silvestres abatidos na hora para os fregueses, o suposto foco da pandemia. Mas também não é possível garantir a hipótese contrária, o que foi feito com excesso de entusiasmo, inclusive por cientistas talvez motivados pelo desejo de desmoralizar Donald Trump. O que se sabe já é suficiente para tirar o fôlego do planeta: as pesquisas de Shi Zhengli incluíam manipulações na proteína do coronavírus que o tornam mais propenso a contaminar os receptores humanos. Três técnicos do laboratório foram internados em novembro de 2019 com doença respiratória. Testes em 80 000 espécimes animais não encontraram até agora traços do novo vírus, ao contrário do que ocorreu com seus antecessores Sars e Mers. O que aconteceria na hipótese, ainda remota, de se comprovar que o vírus saiu do laboratório da Mulher-Morcego? “Ou se morre como herói ou se vive o bastante para se tornar o vilão”, filosofaria seu primo Batman. A festa dos 100 anos do partido não vai ser tranquila.

Publicado em VEJA de 9 de junho de 2021, edição nº 2741

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