Marinha mobiliza anfíbios no planalto seco, em plena crise
A "trágica coincidência", como definiu Arthur Lira, presidente da Câmara, foi definida no início do mês, pelo ministro da Defesa com o comandante da Marinha
O Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) adverte: tempo seco, com umidade relativa do ar em torno de 25% nos horários de insolação mais intensa no Plano Piloto, em Brasília, o que requer cuidados com a saúde.
Nesse cenário desidratado, distante 1.000 quilômetros do litoral, a Marinha resolveu exibir carros anfíbios de combate na Esplanada dos Ministérios, em área próxima ao espelho d’água do Congresso Nacional e do calçamento do Supremo Tribunal Federal. E logo hoje, dia de votação na Câmara do projeto de lei com o qual Jair Bolsonaro que tenta impor o regresso do país à era do voto impresso. “Trágica coincidência”, definiu Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara.
Poderia ter sido um acaso na agenda do ministro da Defesa Walter Braga Netto, a quem se atribui a organização do evento dos anfíbios na seca do planalto. Mas a história ensina: não existe acaso em política. Planeja-se. E os planos sempre estão sujeitos à Lei de Murphy: “Se alguma coisa pode dar errado, ela dará.”
O ministro da Defesa e o comandante da Marinha, Almir Garnier Santos, decidiram o desvio dos anfíbios para a esplanada no início do mês, no Rio, durante uma jornada de discussões sobre o Sistema de Gerenciamento da Amazônia Azul, para o qual o Congresso reservou R$ 6,7 bilhões reservados no orçamento deste ano.
General aposentado, Braga Netto tem se mostrado na Defesa um ativista da campanha de reeleição de Bolsonaro. Seria legítimo sem o uso da estrutura de governo e, principalmente, das Forças Armadas. Durante o mês passado, ele provocou mais confusão na política do que qualquer dos antecessores no Ministério da Defesa nos últimos 22 anos. Em linguagem anfíbia, fez até uma defesa pública das posições partidárias de Bolsonaro em assuntos cuja competência é exclusiva do Legislativo, como define a Constituição.
O voto impresso é item de marketing eleitoral do presidente-candidato, que o transformou num instrumento de confronto institucional com o Judiciário — especificamente o Supremo e o Tribunal Superior Eleitoral.
Braga Netto foi personagem no enredo governamental da desastrosa gestão da pandemia, agora sob investigação da CPI do Senado. Chefiou a Casa Civil durante a emergência sanitária e, até março passado, comandou o “Centro do Governo”.
Nesse período, recebeu algumas advertências do tribunal de contas sobre “a ausência de diretriz estratégica clara de enfrentamento à Covid-19”. Um dos alertas continha a recomendação para que não permanecesse inerte “diante desse cenário de mortandade desenfreada” e que passasse a adotar nos gastos públicos “critérios relacionados à redução de contaminação e de mortes causadas pela Covid-19”. Ontem à noite contavam-se 563,7 mil mortes no pandemônio pandêmico.