Em expansão, Abin incorpora servidores e dados de 48 órgãos federais
Governo impõe repasse de informações "sempre que solicitadas". Órgãos devem fornecer servidores permanentes ao Centro Nacional de Inteligência
Discretamente, Jair Bolsonaro está realizando a maior expansão da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) desde sua criação, há 22 anos.
Duas semanas atrás assinou um decreto (nº 10.529/2021) ampliando para 48 o número de órgãos públicos integrantes do Sistema Brasileiro de Inteligência, um guarda-chuva jurídico da agência para coleta de informações nessas bases de dados federais. Eram 39 quando ele chegou ao Palácio do Planalto. Além deles, prevê-se uma coletânea de organismos estaduais colaboradores, definidos internamente como “entidades ou órgãos parceiros” — não se conhece essa lista.
Todos esses 48 organismos federais já forneciam informações, mas de maneira passiva e com limites definidos nas respectivas responsabilidades de sigilo. Agora, estão formalmente engajados num sistema de vigilância — para alguns espionagem — projetado com ambição e abrangência nacional. E estão obrigados a repassar informações, sigilosas ou não, “sempre que solicitados”.
Essas seções governamentais devem designar servidores para trabalhar no Centro Nacional de Inteligência, unidade da Abin responsável pela produção de relatórios a partir de uma “coleta estruturada” de dados.
Os funcionários precisam deixar as “atribuições habituais no órgão de origem” e trabalhar “em regime de disponibilidade permanente” na unidade, obedecendo normas de um “regimento interno” ainda inexistente na Abin. A norma vale tanto para burocratas civis quanto militares dos serviços secretos das Forças Armadas.
O Centro Nacional de Inteligência é uma inovação introduzida no ano passado na estrutura da agência. Foi desenhado como novo braço operacional na ampliação das investigações domésticas nos casos arbitrados como suspeitos de ameaça “à segurança e à estabilidade do Estado e da sociedade” — definição ampla de competência dada pelo decreto (nº 10.445/2020) que legitimou a existência dessa unidade na Abin.
No papel, vai coordenar o fluxo de dados e informações consideradas “oportunas e de interesse”. Deve reunir uma centena de pessoas, metade recrutada na burocracia de órgãos como os ministérios da Economia, Comunicações, Infra-estrutura, Agricultura e Minas e Energia; as agências de Aviação Civil e de Telecomunicações; a Controladoria-Geral e a Advocacia-Geral da União; os departamentos de Trânsito, Transportes Terrestres e Penitenciário, entre outros. Servidores sem especialização, serão treinados na Escola de Inteligência que, até agora, estava restrita aos funcionários dos quadros do serviço secreto federal.
A Abin tradicionalmente rejeita a palavra “espionagem” na definição de suas atividades. Em tese, ela teria potencial de conflito com a legislação produzida na esteira do desmonte do órgão de origem, o extinto Serviço Nacional de Informações (SNI) organizado a partir do golpe de 1964.
No entanto, espionagem ou vigilância secreta são sinônimos adequados à descrição de um aparato estatal em plena expansão, fundamentada na obrigatoriedade de cooperação de outros 48 órgãos públicos, cuja função impõe o resguardo de informações sigilosas sobre pessoas e empresas levantadas nas suas rotinas operacionais.
Os textos dos decretos que legitimam o novo projeto da Abin são dúbios em alguns aspectos e compulsórios em outros, mas com margem suficiente para dar à agência acesso a todo e qualquer tipo de informação. O controle e fiscalização do Legislativo, na prática, não existe.