Série ‘Physical’, com Rose Byrne, é afiada sátira da era da aeróbica
A protagonista descobre na malhação do início dos anos 80 um modo de ao mesmo tempo exaltar e castigar aquele velho inimigo feminino — o corpo
Sheila (Rose Byrne) não tem ninguém em alta conta, mas a si mesma ela detesta: enquanto sorri por fora, por dentro ela se xinga, deprecia-se e se rebaixa, por coisas como o hábito de, entre uma tarefa e outra do dia, desviar para o banco, sacar dinheiro, rumar para o drive-thru de uma lanchonete e de lá seguir para um quarto de motel onde, sem roupa para não se sujar, ela cai em cima de três cheeseburgers com uma montanha de fritas e milk-shake — que, na sequência, vai ao banheiro vomitar. Todo dia, ela jura que será a última vez. Nunca é. E, no esforço de conciliar ansiedade e frustração com magreza, Sheila está devorando também as economias da família em fast-food e motéis. Fracassada, idiota, preguiçosa, repelente, burra — essa é só a parte publicável da ladainha com que ela se ataca nos monólogos interiores que dão uma camada extra de sátira à tragicômica Physical (Estados Unidos, 2021), já na Apple TV+.
+ Compre o livro O Mito da Beleza
+ Compre o disco Magic – The Very Best Of Olivia Newton-John
Desde o título, o humor é sardônico: embora ele cite a canção grudenta em que Olivia Newton-John celebrava as alegrias da ginástica aeróbica — as quais Sheila a certa altura vai descobrir, e com as quais vai lucrar —, a série criada pela produtora Annie Weisman, de Desperate Housewives, mergulha é em um desespero familiar às mulheres: o de odiarem o próprio corpo como um inimigo. É em resposta à rotina de objetificação e às conhecidas pressões sociais, e também como a tela em que um sem-número de frustrações são projetadas. Antes uma universitária engajada na fervilhante São Francisco e agora, em 1981, uma dona de casa de classe média na plácida San Diego, Sheila sente que sucumbiu. Passa o dia fazendo as vontades da filha pequena (que chora e grita, e grita e chora, com aquela implacabilidade das crianças pré-escolares) e, pior, do crianção folgado e autoabsorto que ela tem por marido — Danny (Rory Scovel), ex-estrela do movimento contra a Guerra do Vietnã que se acha o máximo, apesar das evidências muito ralas nesse sentido. Em questão de minutos, no primeiro dos dez episódios, Danny terá perdido o posto de professor em uma universidade de terceira linha, por indolência e incompetência. É trabalho de Sheila catar o ego dele do chão, erguê-lo de novo e lustrá-lo, com a sugestão improvisada — a única que ocorre a ela — de que ele concorra a um cargo político local. Má ideia: a campanha vira pretexto para Danny fazer mais do mesmo. Ou seja, bem pouco, na companhia de ex-alunas jovens e atraentes e de um velho amigo de personalidade atroz.
+ Compre o Box – O segundo sexo
Às vezes o roteiro se preocupa mais com quanto de Lycra, perneiras e sombra azul é possível pôr em cena do que em dar aos demais atores — ótimos intérpretes como Dierdre Friel, Lou Taylor Pucci, Della Saba e Paul Sparks — as tramas consistentes que seus personagens merecem. Mas com Rose Byrne, ao menos, ele não falha. Quem dá o tom, já no primeiro episódio, é Craig Gillespie. O diretor de Eu, Tonya e Cruella vem se revelando uma espécie de poeta beat da fúria feminina, e em Rose Byrne encontra outra musa inspiradora. Capaz de pintar um retrato que, apesar dos traços fortes, nunca resvala na caricatura, Rose faz uma Sheila espirituosa, mesquinha e carente, distraída e muito atenta — e magnificamente descontente.
Publicado em VEJA de 30 de junho de 2021, edição nº 2744
*A Editora Abril tem uma parceria com a Amazon, em que recebe uma porcentagem das vendas feitas por meio de seus sites. Isso não altera, de forma alguma, a avaliação realizada pela VEJA sobre os produtos ou serviços em questão, os quais os preços e estoque referem-se ao momento da publicação deste conteúdo.

No Cerrado, nova geração transforma fazenda em modelo de agricultura regenerativa
Como música póstuma de Marília Mendonça saiu do papel sem Inteligência Artificial
Como brasileiro pretende gastar o prêmio milionário do príncipe William
Itamaraty vê clima esfriar para nova conversa com os EUA sobre o tarifaço
Ana Maria Braga comete gafe ao vivo em comentário sobre a COP30







