Sabor de aventura
Os Sem-Floresta, um desenho que não é esterilizado nem desnatado
Fanático pelo salgadinho Batatitas, um guaxinim arranja confusão com um urso grande e malvado, que lhe dá uma semana para repor todos os seus estoques roubados. R.J., o guaxinim, arruma então um jeito de cair nas graças de um grupo de amigos — um jabuti, alguns porcos-espinhos, uma gambá e assim por diante — cuja especialidade é juntar comida para a época da hibernação. Sua idéia é se valer do fato de que os amigos estão aturdidos: ao saírem do sono de inverno, encontraram sua floresta reduzida a um trecho minguado, fechada por uma cerca viva e rodeada de todos os lados por um imenso condomínio suburbano. R.J. vicia suas vítimas em junk food e então mostra a elas o paraíso que está além da cerca: centenas de quintais, cozinhas e despensas abarrotados de refrigerantes, biscoitos, frituras e tudo o mais que possa conter calorias vazias. R.J. vai ensiná-los a roubar esses tesouros e então entregá-los ao urso, salvando assim a sua pele. Ou esse é o plano — o que, no delicioso Os Sem-Floresta, não quer dizer muita coisa. Do lado de lá da cerca existem não só delícias, mas também um tipo peculiar de predador: seres humanos gigantescos e truculentos, que rodam em caminhonetes colossais, gritam em telefones celulares e dão vassouradas em toda forma de vida não aprovada pelo estatuto do condomínio. Como nos geniais desenhos que o veterano Chuck Jones fazia para a Warner ou nos primeiros curtas-metragens da Pixar, a graça da nova animação da DreamWorks está no pesadelo.
O humor caótico e irreverente de Os Sem-Floresta, porém, não é gratuito. Se há uma coisa que os diretores Tim Johnson (de Formigaz) e Karey Kirkpatrick (roteirista de O Pequeno Vampiro) parecem compreender é o medo dos pequenos diante dos grandes e a insegurança que suas regras misteriosas provocam. Este é genuinamente um desenho para crianças, que fala de forma direta às suas inquietações — o que só torna mais imediata também sua capacidade de falar aos espectadores adultos. Essa é, enfim, a melhor lição que se pode tirar de Os Sem-Floresta. Quanto mais os estúdios de animação procuram talhar seus produtos de acordo com fórmulas preconcebidas para a faixa etária-alvo, mais desnatados, esterilizados e homogêneos eles resultam. Nada como a originalidade e o espírito de aventura de Os Sem-Floresta para treinar o paladar a reconhecer, e apreciar, outros sabores.
Isabela Boscov
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Publicado originalmente na revista VEJA no dia 05/07/2006
Republicado sob autorização de Abril Comunicações S.A
© Abril Comunicações S.A., 2006
OS SEM-FLORESTA
(Over the Hedge)
Estados Unidos, 2006
Direção: Tim Jonhson e Karey Kirkpatrick
No original, com as vozes de Brucer Willis, Gary Shandling, Steve Carell, Wanda Sykes, William Shatner, Nick Nolete, Thomas Haden Church, Allison Janney, Eugene Levy, Catherine O’Hara, Avril Lavigne