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Isabela Boscov

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Fragmentado

Um bom argumento, dois ótimos atores, direção envolvente. Mas aí Shyamalan não se aguenta, e cai no ridículo. De novo

Por Isabela Boscov Atualizado em 4 jun 2024, 18h23 - Publicado em 23 mar 2017, 16h52

O ponto de partida é promissor: saindo de uma festa de aniversário, em plena luz do dia, três garotas – duas amigas, mais a garota esquisita da classe – são sedadas e raptadas, e acordam em um quarto em algum porão abandonado. As intenções do raptor (James McAvoy) não são claras, mas obviamente são péssimas. Enquanto as duas amigas, Claire e Marcia (Haley Lu Richardson e Jessica Sula), se desesperam, a terceira menina, Casey (a mesmerizante Anya Taylor-Joy, de A Bruxa), adota uma atitude mais racional: observar e compreender para então planejar uma tática. E coisa para observar é o que não falta. O sequestrador ora se apresenta como o homem metódico que as levou, ora como uma mulher afetada, ora como um menino com uma língua presa muito chatinha. Enquanto essas três versões parecem estar colaborando entre si, uma quarta versão – um estilista gay que atende pelo nome de Barry – tenta buscar ajuda contra o “trio” junto à sua psiquiatra, a veterana dra. Fletcher (Betty Buckley). A dra. Fletcher trata há anos Barry e os seus 22 alter egos, e é defensora da teoria de que pacientes com múltiplas personalidades são mais do que isso: são várias pessoas diferentes, capazes inclusive de modificar profundamente a fisiologia do corpo em que convivem. E esse é o ponto em que Fragmentado, muito envolvente na sua primeira hora e tanto, derrapa no besteirol: o momento em que endossa a teoria desatinada da dra. Fletcher e se dedica a prová-la de forma estrepitosa.

Cena do filme
(Blumhouse Productions/Blinding Edge Pictures/Divulgação)

Desde O Sexto Sentido, de 1999, o roteirista/diretor/produtor M. Night Shyamalan provou ter sempre ótimo instinto para o ritmo em que se constrói a tensão e para aquilo que sua câmera deve mostrar, e como – quais elementos de uma cena devem entrar no campo de visão do/a protagonista (e no do espectador), e que caminho o olhar deve percorrer para criar o máximo de dúvida e, portanto, de suspense. Esse é um dom que dificilmente se ensina, e que dificilmente se perde também: nesse aspecto, Fragmentado é Shyamalan no seu mais ágil.

Cena do filme
(Divulgação)

Mas o problema do diretor nunca foi falta de perícia nem de imaginação para filmar. O obstáculo em que ele tropeça é sempre precisamente o mesmo: a falta de crítica para separar as ideias absurdas mas engenhosas (O Sexto Sentido, Corpo Fechado, Sinais) das ideias simplesmente estapafúrdias (tudo o mais daí para a frente). Até seu ato final, Fragmentado se apresenta como uma volta aos bons tempos. Nesse ato final, porém… Não dá. Há limite para o quão longe se pode viajar na maionese.

Cena do filme
(Blumhouse Productions/Blinding Edge Pictures/Divulgação)

É pena que o desfecho caia no ridículo, porque no geral o filme genuinamente entretém, porque James McAvoy está muito bem em quase todos os seus papeis (na verdade, só quatro das “personalidades” têm participação marcante no enredo) e porque Anya Taylor-Joy confirma a impressão que deixou em A Bruxa, de que é mesmo um achado – uma combinação rara de inocência e estranheza, com aquela vibração de pessoa que atrai coisas esquisitas.

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Cena do filme
(Divulgação)

E é uma pena, também, porque é golpe baixo juntar fatos a invenções e propagar teorias pseudocientíficas em torno de uma doença real. Ninguém há de tomar tanto susto com Fragmentado quanto os profissionais da área de saúde mental: é um sarapatel o que Shyamalan faz com o já sempre complicado, questionado e não muito bem compreendido Transtorno Dissociativo de Identidade (TDI), até algum tempo atrás chamado de “transtorno de múltiplas personalidades”. Apesar de sua idade avançada, o pioneiro As Três Faces de Eva (1957) e a pérola kitsch Sybil (1976), com Sally Field, e o Síndrome de Caim (1992) de Brian De Palma são representações mais fidedignas do TDI que Fragmentado – enquanto o Gollum/Sméagol de O Senhor dos Anéis é um bom exemplo de algo que pode soar parecido mas é bem diverso, o Transtorno de Personalidade Esquizoide. Filmes evidentemente não são compêndios médicos nem têm obrigação de servir como esclarecimentos públicos do Ministério da Saúde. Mas também não devem nem precisam misturar alhos com bugalhos só porque lhes convêm.


Trailer

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FRAGMENTADO
(Split)
Estados Unidos, 2017
Direção: M. Night Shyamalan
Com James McAvoy, Anya Taylor-Joy, Betty Buckley, Haley Lu Richardson, Jessica Sula, Izzie Coffey, Brad William Henke, Neal Huff
Distribuição: Universal

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