Em ‘Profecia do Inferno’, diretor repete impacto do ótimo ‘Invasão Zumbi’
Supostos anjos vêm condenar e executar os pecadores. À medida que a histeria se espalha, não faltam homens e mulheres dispostos a assumir a tarefa
Iniciado no interior de uma cafeteria — logo destruída — e levado para o meio de uma avenida congestionada de Seul, o ataque desafia a compreensão: o que são aquelas três figuras assustadoras vindas de outro mundo ou dimensão, e por que elas teriam despedaçado e então incinerado aquele homem tão comum, à vista de todos, até deixar dele só os restos enegrecidos de um esqueleto? Com o detetive Jin (Ik-joon Yang) à frente, a polícia, resistente aos contornos supernaturais do caso documentado por um sem-número de celulares, abre uma investigação de homicídio. Para a população, é mais fácil crer nas alegações da até ali obscura Igreja da Nova Verdade, de que a Coreia do Sul acaba de testemunhar o primeiro episódio público de um fenômeno que há anos vem sendo alardeado pelo jovem pastor Jeong (Ah-in Yoo): cada vez mais pecadores virão ser avisados por um anjo de sua condenação, e então levados ao inferno na data e hora anunciadas. O aviso pode vir com horas, dias ou anos de antecedência. Mas o encontro está marcado.
À medida que os eventos se acumulam, explode o número de seguidores que aderem à mensagem da Nova Verdade, de que esse foi o meio encontrado por Deus para obrigar os humanos a renunciar ao pecado e torná-los melhores. O que não está claro, nunca, é que pecados tão terríveis teriam sido cometidos por vítimas como Jeong-ja (Shin-rok Kim), uma mãe de duas crianças que concorda em deixar a Nova Verdade transmitir ao vivo sua execução em troca de uma herança para os filhos. O que está muito claro, por outro lado, é que medo, histeria e fanatismo formaram já um turbilhão que está desfigurando a sociedade. Cada pai, cada filho e cada vizinho é um potencial delator e juiz.
Sang-ho Yeon, o criador, diretor e corroteirista de Profecia do Inferno (Hellbound, Coreia do Sul, 2021), já na Netflix, repete nesta série os feitos do seu estupendo Invasão Zumbi, de 2016 (também disponível na plataforma): filma com uma fúria e uma exuberância nunca diminuídas essa história estranha, imprevisível, tornando-a mais até do que crível e verossímil. Assistir aos seis episódios é como ver uma profecia sendo cumprida, de fato — uma profecia de manipulação de massas, de esgarçamento do tecido social e de deterioração do corpo político. Quando o sexto episódio termina, com um gancho espetacular para uma segunda temporada, a sensação não é de que Yeon disse o que tinha a dizer. É de que ele mal começou a fazê-lo.
Publicado em VEJA de 24 de novembro de 2021, edição nº 2765
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